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Danilo de Almeida Martins

Danilo de Almeida Martins

Anistia seletiva

A anistia é só para nascituros de esquerda?

Ato pela anistia na Praça da Sé, em São Paulo, 08/09/1979. (Foto: Ennco Beanns/Arquivo Publico do Estado de SP/Agência Senado)

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No próximo domingo, 7 de setembro, milhares de pessoas irão às ruas para pedir a anistia aos presos políticos do dia 08/01. Do outro lado, em suas casas, outra parcela da sociedade continuará torcendo para que os “golpistas” daquele fatídico dia não sejam anistiados.

Seja de direita ou de esquerda, muitos desconhecem a curiosa história de dois nascituros que já foram anistiados no Brasil.

Conforme noticiado em vários meios de comunicação, em 1972, João Carlos de Almeida Grabois estava no ventre de sua mãe, Criméia Alice Schmidt, quando esta foi presa e torturada pelo regime militar em São Paulo. Em 2007, a Comissão Estadual de Ex-Presos Políticos de São Paulo reconheceu que as torturas e sevícias sofridas por ela na cadeia se estenderam ao feto, concedendo-lhe o direito à indenização em seu valor máximo, de R$ 39.000,00.

No processo, em um trecho do parecer do representante do CREMESP, o médico consignou que: “Entendo que o fruto do concepto de sete meses de gestação deve ser reconhecido como preso político da ditadura militar e pelas torturas sofridas no período de sua vida intraútero, que lhe resultaram transtornos psicológicos”.

Naquele mesmo ano, a Comissão de Reparação do Estado no Rio de Janeiro reconheceu que outro nascituro também foi vítima de tortura durante a ditadura militar e concedeu indenização a Lucas Pamplona Amorim, que, em 1975, estava na barriga de sua mãe, Vitória Pamplona, quando esta foi submetida à tortura psicológica.

Segundo reportagens da época, a mãe foi obrigada a ouvir os gritos de seu então marido, o músico Geraldo Azevedo, enquanto ele era torturado. Neste processo, também se fez constar o laudo do médico legal da OAB, que afirmou: “É imperioso admitir que o senhor Lucas Pamplona Amorim (...) sofreu consequências neuropsíquicas do tipo estresse, que a ele se transmitiu diretamente pela circulação materno-fetal”.

Trata-se de situações abomináveis. Infligir tortura a dois seres indefesos é repugnante, e a anistia e a indenização monetária a eles, a nosso ver, foi realmente devida.

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O que não conseguimos compreender é ver que os mesmos que hoje bradam contra a anistia, ontem foram beneficiados ou viram seus heróis (e seus filhos) serem favorecidos por esta benesse legal

Entretanto, em razão do 08/01, bebês e crianças também sofreram com a ausência de seus pais. Relatos de adoecimentos frequentes, crises de ansiedade extrema, terror noturno e distúrbios do sono entre os filhos dos presos já são de conhecimento público, conforme noticiado aqui na Gazeta.

Há, inclusive, o caso de Rieny Munhoz Marcula Teixeira. Sua história é bastante similar às narradas no início deste artigo. Grávida, ela foi condenada a 17 anos de prisão pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Embora amado por sua mãe, seu filho teve o infortúnio de ser gerado no ventre de uma simples dona de casa que foi alçada a um inexistente “foro por prerrogativa de função” e que, por isso, foi julgada em única e última instância pelo STF, ou seja, não teve direito a recurso, benefício assegurado a qualquer traficante ou assassino em nosso país.

Por uma desventura do destino, essa criança veio ao mundo gestada por uma mãe que foi condenada em um processo iniciado por um esdrúxulo inquérito aberto por um tribunal, por uma denúncia que não descreveu a conduta de sua mãe, em que seus advogados não tiveram acesso aos autos, dentre outros inúmeros direitos processuais suprimidos, tudo em nome de uma suposta defesa do “Estado Democrático de Direito”.

Sua mãe, uma mulher que recebia Bolsa Família e Auxílio Gás, foi considerada culpada por (inacreditavelmente) ter financiado os atos do 8 de Janeiro.

Seu útero, berço de paz e de vida para seu bebê, certamente foi impactado pelo sentimento de angústia e pelas incertezas que esta mãe enfrentou ao sofrer tamanha injustiça. Não há quem, em sã consciência e livre de influências ideológicas, possa dizer que isso não afetará essa pobre criança.

Resta agora a pergunta: um dia seu bebê será indenizado por este absurdo que ele passou, ou a anistia será somente devida a nascituros do espectro político da esquerda, se é que os bebês sabem o que isso venha a ser.

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