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Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

Esta semana o parlamento do Reino Unido desativou sua conta oficial do Tik Tok por desconfiança de que o governo da China possa ter acesso aos dados. Não é algo infundado ou imaginação, falamos de um processo de investigação iniciado ano passado.

O governo britânico sancionou oficiais chineses por violações de direitos humanos contra a minoria muçulmana Uigur na província de Xinjiang. O Partido Comunista Chinês não encara com muita naturalidade esses movimentos.

Membros do parlamento acabaram sancionados em retaliação e começaram a ficar preocupados com o que usam de tecnologia chinesa e como seus dados poderiam ser utilizados. Num primeiro momento, pode parecer algo paranoico. Ocorre que a organização do Estado chinês é diferente e comporta representantes governamentais dentro das empresas.

Nunca houve democracia na China. Não se cogita uma discussão profunda sobre liberdades individuais. Os valores sociais mais importantes são os do coletivismo, paz social e progresso econômico.

O Yahoo, por exemplo, foi durante muitos anos a única plataforma ocidental estabelecida no país. Conseguiu isso entregando o nome de dois ativistas chineses que passaram informações à mídia dos Estados Unidos. Ambos foram presos durante anos. O Yahoo pediu desculpas, operou no país durante vários anos e depois fechou por não conseguir mais acompanhar as demandas governamentais.

Outro exemplo é o Linkedin. A plataforma se estabeleceu na China até que o Partido Comunista começasse a exigir retificação dos currículos de alguns usuários. O problema é que eles eram especializados em falar sobre violações de liberdades e direitos humanos em território chinês, haviam escrito livros sobre. E os perfis foram derrubados até que eles tirassem das biografias profissionais os livros que escreveram.

Como eram jornalistas norte-americanos, acabou virando um escândalo mundial e o Linkedin preferiu fechar sua filial chinesa. Abriu ali uma outra plataforma local com outro nome, mais fácil que atender as demandas do Partido Comunista e operar nos demais países.

Para quem pensa o mundo pela óptica da democracia e das economias liberais parece um absurdo completo. Um governo não pode se meter numa empresa. É nosso julgamento moral. Não é considerado certo, não é a nossa preferência e levanta nossa preocupação quanto a liberdades individuais a interferência do Estado nos negócios particulares.

Nunca houve democracia na China. Não se cogita uma discussão profunda sobre liberdades individuais. Os valores sociais mais importantes são os do coletivismo, paz social – mesmo que na base da força – e progresso econômico. É uma cultura milenar que não vamos mudar. Vamos conviver com ela e precisamos aprender a fazer isso em tempos de hipercomunicação.

Uma das formas de os governos totalitários lidarem com empresas nacionais é enxergá-las como extensão de seus interesses geopolíticos.

Se você ou alguém da sua família usa Tik Tok, só tem razão mesmo para pânico caso você tenha sancionado alguma grande empresa chinesa ou algum oficial do Partido Comunista. Se não fez isso, é só mais um entre bilhões de números rumo ao progresso econômico.

Não é o cidadão comum quem precisa mudar seu posicionamento com relação à forma de lidar com empresas de países totalitários, são os governos dos países democráticos.

Um outro exemplo é o do Telegram, nascido na Rússia. Vladimir Putin não teve a menor cerimônia em exigir que fossem cedidos dados pessoais de pessoas contrárias ao seu regime. A empresa negou e o Telegram foi banido em território russo. O dono transferiu o negócio e a própria cidadania para os Emirados Árabes Unidos, de onde opera até hoje. Quantas empresas podem fazer isso?

Aquelas com grandes parques industriais e que trabalham com produção de hardware de tecnologia não têm como fazer uma mudança dessas em nenhuma potência ditatorial do mundo.

Quando Donald Trump começou a falar dos produtos da chinesa Huawei, parecia mais uma peça entre as tantas teorias conspiratórias e folclóricas que marcaram não só sua carreira política mas suas décadas como showman. Num primeiro momento, nem a imprensa dos Estados Unidos levou a sério. Francamente, pensando em interesse comercial, parecia loucura que uma empresa abrisse mão de trabalhar com os norte-americanos para acatar ordens de seu governo.

A China já tem “Cavalo de Troia” do século XXI, é sua tecnologia. O país planejou e conseguiu ser o líder mundial em inteligência artificial e não esconde que pretende também expandir sua cultura e sua mentalidade. 

Em 2020, o Congresso dos Estados Unidos aprovou uma medida para banir as peças de celulares Huawei do país, mediante indenização de quem já comprou. Ainda parecia algo dos trumpistas.

A imprensa realmente começou a ficar curiosa quando, ao chegar à Casa Branca, Joe Biden ordenou que o Departamento de Comércio abrisse uma investigação própria sobre a Huawei para verificar que medidas seriam necessárias para acelerar o banimento real.

Uma reportagem recente da CNN ouviu o Centro Nacional de Contrainteligência e Segurança dos Estados Unidos, que acaba de emitir um alerta às autoridades nacional, estatais e locais sobre o soft power da China com intuito de influir na política norte-americana.

Parece uma história de cinema, mas o governo Biden admitiu publicamente que já abriu mais de duas mil investigações diferentes e todas apontam para o mesmo rumo. As empresas chinesas são braços de avanços geopolíticos do partido comunista.

Resta saber agora de que forma vamos aprender a conviver no mundo digital com uma disputa de poder feita de maneira tão desigual. 

Um caso investigado desde 2011 é particularmente interessante porque mostra o exercício do soft power chinês. Muitos produtores rurais começaram a se beneficiar de diversos serviços via internet, mas não tinham dinheiro para instalar os equipamentos.

Em um local específico, a Interestadual 25, entre Montana e Nebraska, o problema foi resolvido rapidamente nessa época apesar da falta de infraestrutura e da dependência total dos pequenos provedores locais.

É uma das áreas menos habitadas dos Estados Unidos. No entanto, muito rapidamente começaram a surgir roteadores novos e potentes vindos da China colocados nas torres de telefonia móvel já existentes.

Outros novos foram instalados ao longo da rodovia. Em aproximadamente 10 anos, a Huawei tinha já tinha fornecido equipamentos baratos a produtores rurais em mais de mil pontos diferentes.

O FBI desconfiou da bondade. Os contratos, que incluíam renovação tecnológica por anos, aparentemente não davam lucro nenhum. O que essas torres tinham em comum?

A Interestadual 25 conecta algumas das instalações militares mais secretas dos Estados Unidos, incluindo inúmeros depósitos de mísseis nucleares. Posteriormente o FBI descobriu que o equipamento da Huawei tinha a capacidade de interceptar e até interromper comunicações oficiais. A empresa também tinha instalado câmeras capazes de captar movimentações de tropas e enviar a Pequim.

Os equipamentos haviam sido aprovados pelo órgão técnico do governo dos Estados Unidos, que nem deveria imaginar essa possibilidade como critério para aprovação.

A China já tem “Cavalo de Troia” do século XXI, é sua tecnologia. O país planejou e conseguiu ser o líder mundial em inteligência artificial e não esconde que pretende também expandir sua cultura e sua mentalidade.

Os Estados Unidos reagiram a essa primeira tentativa. Resta saber agora de que forma vamos aprender a conviver no mundo digital com uma disputa de poder feita de maneira tão desigual.

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