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Jéssica Sant’Ana, correspondente em Brasília

O governo Jair Bolsonaro (PSL) dá início nesta semana à temporada de concessões na área de infraestrutura. Serão leiloados 23 aeroportos, portos e trecho ferroviário até a primeira semana de abril, com previsão de atrair R$ 7 bilhões em investimentos ao longo do tempo de concessão e arrecadar, no mínimo, R$ 3,5 bilhões em outorgas (valores arredondados). Será o primeiro teste do governo na área, que prepara um pacote ainda mais ambicioso de leilões para atrair investimentos privados e destravar o setor de infraestrutura.

O coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, afirma que o leilão dos primeiros 12 aeroportos será a linha de frente dessa nova temporada de concessões. Principalmente porque testará uma nova modelagem, em que os terminais serão leiloados em blocos, e não mais individualmente.

Mas o governo também realizará leilões de áreas portuárias para garantir ou ampliar as operações de portos já existentes e concederá, ainda, um trecho da ferrovia Norte-Sul. Esse leilão é o que vem levantando mais polêmica até aqui, com até pedido de suspensão do certame. Confira mais detalhes sobre os leilões previstos:

Leilão de aeroportos testará modelagem inédita no Brasil
A primeira rodada de leilões acontece nesta sexta-feira (15). Serão vendidos 12 aeroportos localizados nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. As empresas interessadas deverão se comprometer a administrar os terminais durante 30 anos; a investir ao longo desse tempo R$ 3,5 bilhões em melhorias; e a pagar, no mínimo, R$ 219 milhões à vista para arrematar os ativos (valor de outorga), totalizando R$ 2,1 bilhões de outorga ao longo da concessão. Os valores englobam os 12 aeroportos.

A grande novidade desse leilão é que ele será feito em blocos e as empresas interessadas poderão adquirir mais de um. São três blocos postos no leilão: Sudeste, que engloba os aeroportos de Vitória (ES) e Macaé (RJ); Centro-Oeste, que abrange os terminais de Cuiabá, Sinop, Rondonópolis e Alta Floresta, todos em Mato Grosso; e Nordeste, composto pelos aeroportos de Recife (PE), Maceió (AL), Aracaju (SE), Juazeiro do Norte (CE), João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba.

Não será possível comprar a concessão de um único aeroporto. Os investidores terão de levar o bloco inteiro. Cada bloco tem um aeroporto bastante rentável e outros menos rentáveis. Esse modelo foi escolhido pelo governo para fazer com que a União consiga vender aeroportos pouco atrativos, ou seja, aqueles que têm baixa demanda de passageiros.

A intenção do atual governo é conceder à iniciativa privada todos os aeroportos públicos até 2022.  Cláudio Frischtak, sócio fundador da Inter.B Consultoria, especialista em infraestrutura, avalia o modelo em bloco como o mais acertado para atingir esse objetivo.

“A modelagem de concessão dos aeroportos saiu de medíocre na época da Dilma [Rousseff] para boa na época do [governo] Temer e para modelagem ainda melhor que é esta que o governo vai licitar agora”, diz Frischtak. “A razão principal disso é que a Infraero não terá nenhum aeroporto após as concessões. E mesmo se a gente fosse deixar algum aeroporto não relevante para a Infraero [administrar], esses aeroportos ficariam degradados, já que a Infraero não tem mais capacidade de investimento”, completa.

O especialista diz que espera de oito a dez concorrentes para o leilão de aeroportos, na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo. Os envelopes serão abertos na sexta-feira e levará o bloco quem ofertar o maior ágio sobre o valor mínimo de outorga a ser pago à vista.

No caso bloco Nordeste, o valor mínimo de outorga (lance inicial) será de R$ 171 milhões, à vista. O valor total de outorga, que inclui o montante à vista mais o que será pago ao longo da concessão, será de R$ 1,7 bilhão. O investimento esperado em melhorias para os aeroportos do bloco é R$ 2,153 bilhões ao longo de 30 anos.

