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S. Matthew Liao
S. Matthew Liao defende alterar geneticamente seres humanos para combater o aquecimento global.| Foto: Reprodução/Redes Sociais/S. Matthew Liao

Um dia desses, navegando pela internet, acabei chegando a um vídeo que começou muito interessante, mas que terminou de forma tenebrosa. Era uma palestra ministrada no evento “TED at New York City”, em 2013, há exatos 10 anos. O palestrante traz consigo uma credencial muito sólida. Ele se chama S. Matthew Liao. Em sua biografia, ele é descrito como um filósofo americano especializado em bioética e ética normativa. Sua área de atuação é ampla, envolvendo pesquisas em diversas áreas, como direitos das crianças, direitos humanos, novas tecnologias reprodutivas, neuroética e ética da inteligência artificial. Ele já trabalhou nas universidades de Oxford, Johns Hopkins, Georgetown e Princeton. Hoje ele é professor do departamento de filosofia da Universidade de Nova York, ocupando uma cátedra de bioética e atuando como diretor do Centro de Bioética da instituição.

Ele abriu a referida palestra afirmando que as alterações climáticas são um dos maiores problemas que enfrentamos hoje. Os argumentos em favor dessa opinião seriam as consequências preocupantes do aumento da temperatura global. Entre elas, segundo ele, milhões poderiam sofrer doenças causadas pela fome, e inundações costeiras poderiam destruir por completo cidades litorâneas. Para tornar o tema ainda mais urgente e tenso, ele afirmou que já podemos estar além do ponto sem retorno. Lembrando que a palestra foi realizada 10 anos atrás. Então hoje a situação seria ainda mais preocupante.

Matthew Liao propôs uma alternativa para a questão climática ainda mais distópica: em vez da geoengenharia, a engenharia humana.

E qual seriam as soluções para isso, caso ainda haja um caminho possível? Foi neste ponto que ele atraiu minha atenção, uma vez que iniciou a resposta fazendo uma crítica a uma estranha solução proposta por alguns cientistas e magnatas da tecnologia. Para estes, o único caminho possível seria a geoengenharia. O palestrante recusou essa ideia, argumentando que isso envolveria realizar uma manipulação do planeta em grande escala, como a pulverização de aerossóis na camada de ozônio, a fim de aumentar a refletividade do planeta ao escurecer a atmosfera.

Liao recusou essa opção, defendendo que a geoengenharia seria uma opção muito arriscada. E nunca tentamos essas tecnologias em tão larga escala, afirmou o professor, dizendo que o procedimento poderia acabar destruindo toda a camada de ozônio. Neste ponto, eu estava radiante, uma vez que concordo plenamente que a geoengenharia seria algo por demais arriscado e extremo. Na verdade, em julho deste ano, escrevi um artigo aqui na Gazeta do Povo em que criticava exatamente essa ideia. O texto se chama “Bill Gates quer implementar o cenário do filme Matrix para salvar o mundo”.

Me pergunto: seria justificado fazer uma engenharia humana por causa de apenas 18% das emissões?

Porém, para minha surpresa, Matthew Liao propôs uma alternativa para a questão climática que soou (pelo menos para mim) ainda mais distópica: em vez da geoengenharia, a engenharia humana. O caminho envolveria a modificação biomédica de seres humanos. Mas qual seria a relação disso com o aquecimento global?

Ele iniciou sua argumentação trazendo um dado: 18% das emissões de gases do efeito de estufa seriam provenientes das explorações pecuárias, ou seja, da criação de gado. Detalhe: eu fiquei muito curioso sobre qual seria a origem dos outros 82% desses gases. Me pergunto: seria justificado fazer uma engenharia humana por causa de apenas 18% das emissões? Creio que não resolveria. Voltaremos a essa questão daqui a pouco.

Seguindo a linha de argumentação de Liao, partindo da ideia de que a produção e o consumo de carne contribuem com 18% de emissão dos gases do efeito estufa, ele defendeu que, se comermos menos carne, poderíamos reduzir significativamente essas emissões. Isso porque, se todos deixassem de comer carne, não haveria quem criasse o boi.

