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Cinco diferenças entre a Lava Jato e os julgamentos do 8 de janeiro
| Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF.

A operação Lava Jato completa 10 anos em 17 de março, enquanto que, nesta última segunda-feira, os atos do 8 de janeiro fizeram seu aniversário de um ano, o qual foi inclusive comemorado na “Democracia Inabalada”, uma festa petista disfarçada de institucionalizada, em que sobraram críticas até para o ex-presidente Bolsonaro. 

Ouvi algumas pessoas comparando os abusos do STF nos casos do 8 de janeiro, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, a supostos excessos da Lava Jato, que tramitou em grande medida na primeira instância. E aí: a Lava Jato foi o berço, o ovo da serpente, dos abusos do Judiciário? 

Abaixo, comparo a Lava Jato e o 8 de janeiro em cinco pontos essenciais:

1) Respeito ao sistema acusatório: a Constituição Federal brasileira, ao prever a garantia do devido processo legal (art. 5º, LIV) consagrou o sistema acusatório, o que significa dizer que há uma separação entre as funções de investigar e de julgar, a primeira cabendo à polícia e ao Ministério Público e a segunda ao juiz.

Na Lava Jato essa garantia sempre foi observada: a Polícia Federal investigava e cumpria diligências investigativas e medidas cautelares, o Ministério Público investigava e oferecia denúncias (acusações formais) e o juiz julgava, com ampla possibilidade de recursos contra todos os atos do juiz, que eram rapidamente analisados, confirmados ou revertidos pelas instâncias superiores. 

Após a Vaza Jato, surgiu uma narrativa de um suposto “conluio” entre juiz e Ministério Público, que é desmentida pelas evidências. O juiz Sergio Moro absolveu mais de 20% dos acusados e o Ministério Público recorreu de 44 dentre 45 sentenças. Centenas de pedidos das defesas foram deferidos e os do Ministério Público, indeferidos. Por fim, tudo foi revisado completamente pelo Tribunal e nunca houve alegações de suposto conluio em relação àquela Corte, que confirmou a imensa maioria das decisões e condenações.

Os julgamentos do 8 de janeiro, por outro lado, estão viciados por sucessivas violações do princípio acusatório e do devido processo legal: o inquérito dos atos antidemocráticos foi aberto de ofício pelo Supremo, sem distribuição, sem objeto claro e para investigar fatos indeterminados, e prosseguiu com o relator, ministro Alexandre de Moraes, tomando decisões unilaterais de ofício, muitas vezes a requerimento apenas da Polícia Federal e ignorando à PGR, que inclusive pediu o arquivamento do inquérito, mas foi atropelada por Moraes, que o mantém aberto até hoje. 

Todas essas ilegalidades praticadas pelo Supremo não ocorreram na Lava Jato e os investigados e réus sequer têm para quem recorrer. Se tivessem, os casos do 8 de janeiro seguramente seriam anulados pelos tribunais.

2) Respeito aos advogados: durante toda a Lava Jato, advogados sempre tiveram acesso aos autos das investigações e processos de seus clientes, exceto quando havia a necessidade de manutenção de sigilo para não prejudicar as investigações. Advogados também sempre foram recebidos pela equipe de procuradores da força-tarefa e pelo juiz da causa, sem quaisquer ressalvas.

Nos julgamentos do 8 de janeiro, há inúmeros relatos de advogados que não têm acesso aos autos e às provas e que não conseguem ser recebidos pelos ministros do Supremo. Para citar apenas um exemplo, neste artigo sobre a morte de Clezão mostro como seus advogados afirmaram em várias manifestações ao STF que não tiveram acesso a nenhum elemento de prova, seja documento, foto ou vídeo, que comprovasse as acusações feitas contra ele.

Depois das primeiras sessões presenciais, em que ministros como Alexandre de Moraes ironizaram advogados, o STF mudou o regimento interno para jogar o restante de todos os julgamentos para o plenário virtual, fulminando o direito dos advogados e dos réus à ampla defesa por meio de sustentações orais no Plenário da corte. Recentemente, viralizou o vídeo em que o presidente da seccional de Minas Gerais, da OAB, critica os abusos do STF na frente do presidente do Supremo e é ovacionado.

3) Prisões preventivas e proporcionalidade das penas: na Lava Jato, prisões preventivas foram decretadas contra políticos poderosos, grandes empresários e doleiros que tinham provas robustas contra si de cometimento de crimes e que demonstraram risco concreto às investigações - tinham contas milionárias no exterior, haviam destruído documentos ou intimidado testemunhas ou representavam risco de fuga, para citar alguns exemplos. 

No 8 de janeiro, as prisões preventivas foram decretadas de forma genérica pelo ministro Alexandre de Moraes contra donas de casa, pedreiros, garçons, motoboys - cidadãos comuns, pessoas simples. Moraes alega de modo vago e especulativo que é necessário prender para garantir a ordem pública e por riscos de interferência nas investigações. 

