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Eu fui caçado
| Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

O Tribunal Superior Eleitoral cassou meu mandato ilegalmente e anulou 350 mil votos, a maior votação do Paraná. A decisão viola a lei, a Constituição e sobretudo a democracia. O TSE ofendeu o que há de mais sagrado na democracia, que é a liberdade do povo para determinar o seu destino e promover as mudanças que quer por meio da escolha dos seus representantes.

A lei é clara e objetiva: só há inelegibilidade quando o membro do Ministério Público sai do órgão na pendência de um processo disciplinar. Existia algum processo disciplinar quando saí? Não. Os fatos são evidentes, comprovados e indisputáveis: não existia nenhum processo. Logo, era elegível.

Uma enxurrada de decisões de tribunais fluem unânimes no sentido de que regras de inelegibilidade, por restringirem direitos políticos de votar e de ser votado, não podem ser interpretadas de modo elastecido ou expandido. Devem ser interpretadas de modo restritivo.

E foi exatamente o que fez o TSE: criou uma nova hipótese de inelegibilidade imaginária para me cassar, ou como li em uma matéria na imprensa, criou um multiverso. E fez isso com base em uma quádrupla especulação: de que saí do Ministério Público porque supostamente eu previ que alguma reclamação contra mim possivelmente se converteria em processo disciplinar, que algum processo disciplinar possivelmente resultaria em condenação e que alguma condenação possivelmente seria a uma pena de demissão.

Os fatos são evidentes, comprovados e indisputáveis: não existia nenhum processo. Logo, era elegível

Assim, a cassação foi um malabarismo jurídico de leitura mental, adivinhação e futurologia combinadas. É como se alguém fosse punido por um crime que se especula que vá cometer ou, pior ainda, como se alguém fosse punido antecipadamente por conta de uma futura e incerta acusação, condenação e pena específica que poderia vir a sofrer.

Os corruptos da Lava Jato que desviaram bilhões tiveram uma presunção de inocência elastecida que lhes garante até hoje a impunidade. Contudo, quem combateu a corrupção recebe dos tribunais uma presunção de culpa.

Há uma total inversão de valores: diversos acusados de corrupção na Lava Jato seguem com mandato: Aécio Neves, Beto Richa, Lula e dezenas de políticos com os mais variados apelidos nas listas da Odebrecht. O destino de quem combateu a corrupção é o oposto.

Com efeito, no governo de Lula, que pessoalmente prometeu vingança aos agentes da Lava Jato, quem combateu a corrupção é implacavelmente caçado e cassado. A mensagem do sistema de corrupção é clara para promotores e juízes: nunca mais ousem combater a corrupção em nosso país.

É esse o Brasil que queremos? Como disse o salmista, “até quando os maus continuarão alegres? Até quando se mostrarão orgulhosos e se gabarão dos seus crimes?” Esse é o Brasil que estamos construindo e deixaremos para os nossos filhos, o mesmo de quatrocentos anos atrás quando Padre Antonio Vieira dizia que os verdadeiros ladrões do Brasil, os governantes, roubavam e enforcavam?

Os corruptos da Lava Jato que desviaram bilhões tiveram uma presunção de inocência elastecida que lhes garante até hoje a impunidade. Contudo, quem combateu a corrupção recebe dos tribunais uma presunção de culpa

Para o TSE, a minha saída do Ministério Público caracterizaria uma fraude à lei. Contudo, a decisão do TSE é que fraudou a lei, a Constituição e a soberania popular, ferindo a democracia e anulando 345 mil votos. A decisão sequestra nossa liberdade de escolher, de mudar e de transformar o país.

De fato, o maior poder da nação é o povo - “todo poder emana do povo”, nas palavras da Constituição. E o poder do povo é o poder do voto. O voto é o poder de autodeterminação de um povo. O voto é o poder de o povo escolher o seu destino. O voto é a porta da transformação numa democracia. Fechar a porta do voto é fechar as portas da democracia.

É muito perigoso quando donos do poder se sobrepõem à vontade popular sem embasamento claro na Constituição e nas leis. Os tribunais não devem, parafraseando o Rei Luís XIV, afirmar “eu sou a Constituição”, “eu sou a lei”, “eu sou o Estado”. Num Estado Democrático de Direito, a soberania é do povo e é expressada na Constituição, na lei e no voto, que devem ser reverentemente respeitados.

No ano eleitoral, o TSE fez ampla campanha para que as pessoas votassem, ressaltando o poder do voto e defendendo as urnas eletrônicas como garantidoras da validade do voto. Contudo, o próprio TSE agora anula resultados das urnas em todos os 399 municípios paranaenses nos quais tive votos, o que é muito grave e passa a mensagem de que o voto não tem valor.

O meu maior medo é a perda da fé na democracia - e o erro não é de quem critica decisões injustas, mas de quem as emite. Num país em que as instituições já têm sua credibilidade corroída, a anulação ilegítima de votos gera dois efeitos perversos e preocupantes: ou a pessoa fica descrente na política e desiste de exercer sua cidadania, ou então recorre a ideias e caminhos extremistas.