Para os aeroportos do Sudeste, o valor mínimo de outorga à vista será de R$ 47 milhões, sendo o total ao longo da concessão de R$ 435 milhões. O investimento estimado é de R$ 592 milhões para todo o bloco. Já no caso do Centro-Oeste, o lance mínimo à vista será R$ 800 mil e a outorga total será de R$ 9 milhões. O investimento estimado é de R$ 771 milhões.

Frischtak espera que todos os blocos atraiam interessados. O Nordeste, puxado pelo aeroporto de Recife (PE), é o mais atrativo, seguido do Sudeste, puxado pelo terminal de Vitória (ES). Os aeroportos do Centro-Oeste são os menos atrativos, mas ainda assim devem atrair interessados, avalia o sócio da InterB.

“Eu não preocuparia com ausência [de competidores]. Nós temos um mercado muito atraente. Temos um potencial de turismo enorme e como somos um país de território muito grande, o uso do avião se tornou um imperativo”, diz Frischtak.

Já Resende não se surpreenderia caso o leilão bloco do Centro-Oeste acabe vaizo. Ele diz que os aeroportos do bloco Sudeste são atrativos por si só e que no bloco Nordeste há um terminal muito atrativo, que é o de Recife, que vai puxar o interesse dos operadores. “Já no Centro-Oeste eu não estou vendo um aeroporto que possa carregar os outros.”

10 áreas portuárias serão leiloadas até abril 
Uma segunda etapa da temporada de concessões será o leilão de dez terminais portuários, a ser feito em duas partes. Primeiro, serão leiloados em 22 de março o arrendamento de quatro áreas. Dessas, três estão no Porto de Cabedelo, na Paraíba, administrado pela Companhia Docas da Paraíba. O objetivo é atrair R$ 71,5 milhões em investimento ao longo dos 25 anos de concessão. As áreas já são operadas pela Petrobras, Transpetro e Raízen, que devem renovar o contrato de arrendamento através do leilão. O valor de outorga será simbólico, de R$ 1.

A quarta área é em Porto de Vitória (ES). Trata-se de uma área greenfield, ou seja, nova, sem estrutura física já montada. A área será arrendada por 25 anos e tem aproximadamente 74 mil metros quadrados. É dedicada à movimentação de granéis líquidos (combustíveis). A previsão de investimento para levantar o terminal é de R$ 128 milhões. Vencerá quem oferecer o maior valor de outorga, que começará em R$ 1.

O segundo leilão de portos acontecerá em 5 de abril. Serão cinco áreas portuárias Belém e uma em Vila do Conde, todas no Pará e destinadas à movimentação e armazenamento de combustíveis. Os investimentos previstos nos seis terminais ao longo do tempo de concessão são de R$ 430 milhões. O valor mínimo de outorga começará em R$ 1,00.

O governo diz que o valor inicial de outorga simbólico se justifica pela intenção de viabilizar investimentos privados na área, e “não na acumulação de recursos no caixa da União”. O valor de outorga fica com a União.

Frischtak explica que a opção se dá pela própria característica do setor portuário, que além de ter muita oferta de áreas para serem arrendadas, tratam-se, na maioria dos casos, de espaço públicos que já eram operados por empresas privadas que buscam através do leilão renovar seus contratos. Ou, ainda, de espaços pequenos que só interessam para quem já está atuando no porto. Resende acrescenta que o valor de outorga de R$ 1 é também para garantir “continuidade dos serviços, sem risco de ruptura”.

Ferrovia Norte-Sul: a grande polêmica do leilão 
A grande polêmica da temporada de concessões do governo Bolsonaro será o leilão da ferrovia Norte-Sul, agendado para 28 de março. A ideia do governo é leiloar um trecho de 1.537 quilômetros da ferrovia, que vai da cidade de Estrela d’Oeste (SP) a Porto Nacional (TO). O lance mínimo será de R$ 1,353 bilhão. O vencedor terá de se comprometer a investir R$ 2,8 bilhões ao longo dos 30 anos de concessão.

