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Ninho Vazio fala sobre a meia-idade com despretensão
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Divulgação
Oscar Martinez e Cecília Roth vivem um casal de meia-idade que tenta buscar um sentido na vida.

O cinema do argentino Daniel Burman tem uma grande qualidade. Sem que seja simplório, é ao mesmo despretensioso e verdadeiro. Esperando Messias (2000), Abraço Partido (2004) — que lhe deu o Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim (Urso de Prata) — e As Leis de Família (2006) são filmes de baixo orçamento, realizados em vídeo digital, contando histórias intimistas, que abordam temas como as relações famíliares e a busca, nem sempre bem-sucedida, do indivíduo pela felicidade. Ninho Vazio, em cartaz no Brasil desde sexta-feira passada, segue esse mesmo caminho.

Embora tenha só 35 anos, Burman, já dono de uma filmografia respeitável, agora centra seu foco num universo alheio ao seu: ele discute, talvez inspirado pelos pais, os dilemas enfrentados por quem chega à meia-idade. Ninho Vazio tem como personagens centrais, Leonardo (Oscar Martínez, premiado pelo papel no Festival de San Sebástian, na Espanha) e Martha (Cecilia Roth, de Tudo sobre Minha Mãe). Eles formam um casal que, num primeiro momento, tem filhos adolescentes, mas, depois de um salto temporal de alguns anos, se vê sozinho. E forçado a repensar tanto o relacionamento que os mantém juntos quanto suas necessidades individuais. A crise, portanto, é inevitável.

Mas, a exemplo do que se vê em seus longas anteriores, Burman retrata os protagonistas com um olhar que, sem perder a ironia e o humor, também é terno, amoroso até. Martha retoma os estudos, tenta reconstruir laços com amigos da juventude e parece desabrochar, sem cair em clichês. A narrativa acompanha mais de perto Leonardo, um dramaturgo que, em decorrência do temperamento, tem menos facilidade para expandir os limites da sua existência. Tímido e introspectivo, tenta, sem muito sucesso, escrever mais e tem como hobby o aeromodelismo, que lhe permite alçar voos que no dia-a-dia parecem fora de seu alcance.

Talvez incomodado com o renascimento da mulher, que por décadas abriu mão de uma vida própria para cuidar da família, Leonardo chega a ter uma aventura algo patética com uma jovem dentista com quem se trata. Ninho Vazio, contudo, não tem o adultério como assunto central. Pelo contrário. O “mau passo” do personagem surge no enredo de forma orgânica, coerente com sua trajetória.

Burman prova, mais uma vez que, sob a aparente simplicidade e despretensão de seu cinema, há muito pano para manga. A crise de Leonardo, por exemplo, não é tratada de forma banal ou cômica, para mero deleite do espectador. Embora algumas situações enfrentadas por ele sejam engraçadas, sua dor discreta, suas inseguranças e questionamentos são verdadeiros — e até certo ponto graves. Apenas não são tratados de forma melodramática. E, como se trata de um artista da imaginação, seu relacionamento com a realidade se dá de forma muito particular.

Numa das melhores sequências, vê-se Leonardo seguindo sua jovem dentista pelos corredores de um grande shopping no centro de Buenos Aires. Fazendo lembrar Julieta dos Espíritos, de Federico Fellini, o personagem entra num elevador acompanhado por uma banda de músicos que toca o “Bolero de Ravel”. Mais tarde, quando Leonardo e Martha visitam a filha Julia em Israel, onde a jovem vive com o marido escritor, o casal reencontra o espaço para a intimidade e o amor flutuando nas águas salgadas do Mar Morto. Nesses momentos, é difícil distinguir realidade de fantasia.

Delicado e menor (não necessariamente pior) do que seus trabalhos anteriores, Ninho Vazio não se encaixa na definição de “grande filme”. Sua vantagem é saber disso. Essa consciência lhe dá a chance de alcançar transcendência sem aparentar muito esforço. A trama flui naturalmente, mas sempre com foco. É um bem-sucedido estudo de personagem. Oscar Martínez, numa grande atuação, dá a Leonardo matizes que lhe permitem também escapar de lugares-comuns de histórias sobre homens maduros: embora deseje uma mulher mais jovem, nunca resvala na imagem do lobo esfomeado em busca do tempo perdido ou do velho ranzinza inconformado com as mudanças do mundo.

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