Se há uma promessa de Ano Novo que cabe a nós, integrantes da sociedade digital, é repensar a forma como nos relacionamos. O caso do suicídio da jovem Jéssica Canedo derrubou por terra muitos mitos e trouxe à tona a real face da maldade.
Dias atrás, o dono do perfil Choquei, Raphael Souza, prestou depoimento à polícia por videoconferência. O procedimento foi acompanhado por seu advogado. Além de se solidarizar com a família, disse que “passa por um profundo processo de reavaliação interna dos métodos adotados, visando a implementação de filtros e códigos de conduta para evitar que episódios dessa natureza voltem a acontecer”.
Uma promessa de Ano Novo seria saudável para nós, da sociedade digital brasileira: parar de tornar celebridade quem vive de difamar as outras pessoas.
Parece um pouco tarde. E, na realidade, a história também envolveu muito mais gente. Uma mesma agência é responsável pelo gerenciamento de vários perfis de internet conhecidos pelas fofocas envolvendo famosos. Ela também agencia influencers, que são protegidos por esses perfis com milhões de seguidores. Os adversários ou concorrentes deles são frequentemente alvos de ações coordenadas de ataques que acabam parando na imprensa, dado o número de seguidores. Quando eles se movimentam, parece que todo mundo está falando disso, pautam a internet.
Como se não bastasse, a mesma agência também atua com publicidade, ligando as grandes marcas a influencers e ações de internet. A ação coordenada é algo para que muita gente começou a prestar a atenção.
Nenhum difamador teria milhões de seguidores se não houvesse mercado para isso. Precisamos que a vergonha supere a demanda.
A jovem Jéssica Vitória Canedo tirou a própria vida. Ela já enfrentava problemas psicológicos e virou o centro de divulgação de fake news. Prints que pareciam ser conversas dela com o influencer Whindersson Nunes foram publicados por um perfil de fofocas chamado Garotx do Blog. Isso foi replicado por dois outros perfis que fazem parte da trupe coordenada, Choquei e Alfinetei. Atualmente, o Choquei não faz mais parte da mesma agência dos outros dois. De qualquer forma, atua em coordenação nas mesmas informações.
Os prints eram maliciosos. Davam a entender que o influencer pagaria para ficar com a menina. Isso gerou uma onda de ódio e ataques vinda dos famosos fandoms, legiões de fãs agressivos de celebridades e subcelebridades. O Choquei, que não inventou a história mas replicou, ficou famoso por um requinte de crueldade. Jéssica não tinha perfis nas redes sociais mas criou um no Instagram para se defender. Raphael Souza, que agora prestou depoimento à polícia, foi até esse perfil debochar da moça.
Ele não precisa instigar seus milhões de seguidores a reproduzirem esse comportamento, eles já sabem como o jogo funciona. Foram até lá fazer o mesmo. A mãe da moça chegou a gravar um vídeo pedindo que parassem. Foi inútil. Até mesmo depois da morte há seguidores desses perfis zombando de Jéssica.
Suicídio é algo bastante complexo, que sabemos existir mas lutamos para entender. Não há como dizer com toda certeza que foi apenas esse episódio que desencadeou o suicídio da jovem. Mas é certo que ele não ajudou a evitar nem a restaurar a saúde mental dela.
O grande problema é o movimento que vimos após o ocorrido. O ministro dos Direitos Humanos, por exemplo, aproveitou para tentar emplacar de novo na mídia a ideia de que o PL das Fake News resolveria tudo. Foi um pronunciamento esquisito em que ele sequer prestou condolências à família. Muita gente esperaria no mínimo isso de um integrante da pasta.
O Ministério Público, tão atuante em casos de humoristas, está calado. É preocupante se ele vier a agir somente por provocação de deputados.
O PL das Fake News não resolve questões do tipo. Aliás, se tentou o mesmo antes, quando a primeira-dama, dona Janja, foi hackeada. O Se disse que só a regulamentação proposta evitaria casos semelhantes. Também não há na proposta nada que fale em hackers.
O presidente Lula e a primeira-dama, dona Janja, chegaram a levar o administrador da Choquei a um encontro de “blogueiros pela democracia”. Ambos têm fotos afetuosas com ele. Não se pronunciaram dizendo que condenam a ação nem que ela não é exatamente o que eles definem como “blogueiros pela democracia”.
Quantos influencers que juntam milhões de seguidores para atacar com maldade pessoas comuns ainda serão celebridades?
O Ministério Público, tão atuante em casos de humoristas, está calado. É preocupante se ele vier a agir somente por provocação de deputados, como parece que vai ocorrer. O MP pode e deve agir de ofício. É uma instituição em que o brasileiro acredita, principalmente depois de tantas ações no combate à corrupção.
A nós, cidadãos, resta rever o quanto temos tolerado e premiado a maldade. Desculpas para isso não faltam e os políticos adoram manipular o cenário. Quantos influencers que inventam histórias sobre as pessoas ainda serão premiados? Quantos influencers que juntam milhões de seguidores para atacar com maldade pessoas comuns ainda serão celebridades?
Não faltam desculpas para que se tolere e se premie esse comportamento. Sempre a fantasia de que o outro lado é ruim demais então não tem outro jeito, é preciso pagar na mesma moeda. O método é aplicado e os alvos não são mais pessoas, são apenas efeitos colaterais.
Uma promessa de Ano Novo seria saudável para nós, da sociedade digital brasileira: parar de tornar celebridade quem vive de difamar as outras pessoas. São muitos, todos com desculpas nobres, fingindo tem um inimigo a combater. Ganham milhões de fãs, dinheiro, prestígio, poder e até lugar na mídia.
A árvore se conhece pelos frutos. O que a Choquei está colhendo é o mesmo tipo de fruto podre que outros topam colher. Tomara que muitos brasileiros abram mão do prazer perverso de perseguir os outros, difamar por birra, publicar dossiês falsos, cancelar e, ainda por cima, fingir que é por um objetivo nobre ou político.
Nenhum difamador teria milhões de seguidores se não houvesse mercado para isso. Precisamos que a vergonha supere a demanda. Quem destila veneno pela língua precisa ter vergonha desse comportamento vil, não orgulho. Os Salmos dizem que os difamadores não se estabelecerão sobre a Terra. Que seja essa uma promessa do novo ano.
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