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Healthcare and Medical concept patient listening intently to a female doctor explaining patient symptoms or asking a question as they discuss paperwork together in a consultation.
Healthcare and Medical concept patient listening intently to a female doctor explaining patient symptoms or asking a question as they discuss paperwork together in a consultation.| Foto:

Estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra um retrato do profissional médico no Brasil e aponta desafios para melhorar o atendimento à saúde no país

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Uma população de médicos cada vez mais numerosa, mais jovem, mais feminina e distribuída de forma desigual entre as regiões, entre as especialidades médicas, entre os níveis de atenção e entre os subsistemas público e privado de saúde. Essas são algumas das conclusões da Demografia Médica no Brasil 2018, um amplo estudo que busca fazer um retrato atual do profissional médico e apontar os avanços e problemas para a profissão e a atenção à saúde no país.

O levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM), com participação da Universidade de São Paulo (USP) e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), projeta que em 2020 o Brasil terá ultrapassado a marca de meio milhão de médicos. Esse número é mais que o dobro de 1990, quando o total de profissionais médicos era de apenas 219 mil.

Essa nova realidade é resultado, em grande parte, de iniciativas governamentais tomadas nos últimos anos, com o aumento do número de cursos de medicina em instituições públicas e, principalmente, privadas, e a ampliação do financiamento estudantil.

O crescimento numérico, no entanto, não conseguiu quebrar o crônico problema da desigualdade na atenção à saúde do brasileiro. Desigualdade essa que tem várias faces e envolve uma série de problemas correlacionados, que vão de políticas públicas, passando pela infraestrutura da rede saúde à formação profissional, mas pode ser atribuída, em grande parte, à má distribuição do número de médicos pelo país.

0,17 médicos

por mil pessoas

(Essa é taxa de médicos

por habitante no interior

do Amazonas)

A realidade hoje no país é que, enquanto em algumas cidades e regiões a população conta com mais de cinco médicos por mil habitante – proporção superior à de países desenvolvidos – em outras localidades, no chamado Brasil profundo do interior, há casos de menos de um médico para cada mil pessoas.

A disparidade é tão gritante quando se compara casos específicos como o da cidade de Vitória, capital do Espírito Santos, que tem média de 12,3 médicos por mil habitante, enquanto que nos municípios do interior do Amazonas a proporção é de apenas 0,17 médicos por mil pessoas e do interior de Sergipe 0,19. Traduzindo, no interior desses dois estados cada médico tem, em média, mais de 5 mil pessoas para atender.

“É ainda um grande problema nacional a escassez ou baixa presença de médicos no interior, nos locais de baixa densidade populacional, nas áreas suburbanas dos grandes centros e em serviços do SUS.”

Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da pesquisa.

A desigualdade também é acentuada no quesito especialidades, tantos em termos de concentração de profissionais em determinadas áreas da medicina como também na distribuição geográfica dos médicos especialistas.

Para o presidente do CFM, Carlos Vital Tavares Corrêa Lima, o estudo torna mais evidente a necessidade de estratégias que facilitem a distribuição de médicos qualificados no território nacional.

Mais mulheres

Um detalhe que se chama a atenção é o aumento da parcela de profissionais médicas. Se nos anos de 1970 as mulheres representavam pouco mais de 15% da profissão, hoje elas somam mais de 45%, Apesar de os homens ainda serem maioria, os dados mostram que essa realidade deve mudar muito breve. Nos últimos 10 anos, o número de novas médicas vem superando continuamente o de novos médicos. E quanto mais jovens os profissionais, maior é o número de mulheres.

ENTREVISTA

Donizetti Giamberardino, médico pediatra com especialização em nefrologia e representante do Paraná no Conselho Federal de Medicina (CFM).

“O que falta é uma política para fixar o médico no interior”

 

Quais são os avanços e problemas apontados nesse estudo sobre a demografia médica no Brasil?

Em consequência do aumento do número de escolas de medicina, o número de médicos cresceu entre 2015 e 2018, mas isso não significou um grande avanço em termos de atenção à saúde. Os dados mostram que um fato fica patente: persiste a mesma má distribuição de médicos no país. O que se deduz, de uma forma rápida, é que hoje temos mais médicos formados e formandos, mas eles continuam indo trabalhar onde estão concentrados a maioria dos médicos. Um dos nossos principais problemas continua sendo a má distribuição de médicos.

