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Fachada da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, em Aracruz, Espírito Santo, onde ocorreu o crime envolvendo um adolescente de 16 anos.
Fachada da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti, em Aracruz, Espírito Santo, onde ocorreu o crime envolvendo um adolescente de 16 anos.| Foto: Reprodução/Twitter

Há uma semana, um adolescente de 16 anos, portando armas de seu pai policial, invadiu duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, e atirou contra professores e alunos. Matou 4 pessoas e feriu outras 12. Em seguida, voltou para casa, almoçou com sua família e viajou com ela para a casa de praia, como se nada tivesse acontecido.

A prática de crimes graves por adolescentes já assustou o país em outras oportunidades. A redução da maioridade penal é defendida pela maioria da população, mas é combatida por parte da esquerda, incluindo lideranças do Partido dos Trabalhadores, que ganham força com o atual governo.

Reduzir a maioridade é uma política pública positiva e relevante a ser avançada pelo novo Congresso, mesmo contra a resistência do PT?

Para contextualizar o debate, importa relembrar alguns episódios. Em 2003, Champinha, um adolescente de 16 anos, liderou um grupo que torturou e assassinou um casal de namorados que acampava no interior, Felipe Caffé e Liana Friedenbach, então com 19 e 16 anos respectivamente.

A prática de crimes graves por adolescentes já assustou o país em outras oportunidades. A redução da maioridade penal é defendida pela maioria da população, mas é combatida por parte da esquerda, incluindo lideranças do Partido dos Trabalhadores

Ao longo de 6 dias, Felipe foi agredido, até ser morto com um tiro de espingarda na nuca. Liana foi estuprada e obrigada a fingir que era a namorada de Champinha por 8 dias, até ser brutalmente degolada e esfaqueada. Os crimes estarreceram o país.

Em 2007, outra atrocidade comoveria a nação. Cinco assaltantes roubaram um carro no Rio de Janeiro. Um adolescente de 16 anos, com arma na mão, rendeu a motorista. Ela e sua filha saíram do carro, mas não conseguiram livrar João Hélio Fernandes, filho de 6 anos, do cinto de segurança.

Os assaltantes empreenderam fuga e a criança foi arrastada pelo carro ao longo de quatro quilômetros. Quando os criminosos abandonaram o carro, o corpo de João ainda estava preso ao veículo, sem joelhos, dedos das mãos e cabeça, arrancados no percurso.

Muitos crimes graves são praticados por menores de 18 anos. Em 2017, último ano em que os dados estão disponíveis na página do governo federal, foram 16.433 atos infracionais no país, praticados por menores de 18 anos.

Metade deles foram roubos e um quarto foram crimes de tráfico de drogas. Homicídios e latrocínios (roubo com morte) somaram mais de 2.600 casos, mais de sete por dia. São quatro estupros por semana praticados por menores.

No Brasil, a Constituição determina que menores de 18 anos não praticam “crimes”, são inimputáveis. Quando praticam fatos equivalentes a crimes, estes são chamados de “atos infracionais”. Para as vítimas e a sociedade, o dano e o sofrimento de crimes e atos infracionais são os mesmos.

Contudo, a punição é muito diferente. A “internação”, espécie de prisão dos menores (embora seu objetivo seja proteger e educar e não punir), dura no máximo 3 anos. Enquanto um adulto que pratica um homicídio qualificado fica na prisão, em regime fechado, uma média de 4,8 anos, o adolescente que pratica o mesmo fato fica internado, em média, por apenas 9 meses. A internação dura quinze por cento do tempo da prisão do adulto.

Em português claro, se o crime para os adultos compensa no Brasil, com penas baixas, progressões, livramentos, saidinhas e indultos generosos, para adolescentes, então, compensa muito mais. Sua impunidade favorece o aliciamento de adolescentes para a prática de crimes, especialmente por traficantes.

A percepção de que essa impunidade é danosa se reflete na opinião dos brasileiros sobre a redução da maioridade penal. Pesquisa deste ano do Instituto Orbis apontou que 82,4% dos brasileiros querem a redução da maioridade penal.

Em português claro, se o crime para os adultos compensa no Brasil, com penas baixas, progressões, livramentos, saidinhas e indultos generosos, para adolescentes, então, compensa muito mais

O estudo mostrou que a população pobre e de periferia, em grande medida afetada pela criminalidade, também defende a redução da maioridade. É importante dizer isso porque opositores da mudança alegam que ela prejudicaria sobretudo essa fatia da sociedade.

