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Diário da Mostra: novo Manoel de Oliveira e “Cyrus”
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Ricardo Trêpa (ao centro), neto de Manoel de Oliveira, é o protagonista de O estranho Caso de Angélica.

A organização da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo não poderia ter escolhido melhor o filme de abertura de sua 34ª edição. Exibido na noite de quinta-feira para convidados no Auditório do Ibirapuera, O Estranho Caso de Angélica, é uma pequena jóia. Aos 101 anos, o diretor português Manoel de Oliveira não dá sinais de cansaço e realizou uma de suas obras mais corsas e instigantes.

Não é um equívoco afirmar que o filme de Oliveira é sobre a morte. Mas engana-se que fizer uma leitura apressada e ligar o tema à idade avançada do cineasta. Sobretudo porque O Estranho Caso de Angélica não fala apenas do fim da vida, mas de um mundo no qual costumes, tradições, tecnologias e métodos de trabalho, muitos deles seculares, aos poucos desaparecem, para ceder lugar ao novo.

A trama tem como personagem central o jovem fotógrafo Isaac (Ricardo Trêpa, neto do diretor), um judeu sefardita (de origem ibérica) que aluga um quarto de pensão numa pequena cidade às margens do Rio Douro. Sobre ele se sabe muito pouco, a não ser que é um sujeito ensimesmado que prefere câmeras analógicas às digitais e tem interesse por registrar práticas de trabalho nas vinhas da região que ainda não foram substituídas pela mecanização. Isaac, enfim, é um homem anacrônico.

A vida do personagem sofre uma reviravolta quando, no meio da noite, é chamado para fotografar, numa quinta dos arredores, o corpo de uma jovem que acaba de morrer. Ao chegar à casa da falecida, depara-se com um quadro bizarro: a mãe da moça a colocou vestida de noiva, em um divã, como se estivesse adormecida. Ao focar sua lente na defunta, Isaac tem uma visão que não o abandona – a jovem lhe sorri e, a partir desse momento, começa a lhe assombrar os pensamentos e até os sonhos.

Manoel de Oliveira envolve sua narrativa de uma aura de mistério, mas não de misticismo. Essa atmosfera se faz presente por meio de silêncios mortos, de paisagens brumosas e, acima de tudo, é evidente no descompasso entre Isaac e o mundo que o cerca.

Numa sequência das mais emblemáticas, outros personagens, que podem ou não ser moradores da pensão onde Isaac vive, discutem a crise econômica mundial, que teria impedido que o projeto de construção de uma ponte, feito por dois engenheiros que participam da conversa. Presente na sala onde esse diálogo, que também aborda o contemporâneo tema da não matéria, Isaac mostra-se alheio, absorto em pensamentos muito distantes, já descolados do chamado mundo real.

Como num grande conto, em que a tensão e a contenção mantém a narrativa no fio da nvalha, Oliveira enreda o espectador com imagens que colam na memória, potencializadas pela trilha sonora executada pela pianista Maria João Pires. O resultado é memorável.

Cyrus

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Jonah Hill, Marisa Tomei e John C. Reilly: laços de família em questão.

A comédia dramática norte-americana Cyrus, de Jay e Mark Duplass, é a prova de que, com um bom roteiro e atores competentes, se vai bastante longe. No centro da trama, uma provocativa discussão sobre masculinidade e os duros processos pelos quais muitos homens têm de passar para se tornarem adultos e emocionalmente autônomos.

Trata-se da história de dois meninos grandes. John, o protagonista vivido pelo ótimo John C. Reilly, é o mais patético, por já ter passado dos 40. Divorciado há sete anos da mulher (Catherine Keener), prestes a se casar com outro homem, ele está mergulhado numa profunda imobilidade emocional. Não consegue iniciar novos relacionamentos, mora só em uma casa toda desarrumada e segue cometendo sucessivas burradas, que sabotam qualquer tentativa de ele ser um homem de verdade.

Até que surge Molly (a sempre competente Marisa Tomei), que parece não se importar muito com as limitações de John e, em meio a elas, consegue enxergar suas muitas, porém ocultas qualidades. Mas nada é tão perfeito: a moça tem um filho, o tal Cyrus (Jonah Hill, de Superbad) que dá título ao filme, um rapaz de 21 anos que vive com a mãe uma relação edipiana.
Quando Cyrus percebe que, pela primeira vez, Molly pode realmente estar se apaixonando por um homem que não ele, o garoto entra em surto. Da mesma forma com que John não consegue se desvencilhar da relação, hoje quase filial, que ainda mantém com a ex-mulher.

O filme, produzido pelos irmãos Ridley e Tony Scott, fala do embate entre dois homens, em momentos distintos de suas respectivas existências, que se recusam a crescer. Terão de aprender um com o outro, se não se matarem antes.
Despretensioso, Cyrus é um filme pequeno, porém respeitável.

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