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Reportagem especial – Picassos Falsos, a história de uma lenda do rock brasileiro – Parte 3
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Rui Mendes
A trajetória do Picassos Falsos é cercada por dificuldades e recomeços

O fim da banda

Inexplicavelmente, após “Supercarioca”, o Picassos Falsos encontrou muitas dificuldades para lançar o seu terceiro álbum. “Um ano, mais ou menos, depois de lançar o disco, fomos dispensados pela nossa gravadora, a BMG/Ariola, antiga RCA. O primeiro LP teve duas músicas bem executadas. Com o reconhecimento que o ‘Supercarioca’ teve na época do seu lançamento, criou-se uma expectativa sobre o seu ‘sucesso’ comercial, que acabou não acontecendo. Só soubemos que a canção ‘O homem que não vendeu sua alma’ tinha uma execução considerável em Belo Horizonte, por exemplo, quando chegamos lá para um show. No Rio não tocou nada”, explica Gustavo.

De acordo com o vocalista, o processo de gravação do segundo álbum foi cercado de discussões com a gravadora. “Os diretores não queriam o disco da forma que foi feito e com o produtor que escolhemos, o Geraldo D’Arbilly, mas na base de muita conversa fomos conseguindo realizar a gravação. O certo é que a gravadora queria um LP que tivesse outra ‘Carne e osso’ ou outra ‘Quadrinhos’. Tinham os seus motivos”, explica.

A falta de visão da RCA foi inacreditável. Cegos ao fato de que estavam diante de uma pérola do rock nacional, ela se recusou a promover o disco. “Quando o ‘Supercarioca’ estava pronto, na hora de partir para a estrada, após alguns meses de seu lançamento, nos comunicaram que nada iriam fazer sobre o disco, nenhuma publicidade e nada em rádio. Sugeriram que gravássemos outro pois aquele havia morrido para a gravadora”, conta Humberto.

As dificuldades de inserir a sua música, original e com qualidade, em um mercado cada vez mais comercial, foi decisiva para o fim do grupo, segundo Humberto. “Para mim, particularmente, foi um baque. Deu uma desanimada. A própria banda começou, internamente, a duvidar se era aquele mesmo o caminho que deveríamos trilhar no nosso trabalho. Normal, todo grupo em um momento difícil tem as suas divisões. Poderíamos ter continuado, mas paramos. Eu mesmo pedi um tempo para ver o que era melhor fazer. Esse tempo acabou sendo um pouco longo e cada um seguiu seu caminho”, relembra.

Esse foi um dos primeiros exemplos do poder da indústria fonográfica brasileira que, usando o seu lado “gatekeeper”, fez uma leitura, de forma comercial, decidindo o que as pessoas gostariam de consumir, naquele momento. “Gatekeeper” é um personagem da teoria jornalística que decide o que as pessoas vão ouvir, quais serão as notícias que irão ao ar enfim, o selecionador de conteúdo. “Costumo dizer que surfamos a última onda do que ficou conhecido como ‘rock Brasil’. Na nossa época os sertanejos e o ‘pagode paulista’começaram a aparecer e dominar o mercado. Não procuramos outra gravadora e não fomos procurados”, relembra Gustavo.

A volta do Picassos Falsos

Após essa parada, cada um seguiu o seu caminho. Gustavo, por exemplo, gravou com vários artistas, entre eles Marina Lima, Dulce Quental e Leoni. Humberto lançou um disco solo, em 1995, chamado “Humberto Effe”.

Em 2001 o grupo retomou as suas atividades, para alegria dos velhos fãs e da boa música nacional. O terceiro álbum de estúdio, chamado “Novo mundo”, foi lançado em 2004. Gustavo revela que a química entre os músicos ainda existia e que isso foi essencial para essa volta.“Voltamos porque adoramos tocar juntos. Eu adoro o CD. Acho que ele representa muito bem a trajetória da banda”, afirma. “Gosto muito deste disco. Infelizmente foi muito mal trabalhado e muito mal distribuído”, lamenta Humberto.

Segundo o vocalista, grandes nomes da música brasileira estavam voltando à ativa e as pessoas sempre perguntavam sobre uma possível reunião do Picassos. “No final dos anos 90, houve um certo revival dos 80. Estávamos sempre sendo questionados do porque não fazíamos um show, pelo menos, ou porque a banda não voltava, e isso começou a nos influenciar”, explica Humberto.

A volta, na visão do grupo, não teria sentido se fosse somente para tocar as músicas antigas. A intenção era compor e lançar um material novo, dando continuidade ao ciclo que foi quebrado após “Supercarioca”, em 1988. “Não queríamos ficar presos ao que havia sido feito, então pensamos que a volta só valeria a pena com um novo trabalho, com personalidade própria, e que desse um passo além do que já tinha sido lançado”, define Humberto.

