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Depois das redes sociais, adversários políticos parecem falar idiomas diferentes
| Foto: Unsplash

Este mês foi feita nos Estados Unidos uma análise de 2,8 milhões de tweets postados desde 2011. O jornalista de dados do USA Today Aleszu Bajak testou com os congressistas o mesmo modelo de estudo que já havia sido feito por psicólogos em redes sociais. A tese inicial está no livro The Power of Us, de Jay Van Bavel e Dominic Packer. É uma publicação que tenta descobrir formas de reverter a tendência crescente de usar nossas identidades sociais para dividir a sociedade e isolar pessoas.

São vários estudos mostrando como reconhecer nossas identidades e a multiplicidade de cada indivíduo pode promover harmonia social aumentando a cooperação entre grupos e a performance naquilo que desejamos realizar. E onde as redes sociais entram na história? No sistema de recompensas sociais que têm estabelecido na nossa sociedade há uma década. Silencioso, ele molda pensamentos e depois comportamentos.

Nunca precisamos tanto dos valores da família e da comunidade. Saber quem somos, de onde viemos, quais os nossos princípios e propósitos é hoje um desafio.

Você já ouviu falar dos tais algoritmos. Eles são sentenças matemáticas que determinam o que será mais distribuído e o que terá menos distribuição. Simplificando bem, funciona da seguinte forma: você posta algo, a rede social mostra para 1% dos seguidores e, a depender do engajamento deles, vai aumentando exponencialmente o número dos que recebem ou deixa aquilo morrer num grupo pequeno.

Você não vê todas as postagens de quem segue nem quem te segue vê tudo o que você posta. Somos alimentados com as postagens capazes de gerar mais likes, dislikes, compartilhamentos e comentários, inclusive xingamentos. Posts que tem linguagem moralista e usam palavras de apelo emocional têm muito mais chances de gerar engajamento. Portanto, vão fazer mais sucesso.

É uma recompensa social que também promove no nosso cérebro um tipo específico de liberação de dopamina. As duas coisas andam juntas, a química cerebral e a dinâmica social. Como a nossa convivência e nosso consumo de notícias são cada vez mais misturados e mediados pelas redes, tudo entra nesse sistema de recompensa hormonal e social. Vamos sendo moldados a nos expressar cada vez mais com o viés da moral do nosso grupo e usando palavras que ativam emoções no grupo.

E que palavras seriam essas? Um estudo fez uma lista delas, com foco no cidadão comum e na interação de vários tipos de grupos. Foi um trabalho de Jay Van Bavel pela NYU, William J. Brady pela Northwestern University e Almog Simchon pela Bristol University.

O estudo selecionou palavras marcadoras de discursos moralizantes e emocionais sobre vários temas. Violência, crime, pior, culpar, errado, ameaça, destruir, inimigo, corrupto e esquema, por exemplo. Se a gente pensa nessas palavras, elas são praticamente a tradução de tudo o que a gente vê em postagens de políticos e nas reportagens sobre eles.

Nem sempre elas foram tão presentes, ficavam para os temas realmente merecedores de indignação. Há sinônimos de menor peso para casos de menor peso. O gráfico varia nos picos, mas repare como, nos últimos dez anos, a tendência geral de uso dessas palavras vai aumentando entre republicanos e democratas até chegar a um patamar que é o dobro do anterior.

Como os políticos teriam descoberto que é só fazer isso para ter mais alcance na internet? Alguns, os chamados por aqui de Bancada Hashtag, vivem disso. São, no entanto, uma minoria. A maioria passa, junto com suas equipes, por um processo normal da formação social humana, a conformidade social. Nós somos gregários e tendemos a fazer o que dá certo em determinado grupo sem nem precisar de ordens ou raciocinar sobre fatos.

Tem um vídeo antigo do programa norte-americano Candid Camera que explica isso de um modo divertidíssimo. É uma espécie de pegadinha. Vários atores estão dentro do elevador esperando alguém chegar. Todos estão virados para a porta. Quando a pessoa entra e a porta do elevador se fecha, eles viram de costas, olhando para a parte de trás do elevador.

