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O Discurso do Rei e o discreto charme da aristocracia
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Divulgação
Colin Firth tem desempenho extraordinário em O Discurso do Rei.

A monarquia britânica sempre foi um prato cheio para o cinema, a televisão e a literatura. Há um fascínio disseminado mundo afora pelos bastidores da corte inglesa, presentes em produções de época, como os dois longas-metragens dirigidos pelo indiano Shekhar Kapur, que trazem a atriz australiana Cate Blanchett no papel de Elizabeth I, e na série televisiva The Tudors, sobre a turbulenta vida do pai dessa poderosa monarca, o mulherengo e intempestivo Henrique VIII. Mas também há espaço para a história mais recente, contada pelo premiado A Rainha, de Stephen Frears, sobre como a atual chefe de Estado do Reino Unido, Elizabeth II, lidou com os momentos que se seguiram à morte da princesa Diana, em 1997.

Não é surpresa, portanto, que O Discurso do Rei, dirigido pelo britânico Tom Hooper, seja um dos favoritos ao Oscar, com 12 indicações ao prêmio. O filme conta um episódio importante, mas até hoje pouco conhecido, na vida do rei George VI (Colin Firth, em atuação antológica), pai da atual rainha da Inglaterra: como ele superou a gagueira que o atormentou durante a infância, a juventude e parte da vida adulta.

Nascido Albert – em homenagem a seu bisavô, marido da rainha Victoria –, foi convencido a assumir o título de George VI porque, às vésperas da Segunda Guerra Mundial, seu nome de batismo, de origem germânica, era considerado alemão demais. Em família, ele era chamado de Bertie, apelido que também foi usado pelo homem que, de certa forma, mudou sua vida: o terapeuta da fala australiano Lionel Logue (Geoffrey Rush, também produtor do filme).

Gago desde a infância, o tímido Albert, duque de York, nunca sonhou com o trono. Sofria em cerimônias públicas nas quais tinha de falar, proferir discursos, mas confiava na certeza de que a coroa estava destinada a seu irmão mais velho, David (Guy Pearce).

Acontece que David, desde muito jovem, dá sinais de não estar moldado ao cargo que lhe é destinado. É aventureiro, ávido conquistador e habituado a uma rotina de festas, uísque e pouco (ou nenhum) cerimonial. E, quando o pai, o rei Goerge V, morre, em 1936, e ele é coroado com o nome de Eduardo VIII, o mundo desaba ao seu redor. Está apaixonado pela norte-americana Wallis Simpson, plebeia duas vezes divorciada, e com ela pretende se casar, algo impensável e proibido por lei para alguém em sua posição. Sua opção é pela renúncia e a coroa escorrega para seu irmão mais novo, conduzido ao trono em dezembro de 1936.

Albert, que já iniciara e interrompera um tratamento pouco convencional com Logue, responsável por algumas das melhores cenas do filme, percebe que, caso não trate de sua gagueira, será a piada do mundo na posição de rei de uma nação imperial como a Grã-Bretanha da época. E essa necessidade se torna ainda mais urgente quando a Inglaterra declara guerra contra a Alemanha, em 1939. Com o apoio da mulher, Elizabeth (Helena Bonham Carter), ele decide procurar o terapeuta, mesmo que as credenciais do “especialista” sejam um tanto duvidosas.

As razões por trás do sucesso de O Discurso do Rei são fáceis de compreender. A direção de Hooper é esperta e ágil, conseguindo tirar o melhor da trama e, sobretudo, de seu espetacular elenco, premiado pelo Sindicato dos Atores (SAG). A reconstituição de época é impecável, dos cenários aos figurinos. A fotografia e, sobretudo, a edição, que intercala momentos públicos e privados da família real, são muito competentes. Mas não está nessas qualidades o segredo do êxito de público e de crítica do filme.

Sob o risco de romantizar, ou mesmo de certa forma reinventar personagens reais para efeitos dramáticos, O Discurso do Rei aposta na humanização do relacionamento entre Bertie (e, depois de coroado, George VI) e Logue, o retratando como uma amizade sincera que possibilitou a superação de um problema que ia além da dificuldade de fala: estava ligado à autoestima do monarca. Tanto o rei quanto sua mulher, que passou para a História como a “rainha-mãe” (de Elizabeth II), são mostrados pelo filme como pessoas de verdade, de carne, ossos e sentimentos. Por vezes nobres, como os títulos que carregam, mas, em alguns momentos, tão normais como os de um condutor de trem ou de uma garçonete.

Pouco ousado na forma, mas envolvente, graças a um roteiro bem amarrado e com ótimos diálogos, O Discurso do Rei não é um grande filme, mas seduz o espectador por ser uma história tocante, engraçada e muito bem contada.

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