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O presidente Lula na coletiva de imprensa em que comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto.
O presidente Lula na coletiva de imprensa em que comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Espanta a rapidez com que defensores aguerridos do presidente Lula incorporaram o vocabulário antissemita. Parece que viraram uma espécie de sinalização de virtude. É o mesmo grupo que, até outro dia, acusava os críticos de Lula de nazistas, como se fosse o pior xingamento do mundo. Em 2019, escrevi aqui na Gazeta do Povo um artigo sobre um fenômeno parecido na Califórnia. O título é “Neonazismo, o poder das palavras e o ovo da serpente”. Pessoas que já estão mergulhadas na lama antissemita entendem alguns discursos de autoridades como uma espécie de “liberou geral”.

A fala do presidente na Etiópia foi: “O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”. Existe uma discussão sobre ter sido ou não um improviso. É inócua. Jamais saberemos, a menos que a telepatia se torne uma ciência e consiga comprovar. Sabemos com certeza apenas que a fala foi feita. É um discurso novo na boca de Lula, mas não no mundo.

Onde estão agora todas aquelas pessoas preocupadíssimas com discurso de ódio?

O PSOL e Guilherme Boulos, por exemplo, faziam o mesmo discurso dez anos atrás. Isso foi apontado no jornal The Times of Israel, dentro do blog de Ariel Krok, empresário e palestrante muito ativo na comunidade judaica. Em novembro de 2020, Ariel Krok escreveu o artigo “PSOL, as lições que deveriam aprender”. Ele resgata uma categorização feita pela IHRA, Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, indicando as novas formas de discurso antissemita. São 3 pontos:

  • Negar ao povo judeu seu direito à autodeterminação, por exemplo, alegando que a existência do Estado de Israel é um esforço racista.
  • Aplicar padrões duplos, exigindo do Estado de Israel um comportamento não esperado ou exigido de qualquer outra nação democrática.
  • Fazer comparações da política israelense contemporânea com a dos nazistas.

Ali ele aponta algo postado há 10 anos pelo MTST, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, que catapultou Boulos à fama nacional. “Ato ontem em São Paulo em defesa do povo palestino e contra o genocídio sionista. MTST em peso!”, dizia o post no Twitter e no Facebook. Ali havia uma foto do tal protesto em frente à Catedral da Sé.

Em 31 de julho de 2014, Guilherme Boulos escreveu na Folha de S. Paulo uma coluna intitulada “A Palestina apagada do mapa”. “O colunista desta Folha Ricardo Melo teve a coragem de defender que a única solução para a questão é o fim do Estado terrorista de Israel”, diz um trecho. Tudo isso consta do artigo de Ariel Krok, que também traz outros exemplos de artigos escritos no site do PSOL. O discurso não é exclusividade do PSOL. Ele orbita por diversos meios e até no exterior, tanto que está apontado como exemplo pela própria IHRA.

Quando este mesmo discurso, que está por aí há tempos, aparece na boca de um líder político importante e com características populistas, as reações são incontroláveis. O PCO chegou a fazer uma passeata usando bandeiras com suásticas. Já era apoiador declarado do Hamas, que chega a vender camisetas com os símbolos dos terroristas. Foi noticiado pela mídia libanesa que o líder do PCO teve um encontro recente com Ismail Haniyeh, que coordena o braço político da organização terrorista.

Eles já faziam declarações extremistas antes da fala do presidente. Mas outras pessoas começaram a fazer declarações do mesmo gênero. Seguem algumas, coletadas no Twitter:

“A mídia corporativa brasileira é toda sionista ou está comprada por eles. Ela ultrapassou todas as linhas vermelhas da decência, fechando os olhos ao genocídio palestino. Eu refletia por que tantos se calaram enquanto os infelizes judeus eram exterminados? Agora tenho resposta”.

“Quem errou ao não fazer o serviço completo contra os judeus foi o m*rda do Hitler”.

“Adolf Hitler deveria ter acabado com vocês. Raça do demônio”.

“Ataquem Israel com armas químicas e biológicas disseminem doenças dentro de Israel e contra o povo judeu, Hitler estava certo, judeus não prestam”.

“É cada judeu existindo que me faz pensar no que foi q Hitler errou. Nem vou comentar. Palestina livre”.

São postagens que dispensam comentários. Evocam, no entanto, um questionamento. Onde estão agora todas aquelas pessoas preocupadíssimas com discurso de ódio? Algumas surgiram, mas não há um movimento organizado e forte apontando que isso não pode ser o novo normal.

“Nenhuma barbárie tomou seu posto na história de surpresa. A violência se instala aos poucos, primeiro pela licenciosidade nas agressões verbais. De repente, o que era agressivo passa a ser o normal e se atira a primeira pedra. É aos poucos que as coisas evoluem para a perda da noção de civilização e o banho de sangue”, foi o início do meu artigo em 2019.

A normalização desse discurso coloca em risco real toda a comunidade judaica no Brasil. Medidas estão sendo tomadas em diversos casos, principalmente na esfera jurídica. Elas são caso a caso, enquanto os discursos antissemitas brotam como mato pela internet. Resta saber agora que atitudes serão capazes de colocar este gênio de volta na garrafa.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
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