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O futuro dos planos de saúde em jogo
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No período entre 2004 e 2014, o setor de saúde complementar cresceu ininterruptamente. O número de beneficiários de planos médico-hospitalares nesses dez anos saltou de 33,2 milhões para 50,2 milhões. A capacidade de expansão parecia estar longe de esgotamento não fosse a crise econômica. Com o desemprego e a queda na renda dos brasileiros, o setor sofreu uma debandada. Desde 2015 cerca de 3 milhões de pessoas deixaram de contar com a cobertura de planos de saúde no país.

A queda no número de beneficiários levou a uma mobilização das operadoras para recuperar receitas e ampliar o número de contratados. As propostas defendidas pelas empresas foram apresentadas durante o fórum "Novos Rumos da Saúde Suplementar", realizado em Brasília, no último dia 24 de outubro. O encontro, promovido pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), contou com a presença do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que fez a palestra de abertura do evento.

Entre as medidas defendidas pela FenaSaúde estão a modulação das coberturas, com planos de menor cobertura e preços mais baixos para os beneficiários, incentivo à atenção primária, combate a fraudes e desperdícios, maior rigor na incorporação de novas tecnologias e adoção de novas formas de remuneração de prestadores, baseadas, sobretudo, na geração de valor para os pacientes.

A FenaSaúde diz que as mudanças são necessárias diante das mudanças socioeconômicas ocorridas no país. “Em vinte anos muita coisa se transformou, inclusive as relações de consumo, portanto, é natural que uma lei do século passado esteja a demandar aperfeiçoamentos. O modelo atual está tornando-se ineficiente e precisa ser aprimorado. É urgente, portanto, buscar formas de enfrentar o aumento expressivo dos custos de saúde, já que a inflação médica global, que é um fenômeno mundial, deve chegar a 7,8% no ano, mais de duas vezes a inflação de 3,28% projetada para 2019. Além disso, a população está envelhecendo. No Brasil, em 1998, as pessoas com mais de 60 anos representavam 8% de seu total, hoje já são 13,4% e devem alcançar 22,4% da população em 2038”, argumenta Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde.

"A queda dos recursos para o SUS assim como a do número de beneficiários dos planos de saúde, em função do desemprego e da diminuição da renda em todo o país, são grandes desafios para a saúde dos brasileiros. Diante disso, o modelo atual está tornando-se ineficiente e precisa ser aprimorado.

Consideramos que o principal desafio daqueles que se dedicam a promover mais assistência à população é abrir as portas da saúde suplementar para mais brasileiros. Não será bom apenas para as operadoras; será bom, sobretudo, para os beneficiários e até para quem hoje não tem condição de dispor de coberturas privadas."

Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde)

Para a entidade que representa grande parcela das operadoras de saúde, se persistir o modelo atual, o setor vai caminhar para um desequilíbrio financeiro, que pode ter reflexos tanto na sustentabilidade do setor quanto no acesso da população ao sistema de saúde.

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Reação

As propostas de mudanças provocaram mobilização de entidades médicas e de defesa dos consumidores. Um manifesto intitulado “Saúde só por inteiro” já reuniu mais de 30 entidades, entre elas o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor.

Para as organizações, as propostas têm como objetivo criar uma espécie de "pay-per-view" da saúde. Elas afirmam que o principal foco das mudanças pretendidas pelas operadoras é a liberação da venda de planos segmentados, de menor cobertura. Essa mudança, segundo as entidades, acabaria com as garantias mínimas de atendimentos aos consumidores ao deixar de fora os tratamentos a doenças mais complexas, além de abrir caminho para cobranças abusivas. Outro ponto contestado é a liberação de reajustes de mensalidades.

“O principal ponto da proposta é permitir que uma operadora possa vender títulos de planos de saúde que não cobrem todos os tratamentos, todas as terapias, todas as doenças, de forma a convencer as pessoas que isso tornará um plano de saúde mais barato. Ainda que isso, a princípio, possa representar uma diminuição no preço do plano de saúde, é preciso levar em consideração que em médio e longo prazos isso pode significar um grave prejuízo para as pessoas. Um consumidor, quando contrata um plano de saúde, ele não pode adivinhar quais doenças ele vai ter no futuro, quais os acidentes que vai sofrer na vida e, portanto, quais são os tratamentos e procedimentos médicos que vai precisar”, diz Igor Britto, diretor de relações institucionais do Idec.

