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A Suprema Felicidade é, em sua essência, uma obra intimista e profundamente pessoal
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Divulgação
Marco Nanini tem o melhor desempenho no cinema brasileiro deste ano.

Há um paradoxo em A Suprema Felicidade, responsável por grande parte de seu encanto. Na superfície, o filme, que estreia hoje em 170 salas do país, tem toda a pinta de superprodução de época, com uma reconstituição primorosa do Rio de Janeiro entre as décadas de 40 e 50. Mas, lá no fundo, o primeiro longa-metragem do cineasta carioca Arnaldo Jabor em quase duas décadas não pretende ser épico ou grandioso: é, em sua essência, uma obra intimista e profundamente pessoal, um mergulho nas memórias de infância, adolescência e primeira juventude do cineasta. Assim como Federico Fellini fez em Amarcord.

Entre a ficção e a realidade, Jabor se transforma em Paulo, protagonista do filme. Nos primeiros anos, o personagem, ainda menino (Caio Manhente), começa a perceber que os pais, apesar de se amarem, iniciam a queda em direção ao fundo de um poço de onde não conseguirão mais sair. A mãe (Mariana Lima, excelente) é uma mulher exuberante, que canta standards do cancioneiro norte-americano em público e sonha com decotes ousados e em trabalhar e ser independente. O pai (Dan Stulbach), piloto da Força Aérea Brasileira, discorda. Quer a mulher em casa, cuidando da família. Submissa. Já ele pretende voar em aviões a jato.

Na adolescência, Paulo (Michel Joelsas, de O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias) está às voltas com a descoberta do sexo e começa a questionar as verdades absolutas pregadas pelos jesuítas no colégio onde estuda. A escola, no entanto, não chega a ser retratada como um ambiente apenas repressivo. Tam­­bém é espaço para o lúdico. É nessa época que o garoto descobre a violência, ao apanhar, sem motivo, de um colega mais forte, que lhe tira sangue do rosto – e também parte da inocência.

Ao chegar à idade adulta, Pau­­linho (Jayme Matarazzo), já com aspirações de se tornar escritor, quer viver tudo intensamente: as mulheres, os amores, os porres, a vida, enfim. Quer bebê-la num só gole. O romance com prostituta virgem que se veste de Marilyn Monroe (Tammy di La Calafiori) é um dos pontos altos do filme.

Em todas essas fases, há, a despeito do autoritarismo inseguro do pai e do amor melancólico da mãe, uma figura que ilumina seu caminho: o avô, vivido por um espetacular Marco Nanini, no melhor desempenho do ano no cinema brasileiro. Libertário, sábio e hedonista, ele toca trombone em gafieiras e vive uma relação apaixonada com a avó de Paulinho (Elke Ma­­ravilha), uma imigrante europeia também avançada para os padrões da época e que tenta ensinar à filha lições de autoestima. Para ele, felicidade existe apenas em momentos fugidios. Diz-se alegre. Apenas.

Narrado sem linearidade, mas dentro de uma coerência digna de um grande romance de formação, A Suprema Felicidade é um filme mágico, envolvente, ainda que imperfeito nos exageros inevitáveis da autoria levada às últimas consequências. Exige do espectador o esforço de mergulhar na subjetividade de Jabor, que fala de amor, Deus, família, sexualidade e finitude dentro de uma proposta estética que permite devaneios, interlúdios musicais fantasiosos, dubiedades, neblina, sombras e sonhos.

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