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Conheça os “delulus”, pessoas que decidiram se divorciar da realidade

Ativista ambiental Greta Thunberg foi alvo de duas detenções neste sábado (6). (Foto: EFE/EPA/TOLGA AKMEN)

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Se você tem boletos a pagar, provavelmente não sabe o que é “delulu”. A palavra vem de delusional em inglês, delirante. Surge primeiro no universo do K-pop, a música pop coreana, que tem fãs absolutamente enlouquecidos. Na virada de 2010, nos fóruns específicos, resolveram dar nome aos mais fanáticos, aqueles que imaginavam ter uma relação com seus ídolos. O caso mais comum é o do pessoal que jurava que iria casar com os ídolos e se comportava como se efetivamente estivesse num relacionamento amoroso.

A expressão delulu furou a bolha e virou outro tipo de tendência de internet, presente no Tik Tok de vários países, inclusive no Brasil. São influencers que declaram ter se divorciado da realidade e vivem a vida como se ela fosse o que eles desejam, não o que é. Se tiver curiosidade, procure delulu em qualquer rede social. Encontrará toneladas desse tipo de conteúdo, sobretudo com gente muito jovem.

Os nossos valores, princípios e propósitos talvez nunca tenham sido tão importantes. Eles são nossa âncora com a realidade.

Se a pessoa está desempregada, com dificuldades financeiras, problemas de relacionamento ou infeliz, ela não admite isso. Passa a se comportar como se tudo estivesse maravilhosamente bem. São influencers que postam como se vivessem em um mar de rosas e dizem isso abertamente, postam essa vida idealizada ignorando a realidade.

Os delulus têm a crença de que vão atrair o futuro que desejam caso comecem a se comportar como se já estivessem vivendo este futuro. Todos nós temos sonhos e fantasias e isso é importante. Também há técnicas consolidadas para continuar evoluindo, como o famoso clichê de se vestir para o cargo que você quer, não para o cargo que você tem. Só que isso é fincado na realidade. Passar uma imagem que facilite seu trabalho em busca dos seus sonhos é uma tática interessante. Fingir que você já vive seu sonho, como fazem os delulus, é um passo muito adiante, outro departamento.

Parece ridículo e é. Mas também pode ser que esses jovens tenham só dado um nome ao fenômeno das pessoas que se divorciam da realidade e resolvem mergulhar nas redes sociais. Adultos padecem disso, praticam isso e não admitem. Pense em pessoas que dividiram a família por causa de briga política. Em gente que cortou os laços com amigos fiéis de uma vida toda. Um efeito das redes sociais sobre a sociedade é fazer com que pessoas desfaçam os laços reais com quem está próximo e passem a estabelecer laços imaginários com quem está longe.

Um fã de K-pop imagina que convive com seu ídolo, que sabe tudo dele, que são próximos, que um dia vão casar. Não é muito diferente de pessoas que imaginam fazer parte de algo maior sem sequer entender aquele universo. A grande diferença é que os adultos estãoo na fase de aprender a convivência digital e, assim que se conscientizam, focam no que interessa, a própria vida e as pessoas amadas. Esses jovens realmente acreditam na desconexão da realidade e valorizam isso.

Vivemos numa realidade em que a maioria das pessoas quer a conexão com os fatos e melhorias reais na própria vida, no país e no mundo. É possível que algumas pessoas se percam ou sejam manipuladas digitalmente para fugir disso. Você provavelmente conhece alguém que parece ter sido abduzido. O corpo está ali, mas é outra pessoa, repetindo chavões de grupos virtuais, iludida por um líder infalível que a explora, tomando atitudes que prejudicam a própria vida. Todos conhecemos alguém que caiu nisso e espero que quase todos também conheçamos gente que saiu disso.

Se essa tendência passa a ser considerada o normal, se o delulu substitui a realidade, o que será dos nossos jovens?

Somos o tempo todo bombardeados por informações e isso é novo. Estamos acostumando ainda. Muitos movimentos convocam sempre de forma hiperbólica para ações urgentes, sem admitir questionamento. Manipulam medo e indignações justas para lucrar, ganhar dinheiro, prestígio ou poder. É difícil discernir a realidade mesmo para quem tem amor a ela, imagine um cenário em que abrir mão da realidade seja visto como solução.

Não acredito que seja um veneno, vejo isso como um efeito colateral de um remédio. A internet nos possibilita um novo universo de possibilidades, de liberdade, de desenvolvimento pessoal, de contato com pessoas interessantes, de acesso a cultura e beleza, de organização da sociedade civil. Mas só conseguimos isso se essa ferramenta for voltada à solução de problemas reais.

Por que a juventude quer fugir da realidade? Tenho só a pergunta, não a resposta. Minha juventude foi diferente, víamos o futuro como algo bom, como a possibilidade de melhorar a existência humana. Imaginávamos os carros que voavam, a possibilidade de conhecer o mundo, a cura de doenças graves, a longevidade, a melhoria da qualidade de vida. Fora o carro que voa, algo que ainda não virou comercial, as outras coisas estão andando bem.

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Nossos jovens, no entanto, foram apresentados ao futuro em forma de catástrofe. Um ícone do ativismo dessa geração é a sueca Greta Thunberg, que fala do futuro como um fim dantesco. Na minha juventude, os ativistas reclamavam muito também, mas vislumbravam um futuro melhor que o presente. Diante do futuro irremediavelmente terrível, talvez muitos pensem que é melhor simplesmente fingir que a realidade não existe. Pregam que delulu é a solulu, “delusion is the solution”, delírio é a solução.

Onde está a solução? Na atenção. Vivemos a economia da atenção. Nas redes, há todo tipo de mercado disputando nossa atenção. E ela deve estar é em casa, nas pessoas que amamos, na nossa família, no nosso desenvolvimento pessoal. Os nossos valores, princípios e propósitos talvez nunca tenham sido tão importantes. Eles são nossa âncora com a realidade. Também devem ser o norte dos nossos relacionamentos e das nossas ações, online e offline.

Não podemos permitir que os jovens simplesmente desistam da realidade. Isso exige que a gente não desista deles. Na era digital, ficamos ansiosos por entender e gostar de tecnologia. Paradoxalmente, nunca foi tão necessário entender e gostar de gente.

Conteúdo editado por: Jocelaine Santos

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