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Sobre Gs e estrelas

Há pouco mais de um mês, o Caderno G, suplemento de Cultura do jornal Gazeta do Povo, passou a incluir no seu roteiro de cinema a cotação dos filmes em cartaz feita pelos leitores do site da Gazeta do Povo Online. Além dos já tradicionais Gs, atribuídos pelos jornalistas da editoria, os longas-metragens também passaram a receber estrelinhas, correspondentes às opiniões dos internautas cinéfilos. A decisão tem como objetivo dar ao leitor do Caderno G um ponto de vista a mais, talvez mais próximo do chamado “senso comum”, antes de ele decidir sair de casa, enfiar a mão no bolso e pagar para assistir a um filme.

Agora que os Gs passaram a conviver com as estrelas do público, achei que falar um pouco sobre crítica de cinema seria um bom ponto de partida para o blog Central de Cinema, que hoje entra no ar. Nos quase 18 anos que venho trabalhando com jornalismo cultural, foram muitas as vezes em que atendi leitores intrigados, curiosos, descontentes e até mesmo furiosos com a avaliação dada pela crítica (não necessariamente por mim) a um determinado filme. Queriam saber quais os critérios para que um título, do qual geralmente não haviam gostado tanto, recebesse quatro, cinco Gs, enquanto outro filme, mais em sintonia com sua preferência, tinha de se contentar com míseros um ou dois.

Bem, essa discussão nem sempre é simples, mas é certamente estimulante e necessária.

Para início de conversa, a avaliação de um filme, seja ela feita em forma de Gs, estrelas, bolinhas ou asteriscos, parte de uma visão subjetiva. É verdade que o jornalista encarregado de dar a nota ao longa-metragem tem no currículo milhares de horas dentro de salas de exibição, além de ter estudado o assunto, para acumular conhecimentos de história e estética cinematográficas.

O crítico tem o que chamamos de repertório de informações e referências, ao qual recorre para dizer se um filme é ruim, regular, bom ou ótimo. Ainda assim, trata-se da opinião de um indivíduo – preparado para isso, é bem verdade – e não de uma verdade absoluta, inquestionável. O cara, sim, pode estar em um mau dia, de humor atravessado, e não tem como isso não afetar sua avaliação. Afinal de contas, ele é humano.

O que é importante ter em mente, no entanto, é que a cotação do crítico tem como proposta dar o leitor um parâmetro, uma referência, mas está longe de ser um julgamento final. Basta que vocês comparem as resenhas de vários veículos (jornais, revistas, sites), para perceber que as opiniões muitas vezes não são coincidentes.

Entre os filmes atualmente em cartaz, há pelo menos dois casos que merecem uma discussão atenta. Zodíaco, do norte-americano David Fincher (diretor de O Clube da Luta e Seven), por exemplo, é o típico caso do filme que obteve elogios quase unânimes da crítica, mas parece não ter entusiasmado muito o grande público nem aqui nem nos Estados Unidos. Vigoroso, tenso e cerebral, o misto de drama policial e thriller psicológico de Fincher não recorre a lugares-comuns do gênero, como sangue aos borbotões, trilha sonora sinistra e personagens maniqueístas, para contar a história do serial killer que aterrorizou a Califórnia entre as décadas de 60 e 80. Muita gente, contudo, tem achado o filme longo, sem clímax, pesado demais. Talvez estejam desacostumados a um ritmo narrativo mais lento e a um roteiro que não entregue tudo “mastigadinho” e preencha todas as lacunas na cabeça do espectador. Resultado: a equipe do Caderno G deu a Zodíaco cinco Gs (excelente) enquanto os leitores foram mais econômicos e atribuíram-lhe três e meio, que deve ser a média entre as cotações de quem gostou muito e dos que não curtiram muito o filme. O que vocês acham?

O outro caso é o belo, ousado e bastante autoral Maria Antonieta, cinebiografia da rainha austríaca da França decapitada pela Revolução Francesa. O filme é assinado pela cineasta americana Sofia Coppola, de Encontros e Desencontros. Como a diretora e roteirista preferiu focar na personagem, em sua vida interior e dilemas que enfrenta para carregar o fardo de um destino que não escolheu, usando a História da França apenas como pano de fundo, muitos acharam o filme tedioso. Os mais puristas também se irritaram com a trilha sonora, que coloca lado a lado música barroca e pop/rock dos anos 80, entre outros anacronismos.

Quando assisti ao filme, em uma sessão quase lotada no Cinemark Mueller, muita gente saiu antes do final da projeção. A crítica, em geral, gostou muito de Maria Antonieta, inclusive o Caderno G, que lhe premiou com quatro Gs (muito bom) – os leitores deram três estrelas e meia. Como diria o cineasta brasileiro Júlio Bressane, um dos mais ousados que o país já produziu, Maria Antonieta se encaixa dentro do que ele chama de filme “crespo”, que demanda paciência e empenho do espectador para enfrentá-lo. Algo raro de se encontrar hoje em dia.

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