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Deputados e eleitores: a crise não está na democracia, mas na representatividade.

Deputados e eleitores: a crise não está na democracia, mas na representatividade.

Virou hit nas manifestações pelo Brasil afora o coro de que “o povo, unido, governa sem partido”. Dizem que é um dos sinais da debilidade ideológica do movimento. Bobagem. Trata-se do recado mais relevante dos protestos.

Há duas semanas, o sociólogo espanhol Manuel Castells repetiu durante uma palestra em Porto Alegre que o atual modelo de democracia representativa (não apenas o brasileiro, mas do mundo em geral) está esgotado. Castells é apontado como o acadêmico que melhor entendeu a pulverização os indignados. Da Primavera Árabe ao 15-M na Espanha, passando pelo Occupy Wall Street nos Estados Unidos até a revolta recente na Turquia.

As teses dele também cabem nas manifestações por aqui. Mas será que a democracia em si está ameaçada? Não, o problema é outro: as pessoas enfim perceberam que não têm qualquer identificação com o jeito em que ela funciona nos seus países.

Isso provoca raiva, que gera indignação. A indignação reprimida extravasa pelos canais de hiperconectividade na internet, até que explode nas ruas. E então se transforma na emoção da solidariedade da ação coletiva.

O processo é lógico, embora por todos os cantos a pauta dos protestos seja heterogênea. A questão não é exatamente que caminho seguir. É o consenso de que não há mais condições para ficar no mesmo lugar.

Sim, o Brasil pode até parecer uma das democracias mais sofisticadas do mundo. Somos a terra da urna eletrônica. Mas se temos o direito de escolher livremente, por que nossos políticos são tão detestados?

Porque essa liberdade é relativa. Como diz Castells, a confusão está no modelo. Você até tem opções de candidatos em quantidade razoável, só que esse menu sempre é definido anteriormente pelos partidos.

Os partidos, por sua vez, são comandados por caciques que agem de acordo com os próprios interesses. No Paraná, por exemplo, o mais comum é que esses interesses se cruzem em laços familiares. Então a “liderança” comanda a legenda arcaicamente como se fosse sua casa, ou melhor, seu feudo.

O modelo se retroalimenta impedindo que surjam nomes novos de verdade. O resultado é a perpetuação de políticos como José Sarney, Renan Calheiros e tantos outros. Eles não têm representatividade popular, mas são gênios da operação do modelo.

Existe um ponto ainda mais maligno dessa engrenagem que é o sistema de eleições parlamentares no Brasil. A possibilidade de coligações nas disputas proporcionais faz com que o sujeito vote no Tiririca (PR-SP) e eleja o José Genoino (PT-SP). Assim as siglas montam suas pegadinhas a cada dois anos – e as pessoas insistem em cair como patinhos.

Há duas formas de resolver a questão. Uma é tentar ser mais esperto que os caciques e usar o próprio modelo vigente para tentar derrubá-los nas eleições. A história mostra que isso é praticamente impossível – a mobilização dos últimos dias é exceção, e não a regra.

A outra é tentar revolucionar o modelo em si, o que necessariamente passaria por uma reforma política. E quem tocaria essa reforma? Faz sentido deixar nas mãos de quem já controla o modelo?

Está aí a complexidade do vem pela frente. No fundo, a musiquinha dos manifestantes é mais um desabafo que uma realidade. Uma hora vai ser necessário tomar partido.

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