A repercussão entre a mídia e com os fãs foi animadora. Ter de volta uma banda que, com apenas 2 discos, tinha uma carreira tão consistente, criou uma grande expectativa entre o público e os críticos. “Sempre fomos super respeitados pela imprensa. Acho impressionante isso, nem sei se merecemos tanto. Fizemos alguns shows e o disco foi bem recebido pela imprensa”, explica Humberto.

O grupo tocou no TIM Festival, em 2004, ao lado de grandes nomes da música underground, como o PJ Harvey e o Primal Scream de Bobby Gillespie, ex-baterista do Jesus and Mary Chain. “Fizemos um show desastroso no TIM Festival. Desastroso não pelo show em si, mas pela completa falta de planejamento em como nos colocar em um festival desse porte”, explica Humberto.

Além do disco novo, a banda criou o projeto “Hipercariocas”, que era uma celebração da canção do Rio de Janeiro. Nele, o Picassos tocava músicas de compositores como Paulo da Portela, João Donato, Chico Buarque e João Nogueira.

Apesar de toda a expectativa em torno da esperada volta da banda, mais uma vez, o destino conspirou contra o grupo. As mudanças que o mundo estava sofrendo com a influência, cada vez maior, da internet, foram determinantes nessa nova parada. “O mercado não estava muito aquecido, o golpe nas multinacionais tinha sido forte. As pessoas não estavam entendendo, como entendem hoje, a alternativa que a internet oferecia. Enfim, nós nos encontramos mais uma vez sem uma estrutura empresarial que nos suportasse. A Psicotrônica, gravadora que o nosso produtor Beni Borja havia montado naquela época, ainda tentou cuidar da parte empresarial, vendendo shows, mas não foi muito à frente”, explica Gustavo.

Novamente, o Picassos teve de lidar com a frustração de um novo hiato em sua carreira. “Exatamente como em 1989, depois da expectativa do lançamento de mais um disco que nos consumiu quase dois anos de trabalho duro, depois de boa aceitação , os shows escasseavam. Cada um de nós estava envolvido com os seus outros projetos, musicais ou não. Fomos, gradualmente, nos afastando do projeto da banda. Humberto ainda fez alguns shows dele e, em dado momento, nos juntamos e eu o ajudei a conceber um show em duo, que também rendeu muito, artisticamente falando, mas a banda hibernou”, relembra Gustavo.

Apesar de terem de enfrentar esses contratempos, eles tinham a certeza de que essa “tempestade” passaria. “Diferente da primeira vez, nesse momento nós não oficializamos o fim do Picassos. Sabíamos que era questão de tempo uma nova reunião”, lembra Gustavo.

A influência da banda na música brasileira

O legado musical do Picassos Falsos é uma referência forte para boa parte das bandas brasileiras, até hoje. A originalidade e criatividade que o grupo sempre mostrou em seus discos ainda serve como base para quem transita pelo rock nacional, atualmente. “Sempre soubemos, ou suspeitamos, que havia um bom trabalho ali. Quando eu comecei a viajar, alguns anos depois, tocando com vários artistas, tive a impressão, em alguns lugares, de que a banda era querida e tinha alguma influência sobre o trabalho de um ou outro artista mais jovem”, explica Gustavo.

A Nação Zumbi, o nome mais importante da chamada “Mangue beat” surgida em Recife nos anos 1990, incorporou certos elementos da música do Picassos Falsos na sua música. “Em 1994, quando eu estava gravando o primeiro trabalho solo do Toni Platão, (ex-vocalista do Hojerizah), no estúdio ‘Nas nuvens’, eu estive com o Chico Science e o Lucio Maia na gravação do primeiro disco deles. Eles ficaram muito surpresos e confessaram que eram fãs do Picassos. Em 1998 eu passei alguns dias em Recife e conheci os meninos do Devotos do ódio, do tal Alto José do Pinho, e lá eu vi que éramos adorados e representávamos um certa referência para algumas bandas”, relembra Gustavo.

Hoje o rock nacional está mais aberto à influências, dos mais variados estilos. Nos anos 1980 e 1990, existia uma certa divisão entre os gêneros rock e MPB. Humberto Effe acredita que essa separação entre estilos está, finalmente, ficando para trás. “O rock nacional está inserido em uma situação fantástica e extremamente rica chamada música brasileira. A música no Brasil vive, hoje, um dos seus melhores momentos. É gente nova fazendo samba, rock, pop, funk, blues, etc. Finalmente acabaram com aquela idiotice de separar o que era passado e o que era novo, em nossa música. Ficou tudo a mesma coisa, não existe tradição nem modernidade, existe a música brasileira”, explica.

Confira as músicas “Presidente Vargas” e “Rua do desequilíbrio”, postadas pelo guitarrista Gustavo Corsi em seu canal no Youtube.

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