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A dama de março
| Foto: Felipe Lima

Se existia alguma dúvida de que Curitiba é feminina, a bipolaridade desse verão metido a macho que vai nos deixar – deixando para trás a leveza das saias, decotes imaginativos e um desfile casual de trajes invernais – nos convenceu da semelhança entre as cidades e as mulheres, tese defendida por Jaime Lerner e Luís Fernando Verissimo.

Talvez tenha sido um sopro edipiano que tenha inspirado Lerner e Verissimo, sendo os dois confessadamente apaixonados pelas cidades que lhes serviram de útero: Curitiba e Porto Alegre. Paixões que ambos repartem com Paris e Nova York, suas amantes de longa data.

Especialmente Jaime Lerner, hoje com meia família residindo em Nova York, quando estudante de arquitetura em Paris conheceu, ainda bem jovem, a fêmea com as curvas sensuais do Sena: “Paris é chique, uma mulher sempre vestida para um casamento. Nova York é uma mulher toda tatuada”.

Um forasteiro diria que Curitiba, assim como uma mulher, tem seus altos e baixos

Verissimo lembra que na Bíblia temos duas personagens marcadamente femininas: Babilônia, a grande prostituta, “vestida de linho fino, de púrpura, de escarlate e adornada com ouro e pedras preciosas e pérolas”, cujos pecados se acumularam até o céu e provocaram sua destruição, e Jerusalém, a “mulher do Cordeiro” que desce do céu, “como uma esposa ataviada para seu marido”, no advir dos novos tempos.

Um forasteiro diria que Curitiba, assim como uma mulher, tem seus altos e baixos. Para quem a estranha, é uma fêmea que sofre de transtorno bipolar em dobro, com um temperamento que oscila entre quatro estações num mesmo dia. Ela amanhece ensolarada sobrando euforia na paisagem. Por volta do meio-dia, nota-se que o céu escurece, sopra o vento sul e um velado mau humor toma conta das ruas. Em seguida, sol e chuva casamento de viúva. E toda aquela euforia do início da manhã escorre para o inferno das calçadas. O sol aqui e ali nos acena entre uma nuvem e outra, mas falta-lhe disposição para o chá das cinco. Com a luminosidade difusa, este inferno emocional só tende a piorar no início da noite, quando a bruma maliciosa convida ao leito.

Pecadora e virtuosa, Curitiba é a madame do Batel de cinta-liga, com sapatos sujos de lama da periferia. É uma bela balzaquiana com topete de colegial em busca da eterna fonte da juventude. Mulher de temperamento oscilante, criatura imprevisível. E só ela tem o poder de se transformar em um único dia. É a própria metamorfose ambulante: forte e feliz, é uma polaquinha pela manhã; frágil e dengosa, é uma nissei no meio do dia; nostálgica e carente, é a italianinha no meio da tarde; amada e assustadora ao anoitecer, é a loura fantasma a rondar a cidade; é a mãe zelosa que recomenda ao filho no seu primeiro dia de trabalho: “Tenha modos e no caminho não fale com estranhos!” As mocinhas da cidade são alunas do “Colégio Caça Marido” que, nos dias de chuvarada, na volta pra casa fazem fila para pular as pocinhas d’água.

É o fim do verão, são os dias de março para festejar esta Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, muito propriamente a mãe padroeira. Fogos e festas para a Dama de Março, neste Dia Internacional da Mulher, 8 de março. Filho amado de dona Terezinha, o prefeito Rafael Greca bem poderia abrir as comemorações de aniversário da cidade, em 29 de março, passando em revista nossas ruas com nomes de mulheres. A começar pela Rua Maria Nicolas (no Sítio Cercado), nome da educadora, pintora e escritora, que nos deixou um livro para ter Curitiba na palma da mão: Alma das ruas.

Conteúdo editado por:Marcio Antonio Campos
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