Desde que a reeleição virou norma, em 1997, nenhum presidente da República, governador do Paraná ou prefeito de Curitiba desperdiçou a chance de se manter no cargo. Os 100% de aproveitamento nas três esferas podem ser explicados pela lógica da aprovação popular. Mas também indicam que a máquina pública é um instrumento poderoso para ganhar votos.
Em manobras pouco sutis, a presidente Dilma Rousseff (PT) e o prefeito Luciano Ducci (PSB) deram mostras nesta semana de como funciona esse jogo. Ela aproximou-se dos evangélicos ao nomear o pastor Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da Pesca. Ele apresentou um pacote de bondades para agradar o funcionalismo, que inclui um reajuste de 10% para todos os servidores e, de quebra, propôs a redução do próprio salário em 30%.
Não é de hoje que Dilma e o PT enfrentam problemas com os evangélicos. Em São Paulo, o estrago era iminente: ex-ministro da Educação e candidato petista na cidade, Fernando Haddad vinha sendo tratado como o pai do “kit gay”, um material de combate à homofobia que seria distribuído nas escolas públicas. Pressionada pelos evangélicos, Dilma decidiu vetar a distribuição por conta própria no ano passado.
A medida não encerrou o assunto. No mês passado, o presidente do PRB, bispo Marcos Pereira, havia afirmado que o episódio continuaria afastando os evangélicos de Haddad. Agora, com a legenda ligada à Igreja Universal como integrante do governo, a expectativa é de pelo menos uma trégua.
Em Curitiba, a jogada de Ducci não foi um sucesso completo porque os servidores (por enquanto) esnobaram a proposta dos 10%, que, segundo os cálculos da prefeitura, representa um aumento real de 4,6%. Para o sindicato da categoria, as perdas acumuladas desde 1994 seriam de mais de 14%. Já a redução de salário de R$ 26,7 mil (teto do funcionalismo brasileiro) para R$ 18,7 mil tem outras peculiaridades.
Na prática, como o próprio prefeito justificou, ele está apenas formalizando uma prática que já vinha adotando desde que assumiu o cargo, em março de 2010. Ducci devolvia os 30% mensalmente aos cofres municipais. A “moda” começou com Beto Richa (PSDB) em 2007, que passou a devolver 20% do salário quando um levantamento nacional mostrou que o salário do prefeito curitibano era o maior entre as 26 capitais brasileiras.
O curioso é que a austeridade de Ducci com a própria remuneração não foi a mesma de quando ele teve a chance de evitar o aumento de 28% para os vereadores. Em dezembro do ano passado, a Câmara decidiu subir o valor de R$ 10,4 mil para R$ 13,5 mil a partir de 2013. Ducci poderia ter sancionado ou vetado o aumento, mas utilizou uma brecha da lei orgânica do município para simplesmente lavar as mãos.
A propósito, a economia mensal com a manutenção dos salários dos 38 vereadores seria de R$ 98,8 mil – 12 vezes maior do que a gerada pelo desconto na própria remuneração do prefeito. Por outro lado, contar com uma Câmara camarada em ano de eleição não tem preço. Assim como fez Dilma com a incorporação PRB em Brasília, trata-se de algo que só uma máquina azeitada é capaz de fabricar.
***
Siga o Conexão Brasília no Twitter!
-
Relatório americano expõe falta de transparência e escala da censura no Brasil
-
“A ditadura está escancarada”: nossos colunistas comentam relatório americano sobre TSE e Moraes
-
Jim Jordan: quem é campeão de luta livre que chamou Moraes para a briga
-
Aos poucos, imprensa alinhada ao regime percebe a fria em que se meteu; assista ao Em Alta
Ex-desembargador afirma que Brasil pode “se transformar num narcoestado”
Contra “sentença” de precariedade, estados do Sul buscam protagonismo em negociação sobre ferrovia
Câmara de São Paulo aprova privatização da Sabesp com apoio da base aliada de Nunes
Lula afaga o MST e agro reage no Congresso; ouça o podcast
Deixe sua opinião