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Em setembro, Dunquerque tornou-se a maior cidade francesa a oferecer transporte público gratuito (e de qualidade) à toda a população. Foto: Prefeitura de Dunquerque
Em setembro, Dunquerque tornou-se a maior cidade francesa a oferecer transporte público gratuito (e de qualidade) à toda a população. Foto: Prefeitura de Dunquerque| Foto:

Da Europa aos Estados Unidos, passando pelo Brasil, a opção pelo “passe livre” cada vez ganha mais adeptos

Desde o dia 1º de setembro deste ano, os cerca de 200 mil habitantes da cidade francesa de Dunkerque podem usar os ônibus do sistema público de transporte sem pagar nada. A gratuidade vale também para turistas ou qualquer outra pessoa que visite a cidade. A medida é uma das muitas adotadas pelo prefeito Patrice Vergriete, um dissidente do Partido Socialista (PS), com o argumento de facilitar a mobilidade e melhorar a qualidade de vida dos moradores.

Hipótese até há pouco considerada impensável, o transporte público gratuito e de qualidade já é realidade em várias cidades europeias e também de outros continentes – dos Estados Unidos, passando pelo Brasil até Austrália e Taiwan. Entre as justificativas apresentadas pelas administrações municipais para a adoção do “passe livre” estão a redução da poluição (com menor número de carros nas ruas), prestação de um serviço social aos cidadãos, maior liberdade de ir e vir e redução dos custos com a saúde pública.

Em Miami (EUA), o Metromover (free) conecta todo o centro da cidade ao sistema de transporte da cidade.

Aubagne, na região francesa de Provence, tem um dos melhores sistemas de transporte público gratuito.

Experiências diversas

Os modelos adotados pelas prefeituras são variados. Há cidades, como a francesa Dunkerque e Agudos, em São Paulo, que liberaram todo o sistema de transporte público coletivo. Outras optaram por determinados percursos ou setores do transporte da cidade, como Miami, que oferece gratuitamente o Metromover, um trem elevado que percorre mais de 7 quilômetros do centro e redondezas, além de fazer ligação com os principais pontos de transporte da cidade.

Muito usado por quem trabalha nas áreas centrais de Miami, o Metromover também é uma opção de deslocamento para turistas. Pelo sistema o visitante pode conhecer vários pontos turísticos e atrações da cidade. Nas estações não existem catracas ou guichês; basta entrar, subir na plataforma e aguardar veículo automatizado. O tempo de espera não dura mais que 2 minutos.

Estados Unidos, Polônia, França e Suécia são os países com maior número de experiências com algum tipo de gratuidade do transporte público. Na França já são 38 cidades. Aubagne, localizada na região da Provença, ao sul da França (próxima a Marselha), implantou sem tarifa em maio de 2009 como parte de uma política de desenvolvimento sustentável. O sistema é financiado com uma contribuição de “transporte” paga por empresas com mais de nove empregados. Com o princípio de reduzir o uso do carro, a participação dos usuários mais do que triplicou entre 2009 e 2017.

O sistema de Dunkerque foi implantado progressivamente. Começou em 2015, como teste, com os ônibus funcionando sem cobrança nos finais de semana e feriados. Neste ano, além de liberar o acesso em todos os dias da semana, a prefeitura aumentou a frota, de 100 para 140 veículos, com modelos mais modernos e coloridos, alguns com wi-fi público, e expandiu as vias exclusivas para ônibus. Muitos moradores afirmam que a medida os estimulou a deixar o carro em casa. Pesquisa revelou que houve 50% de aumento de passageiros em algumas rotas e 85% em outras.

E quem paga a conta? A conta mais alta não ficou com a prefeitura de Dunkerque. Grande parte é bancada por empresas e repartições públicas com mais de 11 funcionários. Dividindo a sobrecarga com a iniciativa privada, foi possível não aumentar os impostos sobre a população.

