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Austrália é épico metalinguístico
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Divulgação
A lady Nicole Kidman e o peão Hugh Jackman vivem um amor entre desiguais em Austrália.

E o Vento Levou (1939), O Mágico de Oz (1939), Assim Caminha a Humanidade (1956), Lawrence da Arábia (1962), Entre Dois Amores (1985). Se você não for um rato de cinema e jamais viu pelo menos três desses filmes, não perca seu tempo (e dinheiro), assistindo a Austrália, que estreia agora no Brasil.

São tantos os títulos citados pelo cineasta Baz Luhrmann em seu quarto longa-metragem que os espectadores mais iniciados, portadores de cinefilia crônica, podem inventar um jogo — “Qual É a Referência?” seria um bom nome — e se divertir muito. Quem não se enquadrar nesse perfil, todavia, corre sério risco de se entediar à morte: são 2 horas e 45 minutos de projeção.

Mas não desista de ler esta resenha nem de ver o filme. Austrália pode ser uma experiência cinematográfica emocionante e provocativa, dependendo do gosto freguês.

Alguns dos títulos mencionados acima e referenciados por Luhrmann têm algumas características fundamentais que os aproximam. São épicos grandiosos, focados em arrebatadas e turbulentas histórias de amor ou em personagens heroicos, que povoam paisagens espetaculares. E todos, à exceção de O Mágico de Oz, têm panos de fundo históricos, que vão da sangrenta Guerra de Secessão (E o Vento Levou) à colonização europeia predatória do continente africano (Entre Dois Amores). Tudo isso e muito mais está presente em Austrália.

Com um milionário orçamento de US$ 130 milhões, a superprodução parte de um roteiro original, escrito por Luhrmann e Stuart Beattie, para contar a saga vivida pela voluntariosa lady Sarah Ashley (Nicole Kidman, vencedora do Oscar de melhor atriz por As Horas), rica aristocrata inglesa que herda um rancho de criação de gado no norte australiano durante a Segunda Guerra Mundial.

Com perfil claramente inspirado em Scarlett O’Hara, heroína de E o Vento Levou, a personagem é forçada a despir sua arrogância e empáfia ao descobrir que, se não conduzir seu rebanho de quase duas mil cabeças para outra área, perderá os animais e sua propriedade, por conta de invasores que pretendem tomar-lhe os bens, apostando na sua aparente fragilidade feminina.

Para enfrentar o enduro, Sarah faz um pacto com o peão Drover (um ótimo Hugh Jackman, o Wolverine da série X-Men), sujeito rude e sem modos por quem vai acabar se apaixonando durante uma acidentada travessia por regiões inóspitas do território continental da Austrália em meio a intempéries climáticas e tentativas de sabotagem por parte dos inimigos.

Romance e racismo
A premissa do romance entre desiguais, que une mulheres refinadas a tipos mais rústicos em paisagens exóticas, não é nem um pouco original. Entre Dois Amores, por exemplo, conta a história de amor vivida pela escritora dinamarquesa Karen Blixen (Meryl Streep) e o aventureiro Denys Hatton (Robert Redford), tendo como cenário a savana do Quênia.

Mas o processo de humanização de Sarah também passa por outros territórios, talvez mais relevantes do que o amoroso.
Ao chegar a sua fazenda, ela conhece Nullah (Brandon Walters), menino mestiço, filho de uma criada aborígene com um homem branco. O garoto, chamado de “café-com-leite”, é discriminado por não pertencer a grupo algum — à época, até a década de 1970, o governo australiano tirava as crianças miscigenadas de suas família, como se fossem anomalias sociais, e as mantinha em escolas religiosas, afastadas da sociedade. Talvez quisessem varrer para baixo do tapete os “erros” cometidos pelo colonizador.

Como é estéril, Sarah se afeiçoa de Nullah aos poucos e dele se apropria. Ele passa a ser uma espécie de amuleto, símbolo de sua tenacidade — ou o filho que não pôde ter. Não se dá conta, no entanto, que, para trazê-lo para perto de si, tem de aceitá-lo com a complexidade da sua cultural ancestral aborígene. E dele abrir mão se for preciso.

E é aí que que parece entrar em cena o toque autoral de Baz Luhrmann, um cineasta cuja obra sobressai pela visualidade, mas não apenas pela estética original de seus filmes. Vale também lembrar que o australiano, hoje com 46 anos, tem o amor – ou sua impossibilidade – como foco temático central de sua obra.

Ele é diretor de uma superlogiada montagem de La Bohème, opera de Puccini que inspirou Moulin Rouge! (o melhor título de sua filmografia). Por trás do cinema pós-moderno de referências, intertextualidades e subversões visuais de Lurhrmann, pulsa um coração escancaradamente romântico. Esse traço que transborda em cada fotograma de Austrália, um filme excessivamente longo, irregular, mas em vários momentos arrebatador, sobretudo para os românticos e amantes do cinema.

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