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Arte: Felipe Lima
Arte: Felipe Lima| Foto:

“Nunca se mente tanto como antes das eleições, durante uma guerra e depois de uma caçada”, diz a clássica frase de Otto von Bismarck. Bilhete a um candidato é uma clássica crônica de Rubem Braga, escrita em outubro de 1956. Assim como a máxima do chanceler alemão, perfeitamente válida aos milhares de candidatos desta e das próximas eleições. Parafraseando o texto original, vou baldear a situação para o Paraná, como se o escritor capixaba estivesse a ouvir um de nossos candidatos.

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“Olhe aqui, Rubem. Para ser eleito eu preciso, digamos, de 50 mil votos. Só lá no Norte, Londrina, Maringá e adjacências, eu tenho, no mínimo, mas no mínimo mesmo, 20 mil votos certos; vamos botar mais 15 mil votos no Norte Velho. Cinco mil só em Jacarezinho, contando com o apoio do Reinaldo Bessa. Do povo pé-vermelho aqui em Curitiba, calculando com o máximo de pessimismo, tenho mais 600. Aí já estão mais de 30 mil. O escritor Nilson Monteiro, que guarda Londrina inteira na agenda, há de concordar comigo. Não é mesmo, Domingos Pellegrini?”

“Entre colegas e companheiros de repartição, contei, seguros, 200; vamos dizer, 100. Naquela fábrica dos meus amigos rotarianos lá na Cidade Industrial, você sabe, eu estou com tudo na mão, porque tenho o apoio por baixo e por cima, inclusive dos sindicalistas; pelo menos 6 mil votos certos, mas vamos dizer cinco”.

“Na Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais minha sogra é uma potência, porque essas coisas de igreja e caridade tudo lá é com ela. Vou herdar os votos do Frei Miguel. Quer saber de uma coisa? Só na Vila eu já teria minha eleição garantida, mas vamos botar modestamente: 15 mil. Aí já estão, contando miseravelmente, mi-se-ra-vel-men-te, 50 mil votos. Agora você calcule: Dr. Carlinhos da Caximba, sabe que ele é o médico dos necessitados, é um sujeito que se quisesse entrar na política acabava senador só com os votos da periferia; e é todo meu, batata, cem por cento, vai me dar pelo menos mil votos. Você veja, pô, que eu estou eleito sem contar mais nada, sem falar no pessoal da Água Verde, sem empregadas domésticas, nem professoras primárias, que só aí, só de professoras, vai ser um chuá, você sabe que minha mãe e minha tia são diretoras de escola, barbada. Agora bote taxistas, aposentados, a turma da pelada e a colônia do Sudoeste – sabia que o meu pai é de Pato Branco e amigo de infância do Alceni Guerra? –, e ainda conto com os meus parceiros de tripla nacionalidade em Foz do Iguaçu!”

“E os centros de umbanda? Sabe quantos umbandistas tem só no Cajuru e Jardim das Américas? Mais de 20 mil! E nesse setor nem tem graça, o papai aqui está sozinho! No Terreiro do Pai Maneco, pergunta pra Lucilia Guimarães: sou o candidato de Iemanjá!”

“Fora disso, quanta coisa! E o eleitorado independente? No Bar Stuart, o Nelson Ferri fechou comigo. E não falei no meu bairro, poxa, não falei do Batel. No Bar do Toninho, só não ganho do torresminho da casa. Você precisa ver como é lá em casa, o telefone não para de tocar, todo mundo pedindo cédula, cédula, até sujeitos que eu não vejo em Miami há mais de dez anos. E a turma das caminhadas no Parque Barigui? O Carneiro Neto garante que só lá tenho pelo menos 100 votos. E na Boca Maldita? Tenho o aval do Mazza e do Mazzinha. E o reduto da professora Cassiana Lacerda, no Bigorrilho? Os garçons de Santa Felicidade… Olhe, meu filho, estou convencido de que fiz uma grande besteira: devia ter saído era para senador!”

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Uma semana antes das eleições, Rubem Braga encontrou o todo vibrante candidato. Cercado de amigos, deu um abraço no cronista e o apresentou ao pessoal: “Este aqui é meu, de cabresto!”

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Quando estavam sendo apuradas as urnas, Rubem Braga mandou o bilhete:
“Meu caro candidato: Você deve ter notado que na minha seção eleitoral você não teve nenhum voto. Palavra de honra que eu ia votar em você; levei sua cédula no bolso. Mas você estava tão garantido que preferi ajudar outro amigo com o meu votinho. Foi o diabo. Tenho a impressão de que os outros eleitores pensaram a mesma coisa.

Se você chegar a 300 votos, pode se consolar, que muitos outros terão muito menos do que isso. Sabe de uma coisa? Acho que esse negócio de voto secreto no fundo é uma indecência, só serve para ensinar o eleitor a mentir: a eleição é uma grande farsa, pois se o cidadão não pode assumir a responsabilidade de seu próprio voto, de sua opinião pessoal, que porcaria de República é essa?”

“Quer saber de uma coisa com toda a franqueza? Foi melhor assim. Melhor para você. Este nosso Congresso Nacional não era mesmo um lugar para um sujeito decente como você! É superdesmoralizado. Pense um pouco e me dará razão. Seu, de cabresto, o Rubem.”

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Vivendo, lendo e, principalmente, aprendendo com Rubem Braga, o “sabiá da crônica”.

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