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Moraes vê razões para a prisão de Bolsonaro. Sim, é isso mesmo. Tecnicamente. O ministro Alexandre de Moraes, na decisão da última sexta-feira, viu razões para a prisão de Jair Bolsonaro. Ah, Deltan, mas ele impôs medidas cautelares diversas da prisão! Sim, mas os seus pressupostos são idênticos: prova da existência do crime, indícios de autoria e algum tipo de risco para a sociedade decorrente da liberdade do investigado ou réu.
E mais: segundo a lei, quando descumpridas as cautelares diversas da prisão, o juiz fica autorizado a decretar a prisão. E esse é o ponto que se discute agora: Bolsonaro descumpriu as cautelares? Moraes converterá as medidas diversas da prisão decretadas contra Bolsonaro em prisão preventiva? Nesse caso, como se posicionarão os demais ministros? O que aconteceu nos últimos dias é um prenúncio de como vão se posicionar.
A decisão de Moraes na sexta foi surpreendente. Não que houvesse alguma surpresa de que Moraes iria, em algum momento, fazer isso. Ela é surpreendente por outra razão: sua pobre fundamentação. E isso não passou despercebido pelo ministro Luiz Fux, que trucidou, ponto a ponto, em cinco frentes, a argumentação frágil da decisão que impunha medidas restritivas contra um ex-presidente, num processo penal já bastante conturbado por violações sucessivas de regras legais e constitucionais.
A questão que importa para Moraes é: qual é o melhor momento político, de opinião pública, eleitoral e estratégico, para jogar Bolsonaro na prisão
1) Para Alexandre de Moraes, sancionado pelos Estados Unidos por violação de direitos humanos, as ações de Eduardo Bolsonaro naquele país, apoiadas por seu pai, constituem crimes de atentado à soberania, coação no curso do processo e obstrução da investigação de organização criminosa. As provas seriam as postagens em redes sociais em que relatam buscar ou agradecem o apoio americano. Para Fux, só caberia falar em interferência no Poder Judiciário se este não tivesse sua independência garantida na Constituição.
Fux não usa essas palavras, mas trata as elucubrações de Moraes como um crime impossível. O ministro não explora isso, mas tudo que pai e filho fazem são exercício de um direito, da ampla defesa, de petição e de manifestação. Pedir sanções contra violações de direitos humanos é algo impunível porque não viola o direito, que não sanciona o exercício regular de direito. Do contrário, ditadores poderiam punir quem denuncia seus crimes fora do seu país.
2) Alexandre de Moraes alega risco de fuga de Bolsonaro, mas sem indicar fatos ou provas que embasem sua ilação. A decretação da prisão preventiva exige “fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”. Fux contra-ataca dizendo que Bolsonaro tem “domicílio certo e passaporte retido”. Além disso, “a PF e a PGR não apresentaram provas novas e concretas nos autos de qualquer tentativa de fuga empreendida ou planejada pelo ex-presidente”.
3) Moraes aplica uma série de medidas cautelares contra Bolsonaro. A única com fundamentação específica é a busca e apreensão: o objetivo seria coletar provas de uma atuação concertada entre Jair e Eduardo Bolsonaro. Contudo, na mesma decisão, contraditoriamente, Moraes diz expressamente que isso já está comprovado: “as ações de Jair Messias Bolsonaro demonstram que o réu está atuando dolosa e conscientemente de forma ilícita, conjuntamente com seu filho (...)”. As outras cautelares não têm qualquer fundamentação expressa na decisão, como a proibição de falar com investigados, inclusive o filho, de usar redes sociais ou de falar com embaixadores.
Fux entendeu que a amplitude das medidas impostas “restringe desproporcionalmente direitos fundamentais (...) sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares”. Diz ainda que é “indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida”. É vergonhoso que precise ser dito a um ministro do STF que ele não fundamentou sua decisão, uma exigência elementar prevista na Constituição.
4) Alexandre de Moraes impôs a Bolsonaro a esdrúxula proibição de usar redes sociais, prejudicando sua capacidade de atuar na política e mobilizar seus apoiadores, inclusive nas eleições vindouras. Para Fux, a imposição “confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão”. Falou em “censura estatal”, recorrendo a uma decisão do ex-ministro Celso de Mello.
5) Por fim, Fux afirma, que diante da fragilidade dos fundamentos das medidas impostas, “a decisão pode se revestir de ‘julgamento antecipado’”. Ou seja, as penas de Bolsonaro que deveriam ser aplicadas, se cabíveis, ao fim do processo, estão sendo indevidamente antecipadas. Fux poderia ter ido além e escancarado o prejulgamento. Alexandre de Moraes claramente prejulga Bolsonaro, antecipando sua condenação, algo que escancara - ainda mais - a sua parcialidade e, consequentemente, seu impedimento.
Veja-se este trecho da decisão de Moraes: “não há, portanto, qualquer dúvida sobre a materialidade e autoria dos delitos praticados por JAIR MESSIAS BOLSONARO no curso na AP 2668, onde pretende, tanto por declarações e publicações, quanto por meio de induzimento, instigação e auxílio - inclusive financeiro - a EDUARDO NANTES BOLSONARO, o espúrio término da análise de sua responsabilidade penal”. Ora, se “não há qualquer dúvida”, se não há espaço para defesa, argumentos ou provas, para que julgamento? Que se coloque logo o réu na prisão.
Faltam razões ou fundamentos para a decisão de Moraes. Contudo, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, na frase atribuída a Blaise Pascal. As razões de Moraes parecem passar longe da Constituição, das leis, das provas e dos fatos. E o que fará agora? Decretará a prisão de Bolsonaro? Pela lei, ele estaria autorizado a fazê-lo. Contudo, o jogo de Moraes é político e a fundamentação, como vimos, é um detalhe.
A questão que importa para Moraes é: qual é o melhor momento político, de opinião pública, eleitoral e estratégico, para jogar Bolsonaro na prisão. A turma de Moraes no Supremo tem respaldado cegamente o ministro em suas decisões antibolsonaristas. No caso da decisão de sexta, o endosso à decisão de Moraes aconteceu por um placar de 4 contra 1, vencido Fux. O posicionamento dos ministros é um prenúncio de como se posicionarão se Moraes decidir decretar a prisão de Bolsonaro pelo descumprimento das medidas cautelares.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos




