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Ilustração: Instituto GEOeduc
Ilustração: Instituto GEOeduc| Foto:

IBGE estima em R$ 3,4 bilhões os recursos necessários para a realização da pesquisa. Ministro sugere venda de imóveis para cobrir gastos e redução do número de perguntas

A cada dez anos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realiza o maior levantamento de dados demográficos do país. O último aconteceu em 2010 e o próximo está programado para o ano que vem. Pelo que estava previsto inicialmente, deveria ser o mais amplo de todos os estudos já realizados. Deveria. Isso por que a escassez de recursos para a contratação de recenseadores e o número reduzido de funcionários do instituto colocam em dúvida se as metas inicialmente estabelecidas serão cumpridas.

Os problemas sobre o Censo 2020 começaram a vir a público em 2017 e aumentaram no dia 22 de fevereiro deste ano, quando a nova presidente do IBGE, Susana Cordeiro Guerra, tomou posse. De acordo com Suzana, a situação do instituto às vésperas do censo é complicada. A nova presidente reconheceu o desafio de realizar o censo, disse que todos deverão unir esforços para levar o trabalho em frente e admitiu que o instituto enfrenta dificuldades decorrentes da perda de pessoal e falta de recursos. “Em oito anos, o IBGE perdeu mais de 30% de seus funcionários e corre o risco de perder mais 30% com os que aposentáveis este ano”, alertou.

Presente na cerimônia, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu algumas medidas que, no seu entender, poderia ajudar a resolver o problema: a venda de imóveis de propriedade do instituto e a redução do número de perguntas do questionário.

Quem pergunta demais acaba descobrindo coisa que nem queria saber. Então, eu sugiro que sejamos espartanos, façamos uma coisa bem compacta, façamos o essencial, e nós vamos tentar de toda forma ajudar.

Paulo Guedes, ministro da Economia.”

“São três sedes, seis prédios, faltam recursos para o censo, mas o presidente fica de frente para o Pão de Açúcar, a diretoria fica no centro e a turma da ralação fica aqui [no prédio da Rua General Canabarro, na Tijuca, onde ocorreu a cerimônia de posse]. Então, quem sabe, a gente vende os prédios aí e coloca o dinheiro para complementar, para fazer o censo bem feito”, disse o ministro.

Guedes também criticou o número de perguntas feitas no censo e propôs um questionário mais simplificado para reduzir custos. “O censo de países ricos tem 10 perguntas, o censo brasileiro tem 150, e o censo do Burundi tem 360 perguntas. Quem pergunta demais acaba descobrindo coisa que nem queria saber. Então, eu sugiro que sejamos espartanos, façamos uma coisa bem compacta, façamos o essencial, e nós vamos tentar de toda forma ajudar”, afirmou.

A proposta do ministro foi recebida com preocupação e protestos de pesquisadores e de funcionários do órgão. A associação que representa os servidores do IBGE, a AssIBGE, questionou as intenções de Paulo Guedes.  “O ministro afirmou que ‘quem pergunta demais descobre o que não quer’. Não sabemos ao certo o que o ministro não quer ‘descobrir’. Talvez algumas informações sobre a realidade brasileira lhe sejam inconvenientes”, disse a entidade por meio de nota.

Sobre a venda de imóveis, a associação avalia que o valor arrecadado com o negócio seria bastante reduzido frente ao montante necessário à realização do Censo. Diz também que “não há tempo hábil para realizar as novas locações, as mudanças e as alienações dentro do prazo necessário para a realização do Censo”, além do fato de que “criaria enormes gastos adicionais com locação para os anos seguintes, que o orçamento atual do Instituto não tem condições de acomodar”.

Questionado sobre as sugestões do ministro e as críticas dos servidores, o IBGE informou que as medidas relacionadas ao Censo 2020 ainda estão sendo estudadas. “Como a posse da nova presidente ocorreu na última sexta-feira (22), as diretrizes apontadas pelo ministro Paulo Guedes naquela ocasião (realização do Censo aderindo às melhores práticas, mas com um tamanho menor, e obtenção de outros recursos para a operação) ainda estão sendo estudadas pelo Instituto”, respondeu o IBGE.

O próprio instituto admite que a não realização do censo traria prejuízo para o cálculo dos fatores para a divisão do Fundo de Participação dos Municípios e a atualização de políticas públicas, como o Bolsa Família e as metas do Plano Nacional de Educação, por exemplo. E ainda seria um descumprimento da Lei nº 8.184/91 pelo Estado brasileiro, dispositivo legal que determina a realização decenal do Censo Demográfico.

Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Custos

A estimativa inicial é que serão necessários R$ 3,4 bilhões para realizar o Censo 2020. Desse total, R$ 1 bilhão deve ser disponibilizado agora em 2019. Em meados do ano passado, a instituição pediu ao Ministério do Planejamento um orçamento adicional em 2019 de R$ 344 milhões para os preparativos da pesquisa. O Ministério, após análise do pedido, fez uma previsão de R$ 200 milhões de gastos e sugeriu ao instituto “fazer mais com menos”. Em 2018, dos R$ 7,5 milhões pedidos, só foram repassados R$ 6,7 milhões.

O resumo contábil é que, dos R$ 3,4 bilhões estimados inicialmente, ainda faltam R$ 3,056 bilhões para viabilizar a coleta em 2020 da forma como foi planejada. Daí a sugestão de Paulo Guedes para vender imóveis e reduzir o número de perguntas, o que abriria possibilidade de contatar menos pesquisadores.

No último dia 25 de fevereiro, técnicos do IBGE deram início ao levantamento da infraestrutura urbana de 21 municípios, onde será realizada a segunda prova piloto do censo, agora em março. As equipes vão verificar, por exemplo, a existência de calçamento nas ruas, de pontos de ônibus, de ciclovias, de arborização, além de pesquisar quesitos de acessibilidade, como a presença de piso tátil e de rampas para pessoas com deficiência.

O trabalho serve como teste para a Pesquisa Territorial do Entorno Urbanístico dos Domicílios, que acontecerá em todos os municípios do país dois meses antes do início da coleta do próximo Censo, em agosto de 2020.

A previsão é que as dificuldades surgirão a partir do momento da contratação dos entrevistadores necessários para visitar os cerca de 70 milhões de domicílios distribuídos nos mais de 5,5 mil municípios brasileiros. Em junho do ano passado, o IBGE anunciou que seriam necessários 300 mil recenseadores. O número pedido foi reduzido para cerca de 250 mil.

A não realização do Censo, em 2020, traria graves prejuízos, pois impossibilitaria a atualização do conhecimento da realidade demográfica e socioeconômica dos municípios brasileiros. Além disso, impactaria, também, a produção de informações contínuas do IBGE e de outras instituições. (…) Haveria ainda prejuízo para o cálculo dos fatores para a divisão do Fundo de Participação dos Municípios e a atualização de políticas públicas, como o Bolsa Família e as metas do Plano Nacional de Educação. (…) Internacionalmente, a não realização do Censo traria riscos à imagem do Brasil, que mantém compromissos internacionais estratégicos ancorados na produção de indicadores sociais e econômicos, sendo grande parte deles provenientes do Censo.

Trechos de texto divulgado pelo IBGE.”

Do lado de quem defende a realização do censo da forma como foi programado, sem as reduções proposta por Paulo Guedes, há o argumento de que num momento de alto desemprego, como ocorre no Brasil atualmente, a contratação desse grande número de entrevistadores ajudará a aliviar o quadro de pessoas desocupadas.

Os recenseadores a serem contratados são divididos em três categorias, de nível fundamental (contrato de até cinco meses), de nível médio (contrato de até 10 meses) e de nível agente supervisor (contrato de até nove meses).

O IBGE não divulgou os valores a serem pagos aos contratados para o Censo 2020. Em 2010, os valores variaram de R$ 1,9 mil e R$ 2,9 mil. A remuneração dos recenseadores vai consumir a maior parte do orçamento a ser destinado ao censo.

Além dos custos com contrações, outro problema é a falta de funcionários de carreira. De acordo com dados do próprio instituto, desde 2008 o IBGE perdeu mais de 2,4 mil servidores, o equivalente a um terço do total. Entre 2008 e 2018 (gráfico abaixo), segundo o órgão, o IBGE teve uma redução de 32,5% de sua força de trabalho.

Com a reforma da Previdência em discussão no Congresso Nacional, abre-se uma corrida por aposentadorias no órgão. Perto de 30% dos servidores ativos terão condições de se aposentar ainda em 2019. Confirmado esse quadro, o instituto chegaria em 2020 com menos de 3,4 mil profissionais.

A redução do quadro de funcionários afeta diretamente a rede de agências do IBGE, que são responsáveis pelas rotinas de entrevistas domiciliares e pela coleta mensal de informações junto a empresas e produtores rurais. De um total de 583 agências, 232 operam com apenas dois servidores. Outras 61 agências possuem apenas um servidor e estão ameaçadas de fechamento. Nos últimos quatro anos, 16 agências do IBGE foram fechadas.

A pesquisa

O Censo Demográfico 2020 deve ser a maior operação de recenseamento já organizada no país

Período

Entre agosto e outubro de 2020

Divulgação dos resultados

Entre os anos de 2020 e 2023 em diferentes mídias e múltiplos formatos

População estimada

Cerca de 213 milhões de habitantes

Visitas

Aproximadamente 70 milhões de endereços a serem visitados

Pessoal envolvido

Incialmente a previsão é de 250 mil pessoas contratadas, temporariamente, para os trabalhos de coleta de dados, supervisão, apoio técnico-administrativo e apuração dos resultados.

Estrutura de trabalho

27 Unidades Estaduais

583 Agências do IBGE

7.600 Postos de Coleta Municipais

1.680 Coordenações Regionais

Mapas a serem utilizados

5.570 mapas municipais

30.000 mapas de cidades, vilas e localidades

420 mil arquivos digitais e impressos dos setores censitários

Contagem

Todos os moradores residentes em domicílios particulares e coletivos, na data de referência. São também recenseadas as pessoas que estão ausentes de seu domicílio por motivo de viagens, estudo, trabalho ou internação em hospital, por menos de 12 meses

Objetivos

– Acompanhar o crescimento, a distribuição geográfica e evolução das características da população ao longo do tempo

– Identificar áreas de investimentos prioritários em saúde, educação, habitação, transportes, energia, programas de assistência a crianças, jovens e idosos

– Selecionar locais que necessitam de programas de estímulo ao crescimento econômico e desenvolvimento social

– Fornecer referências para as projeções populacionais com base nas quais é definida a representação política no País, indicando o número de deputados federais, deputados estaduais e vereadores de cada estado e município

– Fornecer subsídios ao Tribunal de Contas da União para o estabelecimento das cotas do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios

Fonte: IBGE

Redução de servidores

Número de funcionários de carreira do IBGE caiu mais de 30% desde 2008

2008      7.448

2009      7.194

2010      6.971

2011      6.622

2012      6.457

2013      6.024

2014      6.053

2015      5.644

2016      5.752

2017      5.430

2018      5.030

Fonte: IBGE

Entrevista

Olga Lucia Firkowski, geógrafa, professora do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Desde o Império o Brasil realiza censos demográficos. O levantamento passou a ser feito pelo IBGE em 1940. Além de permitir o conhecimento de como vive a população brasileira, o censo produz informações que são fundamentais para o desenvolvimento e implementação de políticas públicas e para a realização de investimentos, tanto do governo quanto da iniciativa privada.

Para a professora Olga Lucia Firkowski, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), quer atuou nas discussões para a elaboração do Censo 2010, a não realização do Censo 2020 ou a sua redução traria prejuízos irreparáveis para toda a sociedade. Ela também considera falta de conhecimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, ao defender um levantamento com menos perguntas.

Qual a consequência de se fazer um censo com menos perguntas, como propôs o ministro Paulo Guedes?

A opinião do ministro revela uma completa falta de informação do que se trata um censo demográfico. É absurdamente fora de qualquer contexto. Ele cita alguns países ricos, mas não explicita quais. Eu entrei no bureau do censo americano e lá é possível verificar que são muitos questionários, divididos em questões pessoais, questões de domicílios, etc. E uma questão extremamente interessante no levantamento americano é que existe uma cronologia desde quando aquela informação consta no censo. E tem informação que consta nos documentos desde 1760.

Há gasto desnecessário com o censo?

O censo é mais do que alguma coisa que se gasta dinheiro em determinado momento. O censo é um estudo que marca um retrato da sociedade na história, registra as condições ligadas à nossa sociedade. Existe um protocolo em nível mundial pelo qual o censo se realiza em todos os países.

Quais seriam os prejuízos com a redução do número de perguntas?

No caso de haver a redução do número de questões, isso significa que se está rompendo uma série história de coleta de informação sobre o país. Ao fazer isso há perda internamente, com impacto para as políticas públicas e para a compreensão a longo prazo da nossa sociedade. Também tem impacto externo. Por exemplo, o censo fornece informações para estudos da ONU. Então compromete a leitura internacional sobre o Brasil. A questão do censo tem uma repercussão gravíssima internamente e também internacionalmente.

No caso de haver a redução do número de questões, isso significa que se está rompendo uma série história de coleta de informação sobre o país. Ao fazer isso há perda internamente, com impacto para as políticas públicas e para a compreensão a longo prazo da nossa sociedade. Também tem impacto externo. Por exemplo, o censo fornece informações para estudos da ONU. Então compromete a leitura internacional sobre o Brasil.”

E os pontos positivos na realização do censo?

Além do uso dos dados para a formulação de políticas públicas, o censo do IBGE contribui fundamentalmente para a pesquisa nas universidades. Se a gente enfraquece o censo, onde os pesquisadores vão buscar informações para entender a sociedade brasileira? O levantamento também tem uma grande utilidade para o setor privado. Uma empresa precisa de dados confiáveis e precisos para tomar as suas decisões quando vai fazer investimentos. As empresas de uma forma geral se utilizam das informações do IBGE também para atuar na prestação de serviços públicos.

A metodologia usada no Brasil destoa colocada em prática em outros países?

O IBGE, do ponto de vista das políticas de coleta de dados, tem proximidade muito grande com o bureau (escritório) do censo dos Estados Unidos e com o Instituto Nacional de Estatística e Economia da França. Na realidade, o que o IBGE está fazendo não está destoando do que é feito em países ricos.

A proposta de venda de imóveis resolve o problema?

A venda de imóveis depende do que se pretende fazer. Primeiro, porque representa uma parte pequena.  Segundo, porque não se faz em curto espaço de tempo. Terceiro, porque as pessoas que vão trabalhar no censo vão ser abrigadas em que locais? É preciso pensar num processo mais amplo de reestruturação de tudo o que está ligado ao capital imobiliário do poder público no país. Há muito imóvel sem uso. Então é uma questão mais profunda. O IBGE vem passando por um processo de desmonte há muito tempo, com redução drástica do número de funcionários. E essa proposta do ministro agrava a situação.

 

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