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Bróder assume a perspectiva do favelado e subverte o conceito de “bandidagem”
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Divulgação
Caio Blat é Macu, um personagem complexo e que põe em xeque estereótipos do bandido.

A proposta de Jefferson De é ousada. Em seu primeiro longa-metragem, Bróder, grande vencedor do Festival de Gramado neste ano, o diretor quis contar uma “história de favela” de uma perspectiva diversa da habitual. Do ponto de vista de quem conhece de perto a vida na periferia da Grande São Paulo.

O cineasta, nascido em Taubaté e formado em Cinema pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, nunca viveu na comunidade do Capão Redondo, localizada na zona sudoeste da capital paulista. Mas disse, no debate com o público que sucedeu a exibição de Bróder na 34ª Mostra Internacional de Cinema de são Paulo, que frequentou o bairro desde que se mudou do interior para estudar. “Tinha muitos amigos lá.”

Um dos poucos diretores negros no cinema brasileiro, Jefferson demonstra em seu filme conhecer de perto o dia a dia, o linguajar e os códigos de convívio da região onde rodou seu filme. Bróder transborda autenticidade. Os diálogos, pelo menos quando a ação transcorre entre os limites do Capão Redondo e envolvendo os seus habitantes, nunca soam artificiais. Mas o longa-metragem, que representou o Brasil na Mostra Panorama do Festival de Berlim 2010, vai além da fidelidade linguística.

No centro da trama está Macu (Caio Blat, em brilhante atuação), personagem dos mais complexos. Branco como a mãe, Sônia, vivida por Cássia Kiss, ele nunca conviveu com o pai. Foi criado pelo padrasto, Francisco (Aílton Graça), um homem negro, como são quase todos os seus amigos. Entre eles, o jogador de futebol Jaiminho (Jonathan Haagensen, de Cidade de Deus), que engravidou sua meia-irmã e agora vive na Espanha, e Pibe (Sílvio Guindane), hoje também vivendo fora do Capão Redondo.

Há entre os três uma amizade de infância que aparenta ter sobrevivido a revezes importantes, como o fato de Pibe ter se casado com a ex-namorada de Macu e de Jaiminho hoje ser um homem rico e constantemente vigiado por seu agente, Paulo, que deplora a idéia de o jogador continuar frequentando o lugar onde nasceu.

Questionado sobre a luz pouco favorável sob a qual mostra os personagens “do asfalto” em seu filme, o diretor admite que talvez tenha pesado a mão. Logo depois, no entanto, acrescenta que desde os primórdios do cinema nacional, pobres e, acima de tudo, os negros são retratados de forma caricata. “Por que não podemos inverter os papéis ao menos uma vez?”

Na sequência inicial de Bróder, Macu é apresentado como um rapaz popular na vizinhança, comunicativo, alegre e aparentemente inofensivo. É o dia de seu aniversário e logo fica claro, no entanto, que ele está prestes a dar um passo em falso que poderá lhe custar muito caro: participar do sequestro de um garoto rico. O que Macu não sabe é que haverá uma mudança de planos. Ao invés de cuidar do menino no cativeiro, ele receberá ordens para ajudar no rapto de Jaiminho.

Segundo Jefferson De, tão importante quanto uma trama bem amarrada, ele quis que o filme trouxesse uma visão menos exótica da realidade que iria retratar. Por isso, quase toda a primeira metade de Broder se ocupa de situar o espectador nesse universo, dando complexidade aos personagens, costurando a história aos poucos e mostrando a comunidade de perto, para que toda a ambientação fuja dos clichês e estereótipos que, segundo o diretor, costuma povoar filmes que falam da periferia.

“Queria mostrar que Macu tem família, amigos, é um ser humano. Talvez o Zé Pequeno não fosse tão monstruoso se o roteiro de Cidade de Deus tivesse tido essa preocupação”, afirma o cineasta, alfinetando o filme de Fernando Meirelles, citado como exemplo de uma produção que mostra a favela “do lado de fora”.

Visualmente impactante e bastante tenso, sobretudo em sua segunda metade, quando o roteiro nos torna cúmplices do plano de seqüestrar Jaiminho, Broder só será lançado em março de 2011, “graças ao Tropa de Elite 2”, que hoje ocupa um terço do circuito exibidor nacional. Terá distribuição da Columbia, em parceria com a Globo Filmes. Resta agora esperar para conferir se a ousadia de Jefferson De será compreendida pelo grande público.

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