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TSE procurou organizações religiosas para promover pacificação social durante o período eleitoral.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Estamos às portas de mais uma campanha eleitoral, com o país extremamente polarizado. Além da guerra de visões políticas, que leva a confrontos de ideias – e muitas, muitas vezes, ataques ad hominem que tentam diminuir o oponente na falta de melhores argumentos –, vivemos o tal ambiente tóxico das táticas de desinformação, as famigeradas fake news.

Sabemos que esta luta encontra dificuldades de toda ordem. Seja pela proliferação de “observadores” da vida social usando plataformas até há pouco inexistentes, como as mídias sociais; seja pelo fato de que a sociedade como um todo está vivendo a transição para uma esfera onlife (aquele ambiente híbrido de realidade tanto física quanto virtual, ao mesmo tempo), e até mesmo do início da multiplicidade de realidades, o chamado metaverso.

Não nos enganemos: o ser humano tem uma corrupção inata em seu coração, e não depende de estruturas ou ambientes para que manifeste sua inclinação ao mal. O ambiente de desinformação começou, aliás, lá no Éden, quando a serpente disse a Eva que, se comessem do fruto da árvore no meio do Jardim, em vez de morrerem, seriam iguais a Deus (Gen 3,4-5).

Em justo tempo, o Judiciário convida a Religião (aqui no maiúsculo, em representação do fenômeno como um todo) para o diálogo institucional, num exemplo de laicidade colaborativa que pode servir para todo o mundo

O interessante é que, nos últimos tempos, os religiosos brasileiros começaram a ser disputados por todos os espectros e vertentes políticas. A razão? O mesmo despertamento da sociedade como um todo na era da informação também chegou aos templos, com a diferença de que lá (ao contrário do que muitos desavisados ou mal-intencionados pensam) os algoritmos tendem a ditar menos sobre o quê e como pensar do que a iluminação espiritual e sua interpretação por líderes que, em sua esmagadora maioria, dariam a vida por seus fiéis.

Ou seja, é um povo numeroso – a pensar nos evangélicos, por exemplo, que serão a maioria da população brasileira dentro da próxima década – informado por fontes de autoridade sobre sua vida (isso dá um medo enorme em muita gente) e que pauta seu dia a dia por valores transcendentes, trazendo propósito, senso de responsabilidade com o próximo, e a visão de um legado de fé e esperança para futuras gerações. Naturalmente, o mainstream político despertou para esta realidade social: não se pode mais deixar de trazer os religiosos à mesa dos adultos.

Neste passo, lembramos que, conforme dizemos em nossa obra A Laicidade Colaborativa Brasileira, é justamente importante que não apenas políticos em campanha, mas autoridades do Estado brasileiro lembrem que a Constituição ordena que o poder político dialogue com o poder religioso para a promoção do bem comum. E uma iniciativa que, esperamos, caminhe neste sentido é o chamamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a organizações religiosas para que, no próximo dia 6 de junho, firmem um pacto de cooperação chamado “Paz e tolerância nas eleições”.

Conforme o documento que vai ser assinado, as entidades manifestam o interesse de “promover, em prédicas, debates, declarações públicas, publicações ou por qualquer outro meio, ações de conscientização relacionadas com a tolerância política, a legitimação do pensamento divergente e a consequente exclusão da violência, como aspectos indispensáveis à preservação da paz social”. Busca-se com isso a construção de um ambiente fraterno, favorável e sadio para o desenvolvimento do processo eleitoral, podendo, inclusive, a seu critério, publicar materiais de esclarecimento produzidos pela Justiça Eleitoral.

Em meio a tantos debates difíceis e protagonistas absolutamente polarizados – diga-se de passagem, mesmo no Judiciário vemos as dificuldades quase intransponíveis, como já alertamos aqui na coluna sobre o difícil equilíbrio dos poderes –, uma iniciativa como esta pode (notem bem, pode) ser tida como um aceno para a pacificação. Dura coisa, porém, será concordar sobre o que efetivamente constituam fake news, que continuarão sendo um terreno nebuloso e de difícil parametrização, pois quem cria os parâmetros também pode estar enviesado.

Apenas celebramos o fato de que, diferentemente de outros tempos – inclusive tempos recentes, quando muitas autoridades simplesmente ignoraram e atropelaram o poder religioso na gestão da pandemia –, parece que, em justo tempo, o Judiciário convida a Religião (aqui no maiúsculo, em representação do fenômeno como um todo) para o diálogo institucional, num exemplo de laicidade colaborativa que pode servir para todo o mundo. Depende de todos seguirmos vigilantes; que, em vez de simplesmente ficar de fora jogando pedras, entremos no prédio e possamos expor valores, aqueles que tanto prezamos e queremos ver brilhar em nossa nação.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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