O problema é que alguns especialistas na área dizem que o edital favorece as atuais operadoras ferroviárias da Norte-Sul, a Rumo e a VLI (empresa de logística criada pela Vale e que tem a mineradora como sua acionista). O Ministério Público Federal chegou a pedir a suspensão do certame, mas não foi atendido.

O trecho que será leiloado não tem acesso direito ao mar. Então, quem conseguir a concessão, terá que necessariamente usar outros dois trechos para chegar até as áreas portuárias. Esses dois trechos são operados pela Rumo e VLI. E para usar esses trechos da Rumo e VLI, é preciso o chamado “direito de passagem”, que é a permissão para que uma outra operadora ferroviária utilize um trecho ferroviário que não está sob sua administração.

O edital garante o direito de passagem pelos cinco primeiros anos, mas depois deixa a questão em aberto, já que os próprios contratos com a Rumo e a VLI serão ainda renegociados pelo governo. Com isso, investidores estrangeiros estão desistindo de participar do certame, já que não têm a segurança jurídica de que terão o direito de passagem ao longo dos 30 anos de concessão. É o caso da empresa russa RZD.

“Para que investidores ou operadores ferroviários, não ligados à Vale ou à Rumo, tenham interesse em participar do leilão, seria necessário oferecer garantias de que os trens da Norte-Sul poderiam trafegar por essas ferrovias. Ninguém em sã consciência irá gastar quase R$ 3 bilhões em locomotivas e vagões [R$ 2,8 bilhões] e mais de um bilhão de reais em valor de outorga para ficar com seus trens confinados dentro da Norte-Sul, sem poder chegar aos portos”, escreveu o economista Gil Castello Branco, da Associação Contas Abertas, em artigo publicado n’O Globo, no fim de fevereiro.

O MPF também questionou o “motivo de a contratação não prever transporte de passageiros na exploração da ferrovia”, e sim somente de cargas. Argumentação que foi endossada nas redes sociais pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveiro, do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), que pediu que a licitação seja revista “urgentemente”.

Também no Twitter, o ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, se defendeu das críticas. “Houve muito cuidado na elaboração desse edital. Não é fácil modelar algo que está entre duas concessões existentes”, escreveu em 5 de março ao ser questionado se o edital favoreceria a Vale.

Fato é que dificilmente teremos uma terceira interessada nesse leilão da Norte-Sul. Resende, porém, não vê isso como um problema, pela própria complexidade na ferrovia, criada na década de 1990 principalmente para atender o setor do agronegócio e até hoje não concluída.

“Quem tem capacidade verdadeiramente de assumir uma Norte-Sul com todos os desafios que a Norte-Sul apresenta? Quem já opera a logística de agronegócio no Brasil. Russos, chineses teriam imensas dificuldades [para operar, caso disputassem e vencessem o leilão]. Para eles [entrar no Brasil], precisam de greenfield [áreas novas, para erguer do zero] e menores, como o projeto da Ferrogrão”, diz o professor da FDC.

Leilões já estavam agendados 
Os leilões que acontecem agora em março já estavam agendados desde novembro do ano passado, no final do governo Temer. O mérito do governo Bolsonaro foi dar continuidade aos certames. O atual ministro de Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, participou, inclusive, da elaboração dos editais, já que era secretário da Coordenação de Projetos da Secretaria Especial do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) no governo Temer. O PPI é o responsável pelo coordenar o programa de concessões.

Agora, o objetivo do governo Bolsonaro é acelerar ainda mais a agenda de concessões após essas rodadas de março e abril. Uma intenção é leiloar todos os 42 aeroportos que ainda vão restar nas mãos do governo até o fim de 2022.

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