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A garota que se alimentava de veneno
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– Não coma porcaria –, repreendia a mãe ao ver a menina comendo aqueles produtos.

Vitória não dava ouvidos.
– Minha mãe pirou de vez.

Nem um pouco desconcertada ela ficou quando descobriu que os alimentos naturais não tinham o mesmo gosto nem o cheiro que os da fábrica.

Eram aquelas palavras de nomes esquisitos que davam o sabor e assanhavam os sentidos de Vitória: diglicerídeos de ácidos graxos, ácido diacetil tartárico. Logo ela descobriu outro nome mágico: glutamato monossódico, que pertencia àquela família chamada flavorizante.

Desde então passou a consumir só produtos com aditivos químicos. O paladar se acentuava. Na prateleira do supermercado, escolhia o que levar para casa pelos seus ingredientes.

Vitória viciou em espessantes. Nada como aquelas compotas, geléias, sorvetes, licores e molhos com goma xantana, carbocimetilcelulose, alginato de amônio, goma carragenina. Era de lamber os lábios.

Ah!, os conservantes… Os alimentos podiam ficar dias sem estragar. Adorava ingerir sorbato de potássio, metabissulfito de sódio, ácido sórbico, nitratos, nitritos.

Os olhos de Vitória ficavam radiantes diante dos alimentos coloridos. Imagine se alimentar de amarelo crepúsculo, azul brilhante, amaranto, verde rápido, azul de indigotina? Isso sem falar daqueles produtos com grafias instigantes, como tartrazina, eritrosina, azorrubina.

Nas veias de Vitória circulava sangue sintético. No primeiro beijo, o namorado sentiu uma química singular. Ai minha nossa!

Que dizer das carnes macias e suculentas recheadas de estabilizantes?

Vitória não resistia. Quanto mais quantidade daqueles produtos nos rótulos, mais saborosos eram. Citrato de sódio, bicarbonado de amônio, celulose mocrocristalina, polifosfagto, pirosfofato, trifosfato, difosfato e monofosfato de sódio.

Vitória amadurecia consumindo antiespumantes, antiumectantes, adoçantes artificiais, acidulantes, homogeinizantes.

As crises de excitação a incomodaram menos que as dificuldades de aprendizado. Quando pensava em ter superado as “neuras”, veio a asma, seguida de um alergia que pipocava toda sua pele. Qualquer inflamação demorava um século para sarar.

– Não tem jeito, doutor. Essa menina só come besteira!

– Vitória, você tem que se alimentar direito, comer saladas, alimentos naturais.

Até quem enfim, Vitória ouviu. Começou a preparar pratos com legumes, verduras, frutas. Mas as alergias pioraram.

– Não sei mais o que fazer, doutor.

– São os agrotóxicos que colocam nas plantas, hormônios nos animais. Tomate não dá para comer mais. Pimentão, então, nem pensar!

Vitória mudou radicalmente de uns tempos para cá. Come coisas impossíveis para não morrer de fome: ilusões no café da manhã, incertezas no almoço, medo no jantar, chazinhos de esperança antes de dormir.

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