É preciso resgatar a institucionalidade e a força do Direito onde o que tem valido é o direito da força. Miguel Reale Júnior, que sempre foi crítico a mim e à Lava Jato, disse que TSE errou e “o país caminha totalmente para um campo de abuso de direito. É um absurdo”, afirmou.

O que o TSE fez foi tão grave que conseguiu uma rara unanimidade na imprensa e nos parlamentares de diversas vertentes que representam a nova política: a de que a decisão é abusiva. Atacou três valores muito caros ao povo brasileiro intimamente conectados com o estado democrático de direito: a representatividade (o voto), a independência dos poderes e o combate à corrupção.

É preciso resgatar a institucionalidade e a força do Direito onde o que tem valido é o direito da força

Vários deputados que estão no Congresso há até mesmo cinco mandatos me disseram que nunca viram tantos deputados e senadores reunidos no Salão Verde da Câmara dos Deputados numa coletiva à imprensa, como aconteceu na quarta-feira. Mais de cinquenta parlamentares de onze partidos estavam lá não por mim, mas para defender o voto de 345 mil paranaenses e a Democracia.

A repercussão na imprensa também foi no mesmo sentido. A Gazeta do Povo disse: “o TSE atropela a lei e os fatos para cassar Deltan Dallagnol. A lei, no Brasil, foi abolida e substituída por uma bola de cristal”. “A Justiça Eleitoral (...) tornou-se órgão de perseguição política, disposto a inviabilizar a vida pública de qualquer um que tenha se colocado no caminho de Lula em algum momento ou que tenha feito críticas à forma como o STF desmontou o combate à corrupção no Brasil”.

O Globo destacou que a inelegibilidade é uma “medida extrema numa democracia” e que a “interpretação da lei traz argumentos contra cassação de Deltan Dallagnol”, conclamando o Supremo Tribunal Federal a reavaliar o caso. Ressaltou ainda que “o pior para o Brasil é esse tipo de decisão variar de acordo com a circunstância política e o governo de turno”.

A Folha de São Paulo afirmou que a “cassação de Dallagnol extrapola a Lei da Ficha Limpa e abre precedente perigoso”. “O Judiciário deveria se guiar não por hipóteses, mas por fatos. E os fatos são simples: não havia nenhum PAD contra Deltan no momento de sua exoneração”. “Não cabe ao Judiciário criar tantos pretextos para, sob a dupla pena do paternalismo e do arbítrio, cassar direitos políticos dos cidadãos - no caso, de um eleito com a maior votação de seu estado para a Câmara dos Deputados”.

Esses jornais já expressaram críticas a mim e à Lava Jato no passado. Eles não estão nos defendendo, mas sim a democracia, a soberania popular, a lei e o estado de direito. Da mesma forma, muitos juristas criticaram a decisão do TSE. Ives Gandra da Silva Martins avaliou a decisão do TSE como uma “inovação absoluta”, “inaceitável”, ressaltando que a Lava Jato foi reconhecida internacionalmente no combate à corrupção. O ex-ministro do STF Marco Aurélio Mello afirmou que ficou perplexo com a decisão do TSE, que aconteceu à margem da lei. “Enterraram a Lava Jato e agora estão querendo enterrar os que protagonizaram”.

A Transparência Internacional afirmou que “a cassação do mandato de Deltan Dallagnol pelo TSE ontem produzirá efeitos sistêmicos para a Justiça e a democracia no Brasil. A atipicidade da dinâmica processual e da fundamentação empregadas desgastam o instrumento da Lei da Ficha Limpa, agravam a insegurança jurídica e fragilizam a representação democrática no país”.

Os fatos são graves e merecem crítica e reação. Não é sobre mim, mas sobre o estado democrático de direito. Seguirei lutando pelos brasileiros e pelo Brasil, assim como para honrar cada eleitor que depositou sua confiança no meu trabalho pelas causas que defendemos juntos.

Um dia o Brasil será justo, próspero e unido. Um dia a corrupção não será uma aliada do governo federal. Um dia, o povo e a lei estarão acima dos governantes. Um dia viveremos em um país que trata todos iguais perante a lei. Um dia, você sentirá que finalmente nosso país é livre para escrever sua história e escolher seu destino. Eu acredito que o Brasil um dia será um país de liberdade e de justiça.  Esse dia não é ontem ou hoje. E eu seguirei lutando por ele ao seu lado. Mas ele acontecerá.

O mandato parlamentar proporciona um importante instrumento para lutar contra a corrupção, a incompetência e os desmandos dos governantes, isto é, para representar quem acredita nisso e tenho feito o meu melhor. Não vou desistir. Não controlo o resultado, mas seguirei fazendo o que sempre fiz: orar como se tudo dependesse de Deus e agir como se tudo dependesse de mim. 

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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