“O núcleo do projeto é baseado na desregulamentação das coberturas e no abandono da concepção de proteção ao direito a uma atenção abrangente à saúde. A lei hoje em vigor prevê atendimentos para todos os problemas de saúde que integram a Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde e garante o acesso para os casos de emergência. A nova lei proposta derruba esta determinação e retorna às formas contratuais excludentes prévias à legislação de 1998. A cobertura dos problemas de saúde dá lugar à contratação de módulos restritivos e delimitados, como se uma doença ou agravo pudesse previamente ser resolvido apenas por um ou outro tipo de serviço definido por prestadores.”

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)

Para Britto, a proposta, se aprovada, significará também uma despesa maior para o sistema público de saúde. “Inegavelmente, os serviços mais caros ficarão para o SUS cobrir. A depender da proposta que for implantada, vai sobrecarregar o SUS”, prevê. A presidente da Comissão Nacional de Defesa do Consumidor da OAB, Marié Miranda, também prevê sobrecarga ao SUS. Para ela, as mudanças propostas podem “colocar em xeque a capacidade de absorção do sistema para receber toda a demanda advinda das negativas de atendimentos das operadoras”.

Resposta

A FenaSaúde rebate as críticas de que o novo modelo que defende vai causar problemas ao sistema público de saúde. “Não concordamos de forma alguma. Quanto mais pessoas tiverem acesso aos planos privados, menos indivíduos terão de recorrer exclusivamente ao SUS. A proposta apresentada para o debate pela FenaSaúde visa a fazer com que pessoas que hoje só têm o SUS para todo tipo de atendimento médico possam contar com alguma assistência pelos planos e seguros de saúde privados. Não é difícil vislumbrar que isso desafogaria o sistema público e beneficiaria a todos”, diz Vera Valente.

A entidade também contesta as afirmações de que novas regras vão abrir caminho para cobranças abusivas. “As operadoras de planos de saúde são fortemente reguladas e fiscalizadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), portanto não se justificam argumentos de que seriam praticadas cobranças abusivas. Além disso, as mudanças promoveriam maior competitividade entre as operadoras para serem mais eficientes e oferecerem qualidade no atendimento com menores custos.”

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ANS já estuda mudanças regulatórias


A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão vinculado ao Ministério da Saúde e responsável pelo setor de planos de saúde no Brasil, reconhece que entidades podem promover debate setorial, mas, em nota, evitou comentar diretamente as propostas das operadoras. A agência informou, no entanto, que já vem discutindo medidas para o setor.

Os temas em estudo estão formalmente definidos na Agenda Regulatória da ANS para o período 2019-2021. Entre os assuntos que estão no foco, a agência destaca “a garantia de acesso da população aos planos de saúde; a adoção de modelos eficientes de remuneração e atenção à saúde que garantam a sustentabilidade do setor e promovam melhor cuidado, com os custos adequados e a obtenção de resultados em saúde; melhorias relacionadas à cobertura assistencial, incluindo o aperfeiçoamento do processo de revisão do Rol de Procedimentos; e a adoção de condutas prudentes na gestão das operadoras, entre outras questões relevantes.

No tema em que trata do “Acesso a planos privados de assistência à saúde”, a ANS fala em “novo tema regulatório”, com a “elaboração de estudos e fomento à discussão referentes às políticas regulatórias para indução de formas de acesso e continuidade no sistema de saúde suplementar”.

Em outro tema, denominado “Modelos eficientes de remuneração e atenção à saúde”, agência se refere a incentivo à “adoção de modelos eficientes de remuneração e atenção à saúde, que garantam a sustentabilidade do setor e promovam a melhor atenção à saúde, com os custos adequados”, sem esclarecer objetivamente quais são as mudanças.

“Engessante”

O Ministério da Saúde por meio de sua assessoria de imprensa, informou que não se pronunciaria a respeito das propostas das operadoras por se tratar de questões da alçada da ANS e que deverão passar pelo Congresso Nacional.

Apesar da recusa em comentar, o ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM) critica a lei que regula planos de saúde. “Eu acho a lei extremamente engessante. Extremamente restritiva. A gente precisa ter alguns olhares mais personalizados”, disse Mandetta no Fórum da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), dia 24 de outubro, em Brasília. Mandetta esteve ligado a operadoras de saúde – ele presidiu a Unimed Campo Grande.

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