As iniciativas, que ainda são pequenas, considerando o grande número de cidades de toda a Europa, vêm rapidamente sendo observadas de forma atenta por gestores públicos de todo o continente. Projetos estão em teste na República Checa, Reino Unido, Estônia, Suécia, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Islândia, Polônia e Romênia. Na Alemanha, cinco cidades – Bonn, Essen, Reutlingen, Mannheim e Herrenberg, ao sul de Stuttgart, considerada uma das que possui os piores índices de poluição do país – devem participar de um projeto piloto, até o final do ano, para tentar melhorar a qualidade do ar.

Nos Estados Unidos, um país (que muitos brincam) “movido a dinheiro”, além de Miami, há experiências em vários outros centros urbanos importantes. Baltimore, no estado de Maryland, tem um modelo chamado ‘Charm City Circulator’, que consiste em um sistema de ônibus ‘free’ bancado pelo poder público. Atende quatro rotas na cidade e é utilizado por trabalhadores, estudantes e turistas. Pittsburgh, na Pensilvânia, tem a ‘Free Fare Zone’, criada para promover o uso do transporte dentro do centro da cidade, incentivar a transferência intramodal e reduzir os atrasos de embarque. O uso é gratuito em todos os momentos.

Entraves

O sistema de “passe livre”, no entanto, é um desafio. O principal entrave é o financiamento, já que as prefeituras não dispõem de recursos nem mesmo para saúde e educação. Paris, por exemplo, discute o tema há vários anos e não encontrou ainda uma solução. Anne Hidalgo, primeira mulher a comandar a prefeitura da capital francesa, nomeou um grupo multidisciplinar de pesquisadores, sob o comando do Laboratório Interdisciplinar de Avaliação de Políticas Públicas (Liepp), para estudar o assunto. Entre as hipóteses estão a gratuidade total, a liberação de catracas durante o dia, a exclusão de turistas da gratuidade ou ainda a liberação de pagamento por critérios sociais de renda.

O problema enfrentado pelo projeto da socialista Hildalgo é encontrar uma compensação para o valor que se deixa de arrecadar. Para a prefeitura parisiense, o valor em questão é de R$ 10,7 bilhões, embolsados com vendas de passagens, que representam cerca de 30% do custo total do sistema. Outro problema é que pode ser apenas uma parte da conta, que poderia chegar a R$ 27,9 bilhões em razão do aumento do número de passageiros. Há ainda a saturação do sistema de metrôs, que em horários de pico já não consegue mais prestar serviço de qualidade.

Tallinn, capital da Estônia, serviu de modelo para o plano do governo de levar o “passe livre” para todas as cidades do país.

Estônia amplia sistema para todo o país

Desde 2013, a cidade de Tallinn, na Estônia, introduziu o transporte público gratuito. A medida foi aprovada por meio de um referendo em que 75% dos moradores disseram ‘sim’. Com 440 mil habitantes, a capital estoniana oferece aos seus moradores ônibus, trolleys e trams (bondes) praticamente a custo zero. Os usuários precisam apenas se registrar com a prefeitura e pagar uma taxa de 2 euros por ano. Visitantes são obrigados a pagar.

Com a popularidade do sistema “passe livre”, agora em 2018 as autoridades do país decidiram que todos os condados da Estônia podem implementar transporte público gratuito para seus residentes, 24 horas por dia, sete dias por semana.

Apesar do otimismo, um estudo de 2016 do próprio governo estoniano descobriu que o sistema de Tallinn não encorajava muitas pessoas a parar de dirigir. Em 2014, um ano depois do experimento, o uso do transporte público aumentou em 14%, enquanto que o uso de carros diminuiu apenas 5%. Na verdade, foram pedestres que entraram nos ônibus, já que o número de viagens feitas a pé caiu em impressionantes 40%.

Ivaiporã, na região central do Paraná, foi uma das pioneiras no Brasil a oferecer transporte gratuito. A cidade de Pitanga, na mesma região, também tem passe livre.

