• Carregando...
Redes sociais
| Foto: Unsplash

Em uma época em que as redes sociais nos bombardeiam com opiniões políticas fervorosas, ser receptivo a pontos de vista opostos parece ser um sinal de maturidade e abertura. No entanto, um estudo recente revela que essa postura pode, na verdade, gerar custos de reputação significativos. Essa é a conclusão de um estudo publicado no Jornal de Psicologia Experimental por Mohamed Hussein e Christian Wheeler. “Os custos de reputação da receptividade política: quando e por que ser receptivo a visões políticas opostas se volta contra você” é um trabalho que condensa 16 estudos sobre visões políticas e reputação.

No ambiente digital, a polarização política, que é natural, evolui para a polarização tóxica com muita facilidade. As pessoas não se apegam mais a princípios e ideias políticas, passam a ter uma desconfiança moral de quem é do grupo oposto. Tentar ouvir e compreender ideias políticas divergentes poderia ser visto como um ato de coragem e discernimento. Além disso, é fundamental para ter bons argumentos de debate político. Sem conhecer o oponente, não sabemos como convencer sobre a nossa visão. No entanto, a pesquisa mostra que essa atitude aparentemente positiva pode resultar em efeitos contrários aos esperados.

Os grupos coletivistas e que ganham no grito estão conseguindo impor a toda sociedade sua forma de viver e ver o mundo.

Saímos do campo das ideias e passamos ao campo de avaliar pessoas. O problema não é o que se fala, é quem fala. Dessa forma, se a pessoa se mostra receptiva a qualquer coisa dita por um membro do grupo político adversário, vai ter de arcar com custos de reputação. O outro já é visto como maléfico e a pessoa que o ouviu passa a ser vista como cúmplice. O tema nem entra em questão. Dessa forma, quem se mostra aberto a ouvir e considerar perspectivas políticas divergentes pode ser visto de forma negativa.

Para entender melhor esse fenômeno, os pesquisadores exploraram diversos contextos, desde interações em plataformas online até observações de comportamentos políticos no mundo real. Existe uma ambiguidade de julgamento. Pessoas que são receptivas e sabem ouvir ideias divergentes são bem vistas pelos demais. Mas, quando essa interação é com alguém carimbado como membro do grupo oposto, a coisa vira do avesso. Nesse caso, é ruim para a reputação.

Comentários receptivos a visões opostas nas redes sociais recebem menos likes e menos apoios se são dirigidos a alguém visto como adversário. Esse padrão sugere que as pessoas tendem a estereotipar os membros do partido oposto como imorais, o que leva a uma penalização daqueles que se mostram abertos a considerar suas ideias.

Em outras situações é diferente. Pense em uma divergência de ideias entre pessoas vistas como do mesmo grupo político ou entre pessoas não carimbadas como necessariamente pertencentes a um grupo político. Esses indivíduos não são vistos como um rótulo ou um estereótipo, são vistos como seres humanos pelos demais. Os custos de reputação da receptividade a ideias diferentes, nesse caso, diminuem ou até se revertem.

Estamos diante de duas mentalidades diferentes avaliando quem é receptivo a ideias diferentes. A primeira é a coletivista, em que indivíduos são desconsiderados e lidos apenas como parte de um grupo. A segunda é a individualista, em que grupos existem mas cada ser humano é único, com sua  própria história e responsável  por suas ações.

Na visão coletivista, é ruim ouvir e responder de forma positiva a visões políticas opostas. Aqui não falamos nem de mudar de ideia, só de ser receptivo a ouvir. Na visão individualista, saber ouvir é algo visto como qualidade e maturidade. São descobertas importantes no atual cenário do debate político, principalmente digital. Temos a impressão de que todo mundo fala – e muitos só gritam – mas ninguém se ouve. O estudo indica que a divergência parece política, mas não é, é de reputação. Quando indivíduos se opõem a ideias e a pessoas, podem nem estar prestando atenção no tema ou sequer se importar com ele. É por isso que muita gente xinga sem ler e sem ouvir o que e quem está xingando.

