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“Peregrinos indo à igreja”, de George Henry Boughton.
“Peregrinos indo à igreja”, de George Henry Boughton.| Foto: Wikimedia Commons/Domínio público

Falar de liberdade necessariamente passa por falar de liberdade religiosa, a mãe de todas as liberdades. Foi a luta pelo direito de crer e de aderir a uma religião diferente da religião do rei que proporcionou o arcabouço teórico para o nascimento das liberdades de consciência, econômica, de ir e vir, de imprensa, entre outras. Em nossa nova obra, A contribuição do cristianismo para a liberdade, afirmamos: “Se o cristianismo é a mãe da liberdade, a liberdade religiosa é o primeiro filho. Como percebemos, a liberdade surge em razão da luta pelo direito de livre crença e exercício dela”.

É muito importante que todos tenham essa compreensão. Não podemos tratar a liberdade religiosa como o patinho feio das liberdades que, para muitos, trata-se apenas de uma garantia para religiosos prestarem seus cultos na periferia enquanto no centro da comunidade política, onde as decisões acontecem, os religiosos e sua liberdade devem ficar bem longe.

Um dos teóricos da liberdade, Alexis de Tocqueville, ao explicar a democracia nos Estados Unidos, certificou, em sua principal obra, A Democracia na América, que “nos Estados Unidos não há ódio religioso, porque a religião é universalmente respeitada”. Esse respeito religioso afirmado por Tocqueville existe no sentido de o Estado não interferir na religião das pessoas, para que então possam viver suas vidas conforme sua consciência, na maioria das vezes formada por crenças religiosas. A análise de Tocqueville é de uma América nascendo como país livre, no início do século 19, mas não se tem dúvidas de que este foi um dos fatores que potencializaram o seu crescimento. Em outra obra, Antigo Regime e a Revolução, Tocqueville concluiu que “para os liberais americanos, uma sociedade livre não poderia subsistir sem a religião, enquanto, para os liberais franceses, a religião do antigo regime era um mal” que deveria ser combatido a qualquer custo, inclusive degolando cabeças na Bastilha.

Em muitos setores, percebemos uma exaltação da Revolução Francesa e a consequente tentativa de excluir as vozes religiosas da arena pública

Pode-se dizer que os EUA foram o primeiro país entre os Estados modernos a aplicar a laicidade nas relações entre Estado e Igreja. É conhecida a expressão “wall of separation” para preservar Igreja e Estado de interferência de um e outro em seus próprios negócios. Todavia, ao longo dos séculos, os tribunais norte-americanos, e especialmente a Suprema Corte, ao usar o “wall of separation” como norte em suas decisões, geraram um certo estabelecimento jurídico de irreligiosidade. Afirma W. Murchison em Restoring religious liberty que “o detrimento de um ethos de respeito à religião como força significativa na sociedade favorece, implicitamente, por defeito, um ethos cultural irreligioso”. Isto é, uma separação absoluta, por defeito, gerou nos Estados Unidos um sentimento contrário àquele que o fundou.

Começamos a perceber isto no Brasil. Em muitos setores, percebemos uma exaltação da Revolução Francesa e a consequente tentativa de excluir as vozes religiosas da arena pública. Se para alguns setores brasileiros a liberdade religiosa consiste apenas no direito de “rezar em casa”, esvaziando-a quase que totalmente de seu conteúdo, a exemplo das teocracias islâmicas que permitem o mesmo direito, para outros a liberdade religiosa é um patinho feio que serve de proteção para religiosos na periferia, como acabamos de dizer.

Entretanto, ambas as visões desconsideram o fato de que foi a liberdade religiosa o fator potencializador de todo o sistema de liberdades. Também esquecem que a liberdade religiosa possui uma função ordenadora e estruturante da sociedade, visto que, se o Estado pode impedir o exercício de uma crença espiritual, poderá impedir o exercício de qualquer outra ação humana.

Isso posto, a principal função da liberdade religiosa não é a protetiva dos fiéis (por mais que esta dimensão também seja importante), mas é de ordenar e estruturar o próprio sistema político em que se encontra, sendo seu princípio ativo no sentido de: 1. Garantir o pluralismo de ideias emanado de um ecossistema variado de crenças, fundamento de qualquer democracia plural e inclusiva; 2. Ser um princípio de organização social e de configuração política, porque contém uma ideia ou uma definição de Estado oriundo da cosmovisão e dos sistemas de valores das confissões religiosas; 3. Potencializar o exercício e o gozo dos direitos civis e políticos. A pessoa religiosa que possui os âmbitos de sua crença e seu exercício protegidos exerce os direitos civis e políticos com a tranquilidade de que aquilo que lhe é mais sagrado não será tolhido nem violado pelo Estado. 4. Ser a pedra nodal do sistema de liberdades, visto que, se o ser humano tem negado pelo Estado seu direito mais íntimo de crer e de exercer sua crença, todas as outras liberdades serão prejudicadas, seja diretamente pelo Estado, seja pela aniquilação da autonomia da vontade da pessoa religiosa de exercê-los.

Para isto é necessário formação e informação. As pessoas precisam saber que a liberdade religiosa não é apenas o direito de “rezar em casa” ou a garantia de um “passatempo” quase sem importância para a vida da cidade. Nesta sexta-feira, 14 de abril, esse foi o tema do painel “Liberdade religiosa na arena da liberdade”, do Fórum da Liberdade, o maior evento sobre liberdades da América Latina e, com certeza, um dos maiores eventos do mundo. Em um debate de alto nível, um fiel protestante (eu, Thiago Vieira), um padre católico romano (Robert Sirico) e um ateu (Roberto Rachewsky) concordaram que o bem comum da sociedade não prescinde da liberdade religiosa e que ela assegura a crença no espaço público e privado. Que venham mais debates assim! E registramos nossos parabéns ao Instituto de Estudos Empresariais (IEE), em nome de sua presidente, Victoria Jardim, e de seu diretor Matheus Macedo, por incluir o tema da liberdade religiosa no Fórum!

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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