Há pelo menos 32 presos sem denúncia há um ano, o que indica que não há elementos mínimos de prova para sustentar nem uma denúncia e nem uma prisão preventiva. O prazo legal para a apresentação de denúncia para réus presos é rigorosamente de um mês e 10 dias, o qual sempre foi respeitado pela Lava Jato.

No total, 65 pessoas estão presas há mais de um ano pelo 8 de janeiro. Na Lava Jato, réus presos eram denunciados no prazo legal, tinham prioridade no julgamento e em menos de um ano tinham seus casos concluídos com a publicação da sentença, seja condenatória ou de absolvição.

Todas essas ilegalidades praticadas pelo Supremo não ocorreram na Lava Jato e os investigados e réus sequer têm para quem recorrer

As penas para os crimes de 8 de janeiro também estão sendo decretadas em patamares desproporcionais, de 14 a 17 anos de prisão, superior a penas dadas a corruptos no Mensalão ou a homicidas. São superiores, inclusive, à primeira pena decretada por Moro contra Lula pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro envolvendo dezenas de milhões de reais, de 9 anos e seis meses de prisão, depois aumentada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região para 12 anos e um mês de prisão.

4) Respeito ao juiz natural: a Lava Jato foi um caso distribuído livremente na Justiça Federal do Paraná ao então juiz Sérgio Moro, e cuidava, no início, de crimes de lavagem de dinheiro cometidos em Londrina. Com o aprofundamento das investigações, descobriu-se o esquema do Petrolão e a competência de Curitiba, na primeira instância, foi definida pelo Supremo e referendada diversas vezes por todos os tribunais superiores, até que o STF mudasse de entendimento anos depois. 

Anulações de casos da Lava Jato em razão de competência são culpa exclusiva da mudança de regras pelo STF e da aplicação das novas regras ao passado, algo que mina qualquer ideia de segurança jurídica que se possa ter. Os procuradores e juízes da operação simplesmente seguiram o entendimento vigente da época das investigações.

Por outro lado, os réus do 8 de janeiro não tiveram as garantias do juiz natural respeitadas em nenhum momento: Moraes foi escolhido relator dos casos a dedo pela ministra Rosa Weber, então presidente do tribunal. Os réus do 8 de janeiro são pessoas sem foro privilegiado, de modo que o STF não tem competência para julgá-los. 

O STF justifica sua competência dizendo que os casos têm conexão com o de parlamentares investigados pela corte, mas, nas centenas de denúncias protocoladas até hoje pela PGR, não há um único nome ou indicação de parlamentar envolvido que pudesse justificar a competência do STF. Além disso, o entendimento do Supremo recente, aplicado em incontáveis casos da Lava Jato, foi no sentido de desmembrar as ações e mandar para a primeira instância o processamento dos réus sem foro privilegiado. 

Nesta semana, a Folha de S. Paulo revelou, inclusive, que o ministro Alexandre de Moraes está se utilizando de investigações contra deputados federais arquivadas pela PGR para manter os casos do 8 de janeiro no STF. Não só essas investigações contra deputados foram arquivadas, como nenhum deles foi denunciado pelos atos de 8 de janeiro.

5) Parcialidade do juiz, impedimento e suspeição: em toda a Lava Jato, o único caso em que foi reconhecida a parcialidade do juiz Sergio Moro foi em relação às ações penais contra Lula e, mesmo assim, por uma maioria apertada no Supremo, com os ministros Fachin e Barroso apresentando votos duros e bem fundamentados que mostravam que a alegação lulista de parcialidade não era verdadeira.

Nos casos do 8 de janeiro há uma situação ainda pior: o ministro Alexandre de Moraes, como os demais ministros do Supremo, se consideram vítimas dos atos daquele dia. Alexandre de Moraes, inclusive, revelou semana passada um suposto plano dos manifestantes para matá-lo, o que agrava ainda mais sua condição de vítima. Nessa condição, o ministro estaria automaticamente impedido de julgar todos os casos do 8 de janeiro. O fato de que não só julgou como é o relator de todos os processos é suficiente para gerar a nulidade imediata dos julgamentos.

Conclusão: por qualquer ótica que se adote, não há linha de continuidade entre supostos excessos da Lava Jato, que não passam de narrativas, e os abusos reais do STF no 8 de janeiro. A comparação entre os casos não se sustenta, mas, ao mesmo tempo, revela a hipocrisia dos autodesignados garantistas. 

Se os “garantistas” atacavam, de modo indevido, a Lava Jato, com base em narrativas de supostos abusos, por que silenciam diante dos abusos escancarados do STF? A verdade veio à tona e é uma só: grande parte daqueles que criticavam a Lava Jato nunca estiveram preocupados com direitos fundamentais. Eles o faziam por conveniência, seja para proteger seus políticos de estimação, seja para ganhar fortunas defendendo, na imprensa ou nos tribunais, réus de colarinho branco.

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