É um sistema regido pela reputação. O pensamento passa a ser o seguinte: minha reputação aumenta quando eu ataco alguém do grupo oposto e diminui se resolvo reconhecer a humanidade daquela pessoa e ouvir o que ela tem a dizer. Nesse cenário, corremos o risco de perpetuar a falta de diálogo construtivo entre grupos políticos.

Pense em uma situação banal e comum. Você viu uma postagem e curtiu. Às vezes não conhece a pessoa e gostou do que ela disse. Às vezes até curtiu sem querer. Conhecidos perguntam por que você curtiu aquilo, já que aquela pessoa é um representante do mal encarnado. Entre quem você nem conhece e quem você conhece, com quem você fica?

Dessa forma ficamos cada vez mais isolados e mais restritos a ideias fixas sobre pessoas. Isso não tem nada a ver com ter princípios. Além disso, impede as pessoas de convencer as demais sobre sua própria visão política. Estamos aqui no campo da antipolítica, não da política. Política é construir pontes. Derrubar pontes e se isolar é o oposto disso.

Também existe nesse cenário um espaço aberto para oportunistas. Suponha que uma pessoa tenha um problema pessoal com outra ou esteja competindo com ela. Basta inventar algo ou carimbar como representante do grupo político oposto para que ela seja inviabilizada. Um grande contingente de pessoas vai se mobilizar para atacar sistematicamente aquela pessoa, sem se importar com fatos ou com a humanidade dela. O que manda é a reputação. Atacar melhora a reputação, ouvir piora.

Como sair disso? Usando táticas novas de diálogo e manifestação, sugere um dos pesquisadores, Mohamed Hussein.

Temos de saber que a polarização política nem sempre é por causa de política, ela também é impulsionada em parte por mecanismos de reputação.

Se você é parte de um grupo político ou tem determinada ideologia, provavelmente quer ser ouvido por pessoas que ainda não concordam com você, é a chance de convencer sobre o seu ponto de vista. O pesquisador sugere mudar o que você posta para se afastar do estereótipo de imoralidade. Poste fotos ou histórias que o humanizam para o seu próprio público. Tente ao máximo mostrar que você é uma pessoa, não é uma engrenagem de um sistema coletivista.

Temos diante de nós um grande desafio, voltar a ver pessoas como pessoas. Seres humanos não se resumem a uma visão política ou um carimbo posto sobre eles por determinado grupo. Isso vale para os outros e vale para cada um de nós. Com toda certeza, você já sofreu injustiça por parte de alguém com visão coletivista que ignorou sua história ou como você age ao julgar você.

É possível, por exemplo, não concordar com nada que uma pessoa diz sobre política. Ao mesmo tempo, reconhecer que é um bom pai, amigo leal e honesto sobre o que diz. Também é possível o oposto, concordar politicamente com tudo o que a pessoa fala mas ter restrições sobre a forma como ela se comporta.

Parece que estamos colocados numa espécie de amarra mental. Sabemos que cada ser humano é único, mas vivemos em grupos que agora convivem online o tempo todo. Tendemos a desprezar a humanidade e pensar só como grupo. Só temos a ganhar ao nos livrar dessa prisão. Quanto mais a tecnologia evolui, mais precisamos entender de gente. Valorizar o indivíduo e os princípios nunca foi tão importante. Parar para ouvir o outro e colocar o respeito em primeiro lugar pode melhorar muito o ambiente político.

Os grupos coletivistas e que ganham no grito estão conseguindo impor a toda sociedade sua forma de viver e ver o mundo. Muitos se iludem que, agindo dessa forma, estão combatendo esses grupos autoritários que querem monopolizar o debate e impor suas crenças goela abaixo dos demais.

Combater esses grupos com as armas deles é uma ilusão. Se adotamos a mesma forma de agir, os autoritários ganham, impondo a todos sua lógica de vida. É preciso respirar e dar às pessoas valorosas o reconhecimento que elas merecem. Hoje, quem reage contra o coletivismo e opta por respeitar os demais seres humanos, acaba pagando com a reputação. Deveria ser o oposto, reconhecer os melhores entre nós.

É uma tarefa que exige participação e disciplina de cada um. Não é fácil, mas é fundamental.

Conteúdo editado por:Jocelaine Santos
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]