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Moraes autorizou ontem (18) que Bolsonaro faça uma cirurgia, mas negou sua prisão domiciliar. Moraes está certo? Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro pediram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele deixe as dependências da Polícia Federal (PF) para fazer uma cirurgia e cumprir sua pena em regime de prisão domiciliar humanitária, tudo o mais rápido possível. O pedido se apoiou em laudos médicos que apontaram um quadro de saúde fragilizado, com diagnóstico de uma hérnia inguinal bilateral e necessidade de cirurgia.
O ministro Alexandre de Moraes não confiou nos laudos de médicos reconhecidos, ou então decidiu prolongar o sofrimento de Bolsonaro – deixo para você escolher em qual alternativa acredita. Determinou que a PF realizasse uma perícia médica no ex-presidente para avaliar se era mesmo necessária a cirurgia. Para a surpresa de absolutamente ninguém, a perícia da PF confirmou a necessidade de cirurgia “o mais breve possível”.
Da mesma forma como o ex-presidente tem direito de realizar a cirurgia, ele tem o direito de cumprir o restante de sua pena em casa. O ponto central do debate não é político, mas jurídico – ou pelo menos deveria ser
O direito fundamental à saúde do preso não é relativizado pela prisão. Assim, deve prevalecer sobre o desejo de vingança do ministro. O Estado brasileiro não pode submeter o preso a risco desnecessário, nem negar tratamento médico adequado. Por isso, até Moraes permitiu a cirurgia... espera-se apenas que isso possa ocorrer com a rapidez necessária, negligenciada no caso de Clezão.
A autorização para a cirurgia era esperada. A dúvida que pairava era se Moraes daria a prisão domiciliar a Bolsonaro. Da mesma forma como o ex-presidente tem direito de realizar a cirurgia, ele tem o direito de cumprir o restante de sua pena em casa. O ponto central do debate não é político, mas jurídico – ou pelo menos deveria ser. E há precedentes.
A prisão domiciliar por motivo de saúde está prevista na legislação brasileira e pode ser concedida quando dois requisitos são atendidos: a comprovação de doença grave e a incapacidade do sistema prisional de oferecer tratamento adequado. O primeiro requisito está cabalmente comprovado pelos mencionados laudos médicos e pericial.
E o sistema prisional é capaz de dar a Bolsonaro o tratamento adequado? A PF informou que, em caso de emergência, Bolsonaro seria atendido por ambulância do SAMU. Ou seja, médicos não especializados e que não conhecem o histórico de um quadro complexo, que já exigiu nada menos do que sete cirurgias desde que sofreu a facada.
Moraes argumentou ainda que a prisão é mais perto do hospital particular em que ele recebe atendimentos emergenciais do que a sua casa, e que as condições de tratamento de saúde na prisão são similares àquela de seu endereço residencial. Contudo, não precisa ser expert para compreender que os cuidados em casa, inclusive por terceiros (familiares, enfermeiros, médicos), serão maiores e melhores do que os da prisão, e que um eventual deslocamento emergencial será mais rápido e menos burocrático.
Há muitos precedentes. O próprio ministro Alexandre de Moraes já concedeu a prisão domiciliar em casos anteriores. No do ex-presidente Fernando Collor de Mello, por exemplo, Moraes concedeu a prisão domiciliar, afirmando que “a compatibilização entre a dignidade da pessoa humana, o direito à saúde e a efetividade da Justiça Penal indica a possibilidade de concessão da prisão domiciliar humanitária”.
O mesmo direito foi reconhecido pela Justiça no caso de “Lalau”, juiz condenado por desvios em escândalo bilionário do TRT de São Paulo. As situações eram menos graves do que a de Bolsonaro. Nenhum deles tinha passado por sete cirurgias e tinha crises gástrico-intestinais e de soluço constantes. Importante frisar: prisão domiciliar humanitária não é privilégio, mas um direito previsto em lei quando preenchidos os requisitos legais.
Contudo, Moraes resolveu negar a prisão domiciliar humanitária de Bolsonaro. O argumento principal é o suposto descumprimento de cautelares e indícios de fuga, mas justamente por isso que se trata de “prisão” domiciliar, com rastreamento eletrônico e monitoramento. Moraes mistura alhos com bugalhos e contraria seus próprios precedentes para negar o direito de Bolsonaro.
Muito se falava nos bastidores de Brasília que Moraes mandaria o ex-presidente para prisão domiciliar após uma breve estadia nas dependências da Polícia Federal. Essa decisão de Moraes joga uma pá de cal na esperança de que Bolsonaro possa ser tratado com isenção. Inclusive, houve um certo recuo nas críticas ao STF, sob o argumento de que isso influenciaria diretamente o resultado do pedido de prisão domiciliar. Não deu certo. Moraes segue, livremente, seu projeto de eliminar Bolsonaro da vida política brasileira.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