Como explicar o fato de que em alguns locais há concentração de médicos e, em outros, há falta?

Em nosso país, que é um país de desigualdade, a medicina também passa por desigualdade. Em média, nós temos 2,1 médicos por mil habitantes, mas em algumas capitais passa de oito ou nove médicos a cada mil pessoas. Em Vitória, por exemplo, são mais de 12 médicos para cada mil habitantes, enquanto que em outras capitais não chega a 2, como em Rio Branco (Acre) e Macapá (Amapá). E mesmo dentro dos estados mais ricos existem desigualdades grandes. Municípios com menos de 50 mil habitantes, que somam mais de 80% dos municípios do país, tem apenas 35 mil médicos, enquanto que só a cidade de São Paulo tem cerca de 60 mil profissionais. Isso mostra que não basta só abrir escolas médicas, que é o que o governo fez.

Há também uma grande desigualdade na distribuição das especialidades médicos. Nos grandes centros têm especialistas, mas nas cidades com poucos médicos às vezes não tem nenhum especialista.

Por que os médicos não vão para os locais que mais precisam deles?

O que falta no Brasil é uma política para fixar o profissional de saúde, incluindo o médico, no interior. É preciso criar as condições para que o médico tenha uma carreira, onde ele possa ter estabilidade, progressão, com uma estrutura que permita ao profissional exercer plenamente a profissão, com recursos. O que nós temos hoje em grande parte dos municípios são contratação de médicos em caráter temporário, muitas vezes em situação precária, a infraestrutura é ruim, o local de trabalho não é adequado. Muda o prefeito muda o médico, não há uma política estabelecida de fixação do profissional de saúde no interior. A lógica de mercado não pode ser aplicada em todo o país. O Estado tem que intervir e criar políticas para os profissionais ficarem nessas regiões onde a lógica de mercado não resolve. São nessas regiões que o governo precisa concentrar seus esforços.

A falta de médico especialista é um problema antigo, principalmente no serviço público…

Há também uma grande desigualdade na distribuição das especialidades médicos. Nos grandes centros têm especialistas, mas nas cidades com poucos médicos às vezes não tem nenhum especialista. Há ainda outros problemas, por exemplo, existe uma grande quantidade de acidentes de motos, uma verdadeira epidemia, com jovens perdendo a vida. Nas regiões com menos médicos há poucos neurocirurgiões, ortopedistas, há uma carência desses especialistas.

Como resolver o problema das especialidades?

Nessa questão das especialidades, o problema maior é a falta de organização de uma rede de saúde, com hierarquia nos níveis de atenção primário, secundário e terciário. Quando isso é desorganizado, na medida em que não fixa o médico no interior, a população não tem a atenção básica eficiente. A resolução esperada de um médico da atenção básica é da ordem de 80%; no nosso país não passa de 30%. Sem uma solução na atenção primária, o paciente passa a buscar outros níveis de atenção de uma forma desorganizada e isso torna o sistema ineficaz do ponto de vista para a população e frustrante para o profissional que está na base. É preciso ter uma política de organização de rede, com níveis de atenção primário, secundário e terciário. O Paraná está esboçando essa rede, construiu alguns hospitais regionais nos governos passados, mas que não estão funcionando com todos os seus leitos. É preciso ter macrorregiões, com polos de referência, ou seja, hospitais ou centros de especialidades. O que o governo federal fez foi municipalizar a saúde massivamente e o que os prefeitos fazem é colocar os pacientes nas ambulâncias ou ônibus e mandam para os centros maiores. Isso é uma desorganização. Falta uma organização do sistema SUS e uma política de fixação do profissional médico nas regiões que mais necessitam.

Como pode ser avaliado o crescimento do ensino privado de medicina, que hoje forma a maioria dos profissionais?

A maioria das novas vagas são em escolas privadas. Isso demonstra que há um maior ingresso de jovens de famílias de rendas mais altas. Você vai ter médicos jovens com outro perfil de visão social. Isso também é um agravamento das desigualdades do nosso país. Escola de medicina é um bem público, não é pensar na escola só como forma de obter lucro. As escolas médicas viraram moeda de troca político partidária no Congresso. Isso não é bom. É preciso dar prioridade à preparação desses novos médicos.

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