Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Deltan Dallagnol

Deltan Dallagnol

Justiça, política e fé

Inquéritos intermináveis

O golpe contra a democracia já ocorreu: adivinha o responsável? 

sede stf brasil liberdades
Fachada do Supremo Tribunal Federal, em Brasília. (Foto: Antonio Augusto/STF)

Ouça este conteúdo

“Não é o inquérito que está sendo excessivamente prolongado, mas são os fatos que demoram a passar", disse o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, sobre a duração infinita dos inquéritos das fake news e das milícias digitais. A fala foi uma resposta a uma cobrança de jornalistas, já que, meses antes, o ministro havia afirmado que esses inquéritos seriam arquivados em breve.

Não só os inquéritos não foram arquivados, como não serão tão cedo. Segundo uma inacreditável reportagem da Folha de S. Paulo, sete ministros do STF defendem que o ministro Alexandre de Moraes prorrogue o inquérito das milícias digitais, no mínimo, até o fim das eleições de 2026. Um leitor desavisado talvez imagine que essa prorrogação se deve ao fato de haver muitos elementos a serem investigados, ou quem sabe pela complexidade do caso. Ledo engano.

O inquérito permanecerá aberto porque, veja só, Moraes acredita que o cenário político será "conturbado” no próximo ano, com o fim do julgamento da ação do golpe. Sim, você não leu errado: o STF vai prorrogar um inquérito criminal para investigar crimes futuros, que ainda não foram cometidos. Inquéritos criminais, segundo a lei brasileira, servem para apurar crimes que já ocorreram, não crimes hipotéticos que podem vir a acontecer. 

Aceitar esse uso do inquérito é aceitar uma atuação inconstitucional, ilegal e de evidente finalidade política. Trata-se de uma aberração jurídica digna de filmes distópicos de Hollywood, como Minority Report, no qual Tom Cruise interpreta um agente de segurança perseguido por uma inteligência artificial capaz de prever crimes antes que eles aconteçam.

Como nem Moraes nem o STF possuem uma inteligência — artificial ou natural — desse porte, só nos resta concluir que o inquérito seguirá aberto para ser usado como arma política pelo ministro e pela ala norte-coreana do Supremo. A notícia se torna ainda mais alarmante ao lembrarmos da informação, divulgada pelo jornal O Globo, de que Moraes tem ligado para governadores aliados a Lula, tentando convencê-los a se candidatar ao Senado no ano que vem, como estratégia para impedir que a direita alcance a maioria.

Trata-se de uma aberração jurídica digna de filmes distópicos de Hollywood, como Minority Report

Com o inquérito do fim do mundo - ou seria do fim da direita? - nas mãos, Moraes sequer precisa dos governadores: basta prender — democraticamente, claro — os candidatos da direita, e a esquerda vence automaticamente.

O delírio supremacista do STF vai além. Diz a Folha que a manutenção do inquérito serviria também para garantir a Moraes poder de interferência nas eleições de 2026, já que, até lá, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) será Nunes Marques — indicado ao STF por Jair Bolsonaro —, o que, na lógica de Moraes e seus colegas da ala norte-coreana, o torna automaticamente indigno de confiança. 

Ou seja: se os ministros autoritários do STF não gostarem da condução das eleições por Nunes Marques no TSE, Moraes terá nas mãos uma ferramenta para interferir nas eleições, tomar as rédeas da situação e comandar ele próprio o espetáculo — um controle do qual, claramente, não quer abrir mão.

Das duas, uma: ou Moraes e seus aliados no Supremo estão arquitetando um verdadeiro golpe institucional contra outro ramo, em tese independente, do Poder Judiciário, usurpando, à força, um poder que não lhes pertence; ou o ministro está usando a reportagem da Folha para enviar um recado cristalino a Nunes Marques: ou você pesa a mão como eu pesei contra a “extrema-direita” e os bolsonaristas, ou eu entro em campo, tomo a bola de você e te expulso do parquinho. Sob qualquer ângulo que se analise, é um golpe.

Mas talvez o mais inacreditável de tudo seja a informação de que Moraes e seus minions planejam usar o inquérito das milícias digitais como um “colchão de segurança” contra Elon Musk, suas empresas e eventuais sanções vindas dos Estados Unidos. 

Sim, leitor, você não leu errado — pela segunda vez preciso repetir: a turma norte-coreana do Supremo quer utilizar um inquérito criminal como instrumento de política externa brasileira. Isso, evidentemente, representa uma usurpação das atribuições da Presidência da República e do Itamaraty, os dois únicos órgãos da República constitucionalmente competentes para conduzir a diplomacia e a política externa do país.

Não há função na República que Moraes e seus colegas autoritários não queiram usurpar. Se envolve poder, então é deles — e ai de quem ouse reclamar. 

Por isso, se vierem punições dos EUA contra os ministros, nada de recorrer a Lula: Moraes e seus aliados cuidarão disso pessoalmente, usando o inquérito para atacar Musk e suas empresas — imagina-se que por meio de bloqueios de bens, buscas e apreensões, e até ordens de prisão contra executivos, advogados e representantes legais. Como Musk está em pé de guerra com Trump, é bem possível que até outras empresas americanas de redes sociais acabem entrando no balaio. O que importa, no fim das contas, é que Moraes possa mandar seu recado aos americanos.

O mais engraçado — para não dizer trágico — de toda a matéria da Folha de S. Paulo, além do fato de os jornalistas não esboçarem uma única linha de crítica aos absurdos inconstitucionais, ilegais e autoritários do Supremo, é que ela descreve como os ministros planejam usar o inquérito para praticamente tudo, menos para aquilo que a lei determina que ele sirva: investigar crimes com base em fatos certos e determinados, que já ocorreram. 

Segundo a matéria, o ministro Barroso “faz parte de um grupo no Supremo que entende que os inquéritos ainda são importantes para frear radicalismos e ataques às bases da democracia". Não precisa, ministro. O golpe radical contra a democracia já aconteceu — e quem deu foi o Supremo.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.