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A adaptação para o cinema de O Amor nos Tempos do Cólera, que assisti na Mostra de Cinema de São Paulo semana passada, pode ter um diretor britânico, ser falada em inglês, mas não dispensa um forte tempero brasileiro. A bela fotografia, que explora com encantamento a exuberante paisagem da Colômbia, é assinada por Affonso Beato, responsável por filmes como A Rainha (de Stephen Frears) e Tudo sobre Minha Mãe (de Pedro Almodóvar). Já a trilha sonora foi composta por Antonio Pinto, autor da música de Cidade de Deus e Central do Brasil. Fecha o trio verde-e-amarelo a atriz Fernanda Montenegro, que vive um papel coadjuvante, mas importante, na trama: Transito Ariza, mãe do protagonista Florentino (Javier Bardem).

Um dos mais populares romances do colombiano Gabriel García Márquez, vencedor do prêmio Nobel de literatura, O Amor nos Tempos do Cólera chega ao cinema cercado de expectativas. Positivas e negativas. Se a presença no elenco de um Javier Bardem, consagrado ator espanhol, foi recebida com festa pelos fãs da obra, a notícia de que o inglês Mike Newell iria dirigir o filme causou choque entre os fãs do livro. Poderia um europeu, sem uma gota de sangue latino, transpor para a tela uma história tão profundamente colombiana? Nos primeiros 30, 40 minutos de projeção, tem-se a sensação de que a resposta é um definitivo não.

Causa estranhamento assistir à caudalosa história de amor entre Florentino e Firmina, dois jovens separados pelo destino, se desenhando sob a forma de fotogramas com diálogos falados em inglês, sempre com forte e intencional sotaque estrangeiro. Soa falso, forçado, quase ofensivo. Afinal de contas, Bardem é espanhol. Giovanna Mezzogiorno, que vive a protagonista, é italiana, um idioma latino. Assim como Fernanda Montenegro, nativa de um país sul-americano e falante do português. Até mesmo os norte-americanos do elenco – Benjamin Bratt, John Leguizamo e Hector Elizondo – são de origem hispânica e dominam o espanhol com fluência de nativos.

Por que, então, não se optou pela língua na qual o livro foi escrito? Para que o filme tivesse uma carreira internacional mais vigorosa, respondem os defensores das forças do mercado a qualquer custo. Mas o que dizer, então, de um filme como o mexicano O Labirinto do Fauno, que fez enorme sucesso no mundo todo sem trair o idioma de Cervantes?

Essa transição se dá quando Florentino, numa estupenda atuação de Bardem, desgostoso com o casamento de sua amada e o médico Juvenal (Benjamin Bratt), se entrega à uma maratona de aventuras sexuais com uma variedade incrível de mulheres, casos que ele anota um a um em uma caderneta, numerando-os. A lascívia é a forma que encontra para acalentar seu coração despedaçado por um amor sem fim. Aí, o filme engrena e flui até seu emocionante desfecho com bastante graça. Ponto para Newell, diretor de bons filmes como Dançando com um Estranho, Quatro Casamentos e Um Funeral (indicado ao Oscar de melhor filme) e Donnie Brasko.

A platéia, que praticamente lotou uma das exibições de O Amor nos Tempos do Cólera, o aplaudiu quando chegou aos créditos finais. Alguns tinham os olhos vermelhos de quem havia chorado durante a projeção Sinal de que o filme funcionou. Quando exibido no Festival do Rio, no início do mês, foi ovacionado. Deve, portanto, fazer boa carreira internacional, como seus produtores esperavam. Mas que ficaria melhor falado em espanhol, ficaria.

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