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Além da Estrada é uma viagem pelo Uruguai profundo
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Divulgação
Além da estrada tem o charme dos filmes nos quais “nada acontece”

Há um charme bastante peculiar em filmes nos quais nada parece acontecer. Além da Estrada, longa-metragem de estreia do cineasta carioca Charly Braun – atualmente em cartaz na Sessão CineCult do Cinemark Mueller – se enquadra nessa categoria. Mas engana-se quem se deixa levar pelas aparências: há muito em jogo sob a aparente placidez que se desvela na tela ao longo dos 85 minutos de projeção dessa obra singular, que deu a Braun o prêmio de melhor direção no Festival do Rio de 2010.

Rodado no Uruguai, em regime de coprodução, Além da Estrada é um filme brasileiro no qual mal se ouve a língua portuguesa. Conta a história de Santiago (Esteban Feune de Colombi), um jovem argentino, filho de uma família de banqueiros, que perde os pais em um acidente de carro. Ele chega a Montevidéu, teoricamente com a missão de resolver uma questão relacionada a sua herança. Mas, na verdade, trata-se de uma viagem muito mais existencial do que prática.

Do mesmo barco que o protagonista desembarca na capital uruguaia, desce Juliette (Jill Mulleady), uma garota belga que diz estar atrás de um namorado perdido, mas que também parece estar um tanto à deriva, em busca de respostas, de um caminho para chamar de seu. Quando Santiago lhe oferece uma carona, e os dois começam a viajar juntos, há uma espécie de colisão entre a solidão de um e de outro.

Braun, a exemplo de cineastas contemporâneos como Sofia Coppola, procura se libertar da ditadura do cinema narrativo convencional, no qual sempre é necessário que algo esteja acontecendo no filme. De preferência, uma ação que faça a trama se mover, sem causar grande inquietação ao espectador. Além da Estrada vai na direção contrária disso.

O diretor se apropria das deslumbrantes paisagens do Uruguai para construir um road movie que parte de Montevidéu e mergulha pelas estradas do país platense como uma espécie de metáfora sobre os caminhos e descaminhos interiores percorridos por Santiago e Juliette, personagens que em momento algum parecem ser feitos um para o outro. Pelo contrário: há mais dissonância do que sintonia entre eles. Ainda assim brota algo especial desse encontro entre desiguais.

Como ele não fala francês e ela não domina o espanhol, eles se comunicam basicamente em inglês, e há muitos silêncios, que permitem aos dois se observarem, se criticarem, e se sentirem atraídos um pelo outro. E o espectador é colocado na posição de voyeur. Enquanto isso, o casal mergulha em um país que é ao mesmo tempo tão próximo do Brasil e tão distante do nosso imaginário – esse estranhamento familiar é um dos pontos fortes do longa.

Numa decisão certeira, Braun costura um jogo improvável em que muitos dos personagens são vividos por não atores, que parecem interpretar a si mesmos, dando ao filme uma aparência híbrida, entre o documental e a ficção. Mas também há rostos famosos em cena, como Guilhermina Guinle, irmã de Braun, que vive Manuela, uma namorada socialite de Santiago. E a modelo britânica Naomi Campbell, que faz uma pequena participação, na qual critica o racismo de alguns estilistas, como o italiano Roberto Cavalli, que nunca trabalha com manequins negras.

Pequeno e intimista, Além da Estrada pode ser uma agradável surpresa para quem busca no ci­­nema mais do que mera diversão. Vale a pena experimentar.

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