Brasil tem transporte gratuito em 14 cidades

O Brasil, mesmo não estando no grupo de países desenvolvidos, tem várias experiências de transporte público gratuito. Levantamento publicado no site Free Public Transport lista 14 cidades brasileiras com algum sistema de “passe livre”. Entre os municípios de maior população estão Maricá e Volta Redonda, ambos no Rio de Janeiro, Agudos e Paulínia, em São Paulo, e Ivaiporã e Pitanga, no Paraná.

A paranaense Ivaiporã, no centro do estado, é uma das pioneiras. A prefeitura da cidade liberou o acesso aos ônibus do município em 2002. A cidade tem cerca de 33 mil habitantes, dos quais 5 mil usam diariamente o sistema gratuito. Para atender a demanda, a prefeitura adquiriu cinco ônibus novos em 2016.

O custo total do sistema em Ivaiporã é de aproximadamente R$ 600 mil por ano, segundo a prefeitura, com combustível, manutenção e folha de pagamento. Todos os motoristas são servidores públicos concursados. A despesa representa menos de 1% da arrecadação municipal, que soma cerca de R$ 80 milhões ao ano.

“Precisamos avançar, aprimorar, arrumar receita. Estamos fazendo uma chamada pública para trazer publicidade aos ônibus. Os empresários aqui não precisam fornecer vale transporte, então vamos tentar convencer eles a anunciarem nos ônibus. Assim eles divulgam seus negócios e a prefeitura arrecada”, diz o prefeito Miguel Amaral (PSDB).

Em seu primeiro mandato, Amaral conta que no começo a cidade oferecia também wi-fi gratuito nos ônibus, mas cancelou o serviço por que muitas pessoas ficavam circulando só para fazer uso da internet. “Tem o lado social, a questão ambiental e de melhoria do trânsito. A cidade que estiver estudando implantar esse tipo de serviço, tem que pensar bem. Depois que começa não tem como parar”, alerta ao defender o modelo: “O poder público tem que trabalhar para o bem-estar da população. Se não for para melhorar a vida da população de que vale a administração pública? De nada”.

Não muito longe dali, Pitanga, com 32 mil habitantes, também segue a rota do “passe livre”. Dois ônibus percorrem os bairros da cidade diariamente, com horários fixos de manhã, na hora do almoço, à tarde e à noite, especialmente para os estudantes do período noturno.

No começo a prefeitura terceirizou o serviço, mas depois o município encampou. O prefeito Dr. Maicol (PV), que está em primeiro mandato e era oposição, ampliou o serviço.

A cidade de Agudos, com 37 mil habitantes, em São Paulo, tem oito ônibus para atender gratuitamente a população. O município, comandado pelo prefeito Altair Francisco Silva (PRB), arrecada cerca de R$ 10 milhões por mês e gasta R$ 150 mil para manter o sistema, o que representa 1,5% da receita. Segundo a secretária de Planejamento do município, Bete Lucas, por dia são transportadas em torno de 9 mil pessoas.

“Fizemos a opção por oferecer o serviço pelo alcance social que ele atinge, a melhoria da qualidade de vida, sem contar que impulsiona a economia. O que as pessoas economizam com transporte elas gastam em outras coisas”, diz a secretária.

Prefeitura de Maricá briga na justiça com empresas para manter o sistema gratuito.

Disputa judicial em Maricá

Há cinco anos, a maior cidade brasileira com tarifa zero no transporte público trava uma disputa judicial com as empresas privadas de ônibus que operam na cidade. Administrada pelo PT, Maricá, com mais de 150 mil habitantes, implantou o sistema em 2013 e passou a competir com as empresas que detinham exclusividade do serviço há 40 anos.

As empresas reagiram e foram à justiça para proibir o serviço gratuito. Em outubro de 2016 a justiça decidiu favoravelmente às empresas e a prefeitura foi obrigada a suspender todas as linhas dos “vermelhinhos”. No entanto, em abril do ano passado, uma das empresas, a Costa Leste, decidiu paralisar o serviço.

Agora em 2018, a Empresa Pública de Transportes (EPT) aumentou o número de ônibus gratuitos que circulavam pelas ruas do centro da cidade. Ao todo, 26 veículos foram colocados em operação na frota.

 

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