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Almoço de domingo
| Foto: Felipe Lima

À mesa como convém, cada um tem suas manias. Um cerimonioso jantar no sábado à noite, com tudo o que um jantar de sábado à noite exige. Da cor do vinho à cor da gravata. Uma feijoada sabática, com toda a descontração que o feijão pede. Do calor dos amigos de sempre às calorias imprescindíveis, acompanhadas de muito colesterol in natura.

À mesa, como convém, voto no almoço de domingo como imbatível. Mania desde os tempos dos domingueiros almoços na casa da nonna. Macarrão, maionese e carne assada na panela com molho ferrugem. E vinho. No almoço de domingo em casa, churrascos à parte, camarão, bacalhau, carneiro, leitão ou uma reedição do macarrão da nonna, tanto faz. Importa é o planejamento ao longo da semana.

Domingo à mesa do restaurante, duas típicas opções, das tantas que Curitiba serve. Uma, o sagrado almoço de domingo em Santa Felicidade, incomparável para zerar o QI. Até porque existe uma velha teoria segundo a qual em Santa Felicidade existe uma só cozinha. Uma descomunal cozinha que abastece todos os restaurantes, interligados por inimagináveis dutos subterrâneos.

Outra opção é o almoço de domingo nas velhas e tradicionais churrascarias. Pra encontrar amigos com quem não cruzamos desde o século passado, é batata! Maionese, tomate, feijão-cavalo, cebola, pão, filé e basta. Agora, se você perguntar onde está a graça desse cardápio, também não sei. São coisas que só Curitiba enruste, como diz Paulinho Vítola.

Existe uma velha teoria segundo a qual em Santa Felicidade existe uma só cozinha, descomunal, que abastece todos os restaurantes, interligados por inimagináveis dutos subterrâneos

Inigualável é o almoço de domingo na casa da sogra. Adivinhando pensamentos, concordo que a questão é controvertida. Há os que antes preferem até morrer de tédio, almoçando rúcula e tomate seco num restaurante de hotel. E há os que já negociaram uma anistia ampla, geral e irrestrita, em território adverso.

Foi o caso do consagrado arquiteto Edson Klotz. O primeiro almoço de domingo na casa da namorada foi uma catástrofe. Ainda desprevenido, não sabia da lei seca. De beber, apenas gengibirra Cini. Era uma família de curitibanos ortodoxos.

No segundo almoço de domingo, a namorada sentiu a saia-justa e tratou de amenizar o desconforto. Foi aberto um precedente e os curitibanos ortodoxos serviram cerveja da Brahma, fabricada ali no bairro Rebouças. Uma só garrafa, quase morna.

Na terceira oportunidade, nosso arquiteto – com quase dois metros de altura e coração na mesma medida – arquitetou um plano audacioso para este decisivo almoço de domingo. Chegou com jeito de pouca fome e, aparentando submissão às regras do jogo, serviu-se de um copo de gengibirra Cini, pois o verão tinha caído naquele domingo. Com a mesa posta, quando todos se dirigiam aos lugares marcados, o robusto e sedento namorado solicitou licença para apanhar qualquer coisa no carro estacionado na calçada em frente.

Edson Klotz retornou abraçado a um engradado de cervejas estupidamente geladas. Acomodou as brahmas curitibanas ao lado de sua cadeira, sacou de um copo catarina e, cheio de razão, bebeu o primeiro de tantos goles.

Pediu para passar a salada e foram felizes nos domingos seguintes.

Curitiba tem muitos donos

Os três mosqueteiros do antigo Bar Palácio da Rua Barão do Rio Branco: Adriano, Isaltino e Mosart. Foto: Arquivo 
Os três mosqueteiros do antigo Bar Palácio da Rua Barão do Rio Branco: Adriano, Isaltino e Mosart. Foto: Arquivo 

Assim como Isaac Lazzarotto era o dono do Vagão do Armistício; Ernesto Zancheta era em 1913 o dono do Restaurante do Grande Hotel Moderno; Walter Lusting era dono do Bar Paraná; Amatuzzi, o dono do Bar Mignon; Rudi Blum era o dono do Bar Triângulo; Ivo Pschra era o dono do Rei das Batidas; Dino Chiumento, o dono eterno do Bar Stuart (agora do Nelson Ferri); Ligeirinho sempre será o dono do Bar Ligeirinho; Hans Egon Breyer era o dono do Restaurante Nino; os irmãos Assis comandavam o Helvetia; Germano Kundy era o dono da Churrascaria Cruzeiro; a Churrascaria do Darci era do Odarci Bonatto; João de Pasquale era o dono do Passeio Público; Ervin Ofner era o dono da Churrascaria Ervin; Dona Elza Engelhardt era a alma da Confeitaria América; Nero Caruso era o dono da receita da vera empada; Ingeborg Rust era a senhora do Hummel Hummel do Largo da Ordem; Leonardo (Onha) Werzbitzki era donatário da grande feijoada do restaurante Embaixador; João Hermínio Simas era o dono do Costelão do Catarina; Leopoldo Mehl era o dono da Confeitaria Iguaçu; Victor Schiochet, dono do Bar do Vítor, tinha um mar interior na Mateus Leme; Irineu Mazzarotto, o Queixinho, mandava e desmandava no Bar Botafogo das Mercês; Giovanni Muffone, o dono da Baviera; Émile Décock, o dono do Île de France; Erminia Calicetti, a dona do Bologna; Flora Madalosso, a dona do maior restaurante do mundo; Plácido e Juscelino eram os “donos” do insubstituível Restaurante Rio Branco; e os três mosqueteiros Mosart, Isaltino e Adriano eram os donos virtuais do Bar Palácio.

Isaltino Adriano de Souza, que também foi dono de fato e de direito do restaurante Tortuga, faleceu em 13 de outubro passado. Deixa saudades para quase três gerações de amigos e fregueses.

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