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Caroneiros da tragédia
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O script é o mesmo de sempre. Acontece uma tragédia, o Brasil do mundo real (não aquele dos bastidores políticos de Brasília) se comove e os congressistas logo se apresentam como os xerifes da sociedade. Aí pipocam propostas para tornar as leis mais severas – como se a falta de novas regras e não o descumprimento das já existentes fosse o motivo para episódios como o da boate Kiss.

Em fevereiro de 2007, o país também ficou embasbacado diante da violentíssima morte do menino João Hélio Vieites, de seis anos. O carro da mãe dele foi roubado no Rio de Janeiro e, durante a fuga, o garoto acabou preso no cinto de segurança para fora da porta e foi arrastado pelo asfalto por sete quilômetros. Imediatamente o Congresso começou a votar propostas para aumentar a rigidez contra crimes hediondos.

Sob o calor da tragédia de Santa Maria (RS), o deputado federal Fernando Francischini (PEN-PR) apresentou um projeto de lei para proibir o uso de materiais perigosos em ambientes como o da boate Kiss. Nada contra a ideia em si, mas, como esse, outros virão. E possivelmente serão aprovados em toque de caixa.

Enquanto isso, a Frente Parlamentar de Combate à Corrupção aponta que há 160 projetos anticorrupção engavetados no Congresso. Outro fato relevante: durante os cinco meses de julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal não foi aprovada qualquer proposta para evitar a repetição do escândalo. Pelo contrário, o que se viu foi uma tentativa de confrontar as decisões do Judiciário.

Doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília, a professora Laura Frade se dedicou a quantificar a relação de deputados federais e senadores com esse tipo de situação. É dela o estudo “O que o Congresso Nacional pensa sobre a criminalidade”, que levantou todos os projetos relacionados ao tema na legislatura 2003-2007. Entre 646 propostas, encontrou apenas duas ligadas a crimes de colarinho-branco.

Para quem não lembra, o Parlamento ficou marcado nessa época por dois dos maiores escândalos políticos da história do país, o do mensalão e o dos sanguessugas. Daí vem o dado mais simbólico (e chocante) da pesquisa. Laura entrevistou 58 congressistas da época sobre o que eles pensavam sobre o combate à criminalidade e uma das palavras mais utilizadas para definir quem comete crime foi “pobre”.

Trocando em miúdos, o Congresso, de forma geral, vê a criminalidade como coisa de pobre. Mas não é só isso. A falta de uma discussão mais profunda sobre o espírito das leis leva ao casuísmo, ou seja, não se reflete sobre os motivos reais que levaram à determinada tragédia.

Em 2008, Laura falou em entrevista à Gazeta do Povo que a conclusão da sua pesquisa mostrava que a “visão de deputados e senadores é que o bandido é o outro, e nunca um deles”. “É muito confortável que eu possa colocar as minhas dificuldades no outro, ao invés de enxergá-las em mim mesmo”, dizia ela. Lá se vão cinco anos e os acontecimentos do período só reforçam esse entendimento.

É só ver como as denúncias contra Renan Calheiros (PMDB-AL) não tiveram qualquer efeito na volta dele para a Presidência do Senado. Assim como hoje pouca gente duvida que Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) vai se eleger presidente da Câmara. São provas de que, no Congresso Nacional, o teor da tragédia é só uma questão de ponto de vista.

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