Em harmonia com a vontade da população, a Câmara dos Deputados aprovou a PEC 115, em 2015, que reduz a maioridade para 16 anos em relação a crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. São exemplos de crimes hediondos o latrocínio e o estupro.

A PEC, que se encontra parada com o senador Davi Alcolumbre desde 2019, determina ainda que a pena seja cumprida em estabelecimentos próprios, separados dos adultos, o que afasta o argumento daqueles que dizem que a prisão de menores faria com que fossem cooptados nas prisões por adultos e suas organizações criminosas.

Dentre os muitos argumentos a favor e contra a prisão, vários frágeis ou falaciosos, há três discussões centrais.

A primeira questão é se adolescentes com 16 anos têm discernimento que permita sua responsabilização. No Brasil, a lei já reconhece tal discernimento. Adolescentes de 16 anos não só podem votar, mas também, mediante emancipação, realizar todos os atos, inclusive complexos, da vida civil.

A segunda discussão é se a redução da maioridade é uma medida capaz de reduzir o número de crimes praticados. Cristiano Oliveira, doutor em economia aplicada e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande, publicou em 2020 um estudo que sugere uma resposta positiva a essa questão (“Law Incentives for Juvenile Recruiting by Drug Trafficking Gangs: Empirical Evidence From Rio de Janeiro”).

Com base em dados de todas as prisões feitas no Rio de Janeiro em 2016 e no primeiro semestre de 2017, observa-se que o número de prisões, por idade, aumenta até o fim dos 17 anos e, logo em seguida, a partir dos 18 anos, passa a diminuir significativamente.

Os dados amparam a tese da análise econômica comportamental segundo a qual a punição criminal tem efetivamente um efeito dissuasório. Os gráficos apresentados ao final deste artigo, extraídos daquele trabalho, são claros nesse sentido.

O estudo aponta ainda que a redução da maioridade penal diminuiria o número de homicídios em até 37%, considerando os efeitos dissuasórios identificados. Se esse mesmo percentual, resultante da análise de crimes no Rio de Janeiro, for extrapolado para o Brasil, a redução da maioridade poderia salvar 962 pessoas por ano no Brasil, mais de dezoito toda semana.

O número de vidas salvas apontado pela pesquisa poderia ser até maior caso se considerasse, para além do efeito dissuasório, o efeito incapacitante da prisão, ao impedir que o delinquente faça novas vítimas durante o período de encarceramento.

A terceira discussão central é se a Constituição brasileira, ao estabelecer que menores de 18 anos são inimputáveis, tornou a regra da maioridade aos 18 anos um direito fundamental. Em caso positivo, a norma seria uma cláusula pétrea constitucional, imodificável.

A resposta é negativa. Primeiro porque a regra está no artigo 228 da Constituição, fora dos artigos que estabelecem a maioria dos direitos fundamentais. Embora isso não seja por si só determinante, deve ser considerado. Segundo, ainda que se entenda que a Constituição exige uma regra de maioridade, a PEC não a extingue, mas apenas muda o critério de idade, ajustando-o à evolução da sociedade.

O estudo aponta ainda que a redução da maioridade penal diminuiria o número de homicídios em até 37%, considerando os efeitos dissuasórios identificados

Terceiro, muitas democracias que estabelecem idades menores para a responsabilização penal, sem que isso seja considerado uma violação aos direitos humanos. Dentre esses países estão Suécia (15 anos), Noruega (15 anos), Estados Unidos (12 anos em vários Estados), Suíça (15 anos), Nova Zelândia (17 anos), Polônia (17 anos), Escócia (16 anos) e Reino Unido (10 anos).

Por fim, nenhum direito fundamental, mesmo quando assim reconhecido, é absoluto. A regra da maioridade deve ser compatibilizada com outros direitos fundamentais, como aqueles à vida e à segurança. Nesse contexto, é legítimo estabelecer uma resposta penal a crimes graves praticados por adolescentes com idade entre 16 e 18 anos, como o de Aracruz, o de Champinha, o assalto que vitimou o menino João Hélio e os mais de 2.600 homicídios anuais praticados por adolescentes.

Assim, a redução da maioridade para 16 anos no caso de crimes hediondos, nos termos da PEC 115/2015, é uma forma de respeitar o clamor de justiça da maioria da população, sem infringir direitos fundamentais, e pode ainda contribuir para salvar milhares de vidas que são vítimas da criminalidade, especialmente da violenta.

A medida é positiva e relevante. Cabe ao Congresso eleito, em especial ao Senado, avançá-la.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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