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A deputada finlandesa Päivi Räsänen, em foto de 2015.
A deputada finlandesa Päivi Räsänen, em foto de 2015.| Foto: Markku Ojala/EPA/Finland Out

No último dia 30 de março, uma corte finlandesa decidiu em favor da liberdade de expressão religiosa da parlamentar Päivi Räsänen e do bispo luterano Juhana Pohjola. A decisão, unânime, após um processo que tomou conta de noticiários e mobilizou lideranças em vários países, resolveu que “não é de competência da jurisdição interpretar conceitos bíblicos”.

Conforme informações da Alliance Defending Freedom International (organização de advogados cristãos da qual somos advogados aliados), a promotoria ainda foi condenada ao pagamento de mais de 60 mil euros em custas judiciais.

A parlamentar finlandesa e ex-ministra do Interior Päivi Räsänen havia manifestado sua visão religiosa a respeito de casamento, sexualidade, ética e comportamento religioso, tanto em um livreto publicado em 2004 quanto em debates pelo rádio e pelo Twitter, no ano de 2019. Por causa disso, sofreu três processos criminais que a acusavam de “discurso de ódio”. Já o bispo Pohjola, líder da Missão Diocese Evangélica Luterana da Finlândia, foi acusado de subscrever o livreto de Päivi quando lançado.

Toda a linha argumentativa da acusação foi uma tentativa de ligar o cristianismo bíblico e histórico a uma espécie de fundamentalismo que autorizaria aberrações como estupros ou assassinatos “em nome da religião”

Esta situação se iniciou por causa de um tweet feito pela parlamentar durante o mês do orgulho gay em 2019, que contou com o apoio da Igreja Luterana estatal da Finlândia (um sínodo diferente daquele do bispo Pojhola, que pertence à conferência de Igrejas Luteranas Confessionais). Ela tirou uma foto da Bíblia aberta em Romanos, capítulo 1, versículos 24 a 27, expondo sua insatisfação com o apoio da igreja à parada gay. As investigações foram abertas e nelas ressurgiu o livreto escrito por ela em 2004, repercutido pelo bispo em sua diocese. Eles foram submetidos a longos interrogatórios policiais, com muitas perguntas a respeito de sua visão teológica e de entendimento de passagens das Escrituras.

Segundo as acusações feitas pelo Ministério Público finlandês, quaisquer ensino bíblico – mesmo no púlpito ou no ensino catedrático interno das igrejas – que fosse considerado discriminatório não poderia ser efetivado. “Assim considerados, quaisquer ensinos sobre casamento, sexualidade, pecado e graça relacionando os temas não poderiam ser pregados”, comentou o bispo Pohjola para o site da International Lutheran Council, agremiação de sínodos e dioceses luteranas em todo o mundo.

Uma das coisas que chamaram a atenção na ampla cobertura feita deste julgamento, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, foi a ferocidade dos argumentos da promotoria contra a parlamentar e o pastor luterano, e sua estratégia de trazer ao debate judicial elementos puramente teológicos. Os réus foram inquiridos sobre a natureza da Bíblia, chaves hermenêuticas (formas de interpretação das Escrituras) e até o entendimento do conceito de pecado! Isto tudo considerando o fato de que, na abertura da sessão de julgamento, a procuradora-geral Raija Toiviainen dissera que “a Bíblia não estava sendo julgada”; porém, toda a linha argumentativa da acusação era uma tentativa de ligar o cristianismo bíblico e histórico a uma espécie de fundamentalismo que autorizaria aberrações como estupros ou assassinatos “em nome da religião”, diz o bispo.

Após ouvir todas as partes, inclusive as declarações do bispo e da parlamentar de que, em sua visão, todos são iguais perante Deus e que não deve haver discriminação entre pessoas, mas que todos – homossexuais incluídos – devem buscar sua verdadeira identidade em Cristo, a promotoria finalizou sua argumentação dizendo que, na frase “ame o pecador e odeie o pecado”, a palavra “pecado” é ofensiva, pedindo a pena máxima para os réus: o equivalente a 120 dias da renda anual da parlamentar, 60 dias do bispo Pohjola e uma multa à Fundação Luterana, liderada por ele, no valor de 10 mil euros.

Houve grande apelo popular, com uma multidão diante do prédio da corte em Helsinki durante os dois dias de julgamento (24 de janeiro e 14 de fevereiro), acompanhando o desenrolar deste caso. Só na Hungria, mais de 3 mil pessoas se juntaram diante da embaixada finlandesa para protestar contra a situação, enquanto os argumentos finais eram ouvidos.

Por fim, o bom senso (ou a pressão social internacional) prevaleceu na corte, e a parlamentar e o bispo ganharam a ação. E o que isto mostra para nós, aqui no Brasil? Pelo menos duas coisas importantes.

Mesmo com um aparato legislativo apropriado, o Estado sempre tentará avançar para regular a fé

A primeira é que somente um povo que valoriza a religião poderá também valorizar a liberdade religiosa. Esta, mesmo sendo por aqui estruturante da ordem jurídica brasileira, a primeira das liberdades fundamentais, está sempre equilibrando-se de geração em geração de acordo com os sabores da sociedade e dos governantes. É imperioso que uma sociedade simpática ao fenômeno religioso esteja atenta a qualquer tentativa de suprimir a liberdade de expressão da fé, coisa que vimos muito fortemente por aqui durante a pandemia.

A segunda é que, mesmo com um aparato legislativo apropriado, o Estado sempre tentará avançar para regular a fé. Por isso, na democracia, o debate político não pode jamais olvidar o fato de que, para desgosto dos iluministas, a religião não enfraqueceu com o aumento das “luzes intelectuais”. Esta é uma situação empiricamente comprovada. Nunca fomos tão religiosos no mundo como hoje. A religião requer seu espaço na arena pública e tem contribuições definitivas para o debate a respeito do bem comum, da boa vida e da paz social. Que lembremos muito firmemente disso nos meses que se seguirão aqui no Brasil, pelas eleições à frente.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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