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Livro da semana – “O curioso impertinente”
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Reprodução/Internet
Cervantes: gênio do século 17.

Algum estudioso metido a moderninho poderia dizer que Cervantes, ao escrever o Quixote, estava sendo o precursor da multimídia. Assim como já andaram dizendo que Montaigne seria o patrono dos blogueiros e outras ciosas do gênero.

É que Cervantes gosta de fazer brincadeiras com diversos tipos de textos no meio de seu romance. O livro começa com um prefácio (um “ensaio”?), passa por uma série de poemas, depois entra na prosa de ficção propriamente dita.

Mas mesmo aí não é um “simples” romance. Cada capítulo, cada aventura, poderia ser um conto. Há uma clara interação com os poemas épicos e com os romances de cavalaria. E, no meio de tudo isso, o autor ainda deu um jeito de colocar uma novela.

“O curioso impertinente” é uma espécie de interrupção do Quixote. Já na segunda metade do primeiro volume, quando as histórias de cavalaria começam a se acumular uma depois da outra, parece que Cervantes decide dar uma pausa ao leitor. E muda de assunto.

De repente, enquanto o personagem principal está descansando em uma pousada, outros personagens acham uma novelinha e decidem lê-la. Cervantes a transcreve. E vira uma história dentro da história (mais moderno, impossível).

O enredo é simples, como nas outras novelas de Cervantes. E altamente moral. O sujeito, Anselmo, tem tudo: é rico, bonito e tem uma esposa linda e fiel. Só que tem um detalhe: é humano. E parece que não consegue ver tudo indo bem sem querer dar uma estragada.

Para saber se Camila é mesmo fiel, decide testá-la. Pede ao melhor amigo, Lotário, que tente seduzi-la (de mentirinha, claro) enquanto ele finge viajar. O amigo diz que aquilo vai dar errado. Ele insiste.

Camila rechaça o sedutor. Lotário faz o relato, mas Anselmo, mesmo feliz, acha que não é o suficiente. Só saberá se a esposa é mesmo fiel se o assédio for mais insistente. Pede que o amigo tente de novo.

É claro que, no fim das contas, o amigo e a mulher se apaixonam e Anselmo fica sem os dois. A curiosidade matou o gato, ou melhor, Anselmo.

Cervantes parece ser defensor de uma tese muito sensata: o melhor jeito de você não cair em tentação é ficando longe dela. Anselmo achava que expondo a mulher ao problema estaria fortalecendo a fidelidade dela. Mas todo teste tem risco de dar errado…

Pensando do ponto de vista de um seiscentista, na época da contrarreforma, o livrinho pode ser lido também como um texto de aviso de que quem engana acaba sendo enganado. A mentira de Anselmo, que bolou todo o plano, fingindo estar longe de casa, não tinha como ficar impune.

Claro que isso tem ligação com mais de um tema do Quixote. Por um lado, é um texto sobre a amizade. Por outro, fala de uma ilusão que interfere na realidade. Em terceiro lugar, é como se Anselmo, enganado pelas histórias de amor da ficção, se deixasse levar a crer que era dono de um amor mítico e intangível. Se deu mal.

A história logo ficou famosa e foi traduzida para vários idiomas. Às vezes é vendida até mesmo separada do Quixote. No Brasil, existe pelo menos uma edição assim, da Relume Dumará. Mas, claro, o ideal é ler mesmo o Quixote todo de uma vez.

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