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TSE
| Foto: José Cruz/Agência Brasil

Em 25 de abril do ano passado, eu estava no meu gabinete na Câmara dos Deputados estudando a mais recente versão do PL 2630/2020, mais conhecido como PL das Fake News. Em menos de 2 meses de legislatura, o governo Lula, em um esforço concentrado com o presidente da Câmara, Arthur Lira, com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), tentava a todo o custo aprovar a proposta. A esquerda alegava que era positivo regulamentar as redes sociais para impedir a distribuição em massa de notícias fraudulentas e discursos de ódio.

As sessões de estudo foram intensas, já que o projeto era polêmico, e a cada dia surgiam novas versões do texto, às vezes mais de uma no mesmo dia. Era difícil acompanhar as alterações, e muitas vezes nem mesmo os deputados sabiam o que havia sido alterado. Entre leituras, eu era convocado por meus colegas da oposição para reuniões com o relator do projeto, deputado Orlando Silva, em que debatíamos o texto e eu apresentava todas as preocupações e objeções da direita, dos conservadores e dos evangélicos, todos preocupados com o que parecia uma tentativa do governo e do STF de censurar as redes sociais.

Naquele dia, enquanto estudava o projeto, minha equipe me avisou que o ministro Alexandre de Moraes estava no Congresso, onde se reuniria com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e com Arthur Lira para entregar “sugestões” legislativas do TSE para o texto do PL das Fake News. Dentre as sugestões apresentadas por Moraes, estava a de obrigar as big techs e provedores de redes sociais a remover imediatamente conteúdos, sem avisar aos usuários, que divulgassem fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que “atinjam a integridade do processo eleitoral, incluindo os processos de votação, apuração e totalização de votos”.

O texto previa ainda que os provedores deveriam remover conteúdos “de grave ameaça, direta e imediata, contra a integridade física de funcionários públicos ou contra a infraestrutura física do Estado para restringir ou impedir o exercício dos poderes constitucionais ou a abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, e também conteúdos “de comportamento ou discurso de ódio, inclusive promoção de racismo, homofobia, ideologias nazistas, fascistas ou odiosas contra uma pessoa ou grupo mediante preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Segundo o texto, as empresas que não removessem esses conteúdos sofreriam punições cíveis e administrativas.

Só que, quanto mais a proposta era discutida, mais ficava claro para mim, para a direita, para os conservadores e para os evangélicos que o PL das Fake News não era sobre fake news, mas sim sobre censura. O projeto era ruim e trazia diversas brechas que causariam uma insegurança jurídica imensa ao país, com as empresas removendo conteúdos e discursos legítimos apenas para não serem multadas. Depois de uma gigantesca mobilização da sociedade, tanto Lira quanto o governo perceberam que o projeto não seria aprovado, e o relator, Orlando Silva, retirou o agora chamado “PL da Censura” de pauta - uma vitória da sociedade. O consenso geral no Congresso, naquele dia 02 de maio de 2023, é de que o projeto seria rejeitado se fosse votado em plenário.

Quanto mais a proposta era discutida, mais ficava claro para mim, para a direita, para os conservadores e para os evangélicos que o PL das Fake News não era sobre fake news, mas sim sobre censura

Quase um ano depois, o TSE aprovou as resoluções que regerão as eleições municipais de 2024 na última terça (27), incluindo, dentre elas, justamente as sugestões legislativas entregues por Moraes no Congresso e que foram abertamente rejeitadas tanto pelos parlamentares quanto pela sociedade brasileira. O texto não é público ainda, mas uma jornalista que exibe constantemente seu acesso privilegiado a ministros do STF disse ontem em programa jornalístico que Moraes e o TSE incluíram exatamente os mesmos textos que tinham sugerido para o finado PL da Censura nas resoluções do TSE, “com a diferença de duas palavrinhas: período eleitoral”. Ou seja: na prática, Moraes e o TSE aprovaram esses trechos do PL da Censura para regulamentar as redes durante as eleições, em um atropelo total das prerrogativas do Poder Legislativo.

O que o TSE fez, de fato, foi legislar a respeito de uma matéria já rejeitada pelo Congresso, único órgão que detém o poder e atribuição constitucional para legislar. O STF já reconheceu que o TSE não tem esse poder (nas ações declaratórias de inconstitucionalidade 3.999/DF e 4.086/DF), assim como não tem jurisdição para “monitorar pessoas” - outra iniciativa autoritária de Moraes. Ao incluir e aprovar esses trechos nas resoluções, o TSE criou obrigações legais de maneira absolutamente inconstitucional, já que estabelece normas de condutas para os provedores de redes sociais e sanções correspondentes em caso de descumprimento. Tal inovação legislativa esbarra na nossa Constituição Federal, que em seu art. 5º, inciso II, diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Tribunais não legislam, mas aplicam a lei feita no Parlamento.
Como as obrigações criadas pelo TSE não foram aprovadas regularmente pelas duas Casas do Congresso Nacional e sancionadas pelo Presidente da República, obedecendo ao rito legislativo ordinário, as big techs e plataformas de redes sociais poderão contestar judicialmente o conteúdo das resoluções que é inconstitucional e autoritário. O que o TSE fez foi subverter totalmente a essência da democracia, atropelando e substituindo o Poder Legislativo em sua ânsia de controlar todos os aspectos das disputas eleitorais. E, pior, fez isso usando um texto que já havia sido rejeitado pelo Parlamento e pela sociedade. Assim, a providência do TSE  é mais um duro golpe contra a democracia.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima
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