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Crônicas de um Estado laico

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Artigo

Hoje foi Léo Lins. Amanhã pode ser um pastor

Léo Lins, que vem sofrendo perseguições de órgãos públicos
Léo Lins: perseguido por fazer piadas. (Foto: Divulgação)

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Praticamente todo brasileiro usuário de redes sociais está sabendo do caso Léo Lins. A notícia se espalhou e gerou intensos debates sobre liberdade de expressão. O humorista de 42 anos acabou de ser condenado a 8 anos e 3 meses de prisão em regime fechado e mais o pagamento de multa e indenização na casa de R$ 1,7 milhão. Seu crime? Piadas em um show de stand-up comedy em 2022 que foram compartilhadas na internet.

Algumas dessas piadas são extremamente pesadas e realmente inapropriadas. Não compro a ideia de que o humor ou a arte não têm limites. Não cabe fazer piadas com pedofilia e Holocausto, por exemplo. Eu poderia conversar ou escrever aqui numa boa sobre algum tipo de consequência justa para esse tipo de discurso. Mas “justiça” é exatamente o que falta nesse caso e em nosso país. Dia após dia somos testemunhas de excessos ideológicos de parte do nosso Judiciário.

Mesmo que não se concorde com o humor de Léo Lins, devemos estar atentos para o grande perigo da abertura de precedentes. Se hoje são os humoristas, amanhã podem ser os pastores. Vejam alguns fatos dessa condenação: pena elevada em regime fechado, que pode ser comparada com crimes como tráfico de drogas e homicídio; uma lei de 2023 sendo usada para agravar a pena de um “crime” que ocorreu em 2022; pena agravada por conta de conteúdo compartilhado na internet; pena agravada por se tratar de ambiente de diversão ou recreação; e juíza falando em “racismo recreativo” e propagação de violência.

Imaginem essa mesma “Justiça” que sentenciou Léo Lins julgando discursos religiosos. Alguns casos já estão acontecendo

Ao contrário do que escreveram repetidamente em minha conta no Instagram, essa não é uma comparação direta entre um humorista e um pastor, ou entre as piadas de Léo Lins e o conteúdo de uma pregação. É um alerta para o método e argumentação para punir e calar, que hoje é utilizado contra um humorista e amanhã pode se levantar contra qualquer um, inclusive e principalmente contra aqueles que, como eu, sobem ao púlpito para pregar a Palavra de Deus.

Imaginem essa mesma “Justiça” que sentenciou Léo Lins julgando discursos religiosos. Alguns casos já estão acontecendo. Imaginem esse tipo elevado de pena para pregadores que consideram a homossexualidade um pecado, por exemplo. Imaginem a criação de novas leis para agravar discursos do passado. Imaginem se sua igreja compartilhou o conteúdo na internet. Imaginem se criam uma lei agravante por se tratar de ambiente religioso. Imaginem se juízes começam a falar em “homofobia religiosa” em suas sentenças… Só imaginem…

Minha publicação sobre o tema no Instagram foi invadida por muitos militantes que afirmavam claramente sonhar em ver pastores presos. Alguns disseram que todos os pastores deveriam ser presos e as igrejas, fechadas. Infelizmente, o post foi apagado pelo Instagram. Uma opinião sem qualquer discurso de ódio e que discordava expressamente das piadas de Lins foi silenciada sem explicações. Você acha que o perigo desse alerta não é real? Queria eu que realmente não fosse. Amanhã pode ser qualquer um de nós que falamos em público.

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Eu disse acima que não compro a ideia de que o humor ou arte não tem limites. Se Deus existe, tudo tem limites. Quando um Criador soberano e perfeito em verdade, bondade e beleza existe, então também existem um padrão e limites para o que é verdadeiro, bom e belo. C. S. Lewis trabalhou muito bem o argumento moral para a existência de Deus seguindo esse mesmo raciocínio. Para ele é perceptível a presença de um senso moral objetivo e universal na humanidade e isso não poderia surgir do acaso ou da evolução, apenas da presença de um ser divino moralmente perfeito.

O apóstolo Paulo rebateu a ideia de que existem esferas sem limites. Ao ouvir dos coríntios que “todas as coisas são lícitas”, ele respondeu que existem coisas que não convêm, que não edificam e que não podem nos dominar (1Cor 6,12; 10,23). A própria Bíblia afirma que existem coisas que não convém fazer, falar ou até mesmo pensar. Nem tudo é lícito.

Pois bem: se Deus existe, os limites existem. Minha moral cristã não me permite afirmar que se pode fazer piada com tudo, mas essa mesma moral também impõe limites ao Estado, ao Judiciário, ao uso de autoridade e à restrição de liberdade. Se Deus existe, existem limites para qualquer tipo de regime político, da monarquia à democracia. Se Deus existe, existe uma moral de equilíbrio entre os três poderes e uma moral para julgar crimes de maneira justa.

Léo Lins está longe de ser um santo ou exemplo para mim, mas, se continuarmos de olhos e bocas fechados, o Leviatã pode crescer demais, ao ponto de ficar impossível destruí-lo

Os cristãos precisam acordar para o que está acontecendo. A questão pode ir muito além de piadas. Precisamos nos informar, estudar e agir por meio de pressão popular, representação jurídica e parlamentar e voto mais consciente! Sim, perseguições existem e existirão. Em nome de Cristo, passamos por elas com perseverança e alegria, mas não como covardes calados que aceitam tudo o que vem de autoridades ímpias e injustas.

Léo Lins está longe de ser um santo ou exemplo para mim, mas, se continuarmos de olhos e bocas fechados, o Leviatã pode crescer demais, ao ponto de ficar impossível destruí-lo. Hoje foi um humorista, amanhã pode ser um pastor.

Pedro Pamplona é bacharel em Administração e mestre em Teologia Sistemática, pastor na Igreja Batista Filadélfia, em Fortaleza (CE), e professor de Teologia na Faculdade Internacional Cidade Viva.

Conteúdo editado por: Marcio Antonio Campos

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