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Cândidos candidatos
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Publicado na edição impressa da Gazeta do Povo na coluna Conexão Brasília:

Defender o projeto Ficha Limpa passa por uma questão de semântica. Como lembra o ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, a palavra “candidato” vem de “cândido”, ou seja, está ligada à pureza. Na Roma antiga, candidatos a cargos políticos usavam túnicas brancas para simbolizar higiene ética e moral.

Da mesma época vem um ditado usado até hoje: à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta. São essas duas questões, candura e honestidade, que precisam nortear o debate sobre o impedimento da candidatura dos fichas-sujas.

A aprovação da proposta, que segue emperrada no plenário da Câmara dos Deputados, é histórica, mas não é a solução para todos os males da política nacional. Ainda cabe ao eleitor ceifar candidatos sabidamente enrolados com a Justiça e que usam o mandato para se manterem acima do bem e do mal.

De acordo com o texto cujo mérito foi aprovado na semana passada pelos deputados, fica inelegível apenas o político condenado por um colegiado (grupo de juízes). Mesmo sentenciado nesse tipo de instância, ele ainda pode recorrer, conseguir uma liminar e concorrer à eleição – desde que aceite que o processo passe a tramitar mais rápido.

A proposta é constitucional (não fere o conceito da presunção de inocência), porém, tem curto alcance. Na última sexta-feira, o site Congresso em Foco fez um estudo sobre os efeitos do projeto nas candidaturas de sete políticos que enfrentam processos na Justiça. Entre eles, apenas o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) poderia ficar inelegível.

O ex-governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PSC-DF), que segundo denúncias seria o precursor do mensalão de Brasília, sairia ileso. O mesmo aconteceria com o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que foi preso pela Polícia Federal e renunciou ao mandato de senador em 2001 sob acusações de enriquecimento ilícito. Ambos nunca foram condenados por um colegiado de juízes.

Já Maluf possui quatro sentenças proferidas por colegiados, mas apenas uma delas se encaixa nas limitações do projeto. A sentença se refere à compra superfaturada de frangos congelados que seriam utilizados na merenda escolar, quando ele era prefeito de São Paulo. O negócio beneficiou uma empresa da mulher do hoje deputado, Sylvia Maluf.

O político nega as acusações e deve recorrer da decisão da 7ª Câmara de Direito Público de São Paulo, proferida no mês passado, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se o recurso for aceito, Maluf tem tudo para conseguir um efeito suspensivo e se candidatar.

No Paraná, o deputado estadual Jocelito Canto (PTB) se adiantou à discussão e disse que deixará a política por conta própria. Ainda é cedo para garantir que ele cumprirá a promessa, assim como não se sabe se o projeto será aprovado a tempo para valer para as eleições de outubro.

Valendo ou não, a proposta não deve servir para mascarar o grande problema da democracia brasileira – a falta de consciência do eleitor. Votar bem exige trabalho; de pesquisa, de comparação. Não basta acreditar que o Ficha Limpa tornará os candidatos mais cândidos.

É o cidadão comum que precisa ser mais honesto consigo mesmo na hora de votar. Só isso fará com que ele também pareça mais honesto, o que assustará os maus políticos ainda mais do que uma nova lei para barrar os fichas-sujas.

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