O professor continuou a palestra dizendo que algumas pessoas estariam realmente dispostas a comer menos carne, mas lhes faltaria a força de vontade para isso. E é exatamente aqui que entra a solução proposta por ele: a engenharia humana poderia ajudar. Um curioso detalhe foi que, no momento em que ele disse isso, a plateia riu. Não entendi muito bem o motivo da risada. Não sei se foi por achar a ideia ridícula ou pela mera surpresa ao escutar o argumento.

Em seguida, ele defendeu que, assim como algumas pessoas são naturalmente intolerantes ao leite ou a frutos do mar (como é o caso do próprio professor Liao, segundo revelou na palestra), seria possível induzir artificialmente uma intolerância leve do corpo humano à carne. Aqui houve outra curiosidade: neste momento, depois da risada anterior, a plateia aplaudiu.

Não entendi muito bem o motivo da risada. Não sei se foi por achar a ideia ridícula ou pela mera surpresa ao escutar o argumento.

O professor Liao então defendeu que, ao estimular nosso sistema imunológico contra a proteína do boi, seria possível superar a aversão que muitos têm a comer alimentos ecológicos e “amigáveis”. E como seria criada essa “aversão” do corpo contra a proteína da carne bovina? Uma das soluções seria utilizar “adesivos de carne”, semelhantes aos famosos adesivos de nicotina. Segundo ele, as pessoas poderiam, por exemplo, usar esses adesivos antes de sair para jantar, para reduzir o entusiasmo de comer carne.

Fiquei na dúvida se a plateia realmente gostou da solução apresentada ou se eles estavam rindo de nervoso. Porém, há alguns problemas que poderíamos apontar nesta proposta apresentada na palestra. Primeiro é o fato de que isso resolveria, em tese, apenas 18% do problema. Segundo, é importante lembrar que, conforme comentei em outro artigo escrito em julho deste ano, o próprio Bill Gates já encontrou uma solução mais simples para a emissão de gases pelos bois. Ele está investindo milhões numa empresa australiana que insere uma alga na ração do gado, reduzindo, assim, em até 80% a gente emissão de gases. Mas parece que o sistema está determinado a ignorar essa opção.

Sempre a mesma história, e sempre o mesmo argumento: colocar o prejuízo dos poderosos na conta do indivíduo.

Cabe lembrar também que, segundo a United States Enviromental Protection Agency, o gás do efeito estufa mais prevalente é o dióxido de carbono (CO2), emitido não pelos bois, mas pelo consumo de combustíveis fósseis e processos industriais, respondendo por 65% das emissões globais.

E qual seria o país que mais emite esse tipo de poluidor? Vou apresentar aquele que está em 2º lugar: os Estados Unidos, correspondendo com 15% das emissões mundiais. Fica a lição para a atual gestão norte-americana, que se apresenta como defensora do meio ambiente mas que continua em 2º lugar nas emissões.

Uma dica sobre o 1º colocado: ele emite o dobro dos EUA, contribuindo com 30% de todas as emissões mundiais. Por que então não pedir encarecidamente para que o “dragão do Oriente” reduza suas emissões? Não seria mais fácil pedir ao Dragão (30%), aos EUA (15%), à Europa (9%), à Índia (7%), à Rússia (5%) e ao Japão (4%) que reduzissem suas emissões? Não seria melhor isso do que realizar uma engenharia genética para resolver apenas 18% do problema?

Veja que os países listados acima contribuem, juntos, com 70% das emissões globais de CO2. Mas eles querem colocar o problema na conta do indivíduo que come uma picanha no fim de semana. Sempre a mesma história, e sempre o mesmo argumento: colocar o prejuízo dos poderosos na conta do indivíduo.

E você, o que achou dessa ideia do professor Liao? Deixe sua opinião nos comentários.

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