O primeiro a entrar é um senhor que fica muito desconfortável e não quer aderir ao grupo. Vai, pouco a pouco, fazendo gestos que praticamente justificam para ele mesmo a necessidade de olhar para a parede do fundo. Acaba se virando. O vídeo parte dos mais resistentes e acaba com o mais aderente. O último, além de se virar de costas, de um lado e de outro, tira e coloca o chapéu imitando os atores.

Pensando do lado de fora, é um comportamento que estigmatizamos, o de “maria vai com as outras”. Mas todos temos isso na alma e queremos tanto a aceitação social quanto o sucesso. Ao receber a avaliação dos nossos pares sobre nossas postagens, instintivamente vamos aprendendo o que nos dá melhores recompensas. É um processo natural começar a postar o que as pessoas gostam. Quando falamos de políticos, subimos um degrau. Eles vivem de votos. Atender seus eleitores e manter a militância ativa não é apenas uma questão de instinto ou comportamento humano, também é o centro do sucesso profissional.

Todos os estímulos das Big Techs são para que fiquemos presos numa guerra contra o que desprezamos, sem tempo para construir nada de significativo.

A reportagem do USA Today também mostra o resultado do estudo de Annelise Russell, da UKY Martin School. Postagens que ataquem ou culpem grupos adversários têm muito mais impulsionamento dos algoritmos de redes sociais. Outro ponto analisado entre os 2,8 milhões de tweets é o da escolha dos veículos de comunicação a serem partilhados por congressistas para divulgar o noticiário.

Há quem acredite em jornalismo isento, eu não. Sempre acreditei em jornalismo honesto. Cada um de nós tem seus princípios e valores. O mais honesto é dizer quais são, fazer o melhor que podemos e informar o público sobre aquilo que nos move e nossos conceitos morais. Diante da informação correta sobre o que defendemos e aquilo em que acreditamos – não apenas politicamente, mas os valores mais profundos – o nosso público tem todas as condições para avaliar e entender quem somos e o que dizemos.

Sempre houve e sempre haverá veículos de comunicação mais alinhados à ideologia de um ou outro grupo político. Diferente do que se imagina, em muitos dos casos não há uma aliança. Os políticos passam, os veículos ficam. Há grupos jornalísticos e políticos que partilham os mesmos princípios e valores, às vezes sem nem ter contato direto ou interferência. E, obviamente, também há aqueles que são puxadinhos de partido ou blogueiros amigos. O público sabe muito bem a diferença.

O levantamento mostrou que, nos últimos dez anos, republicanos e democratas pararam de compartilhar os grandes veículos, como era tradicional. Obviamente havia diferença no grande veículo que escolhiam, já que há diferenças ideológicas. Mas agora o comportamento é curioso. Fica nítido que democratas compartilham um grupo de veículos e republicanos compartilham outro completamente diferente.

O preocupante é que blogueiros ligados a partidos e às vezes subordinados a partidos passam a ser tidos pelos congressistas como veículos de comunicação isentos. O principal problema é ter um país só vivendo como se tivesse duas realidades completamente diferentes, sem que um lado ouça ou compreenda os argumentos e razões do outro.

É muito interessante que as redes sociais dão a ilusão de que é possível manter e defender valores e princípios fazendo alianças com quem está longe e quebrando vínculos com quem está perto. Não é. Assim ficamos reféns das Big Techs.

Num artigo anos atrás, mostrei exemplos de como a união familiar salva jovens da radicalização na internet. Nunca precisamos tanto dos valores da família e da comunidade. Saber quem somos, de onde viemos, quais os nossos princípios e propósitos é hoje um desafio. Todos os estímulos das Big Techs são para que fiquemos presos numa guerra contra o que desprezamos, sem tempo para construir nada de significativo. E, principalmente, sem condições de construir um ideal de país.

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