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Livro da semana – “O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha”
| Foto:
Pablo Picasso

Como algum leitor que acompanha esse blog regularmente (espero que haja algum, além dos parentes mais próximos…) sabe que um dos projetos por aqui é falar, neste ano, pelo menos, de alguns dos livros mais importantes feitos na Espanha e na América Espanhola.

Se você clicar aí em cima em Projeto Hipânico, vai ver algumas das resenhas que já saíram e as fotos que o sempre original Ricardo Medeiros faz para cada uma das obras.

E, claro, se a ideia é dar uma noção da literatura hispânica, o único livro que jamais poderia ficar de fora é o Quixote. Ou melhor: se dois livros não podiam ficar de fora, são os dois volumes do Quixote.

Então, a partir de hoje e por algumas semanas, o blog põe aqui vários comentários sobre os livros. Começando pelo começo: ou seja, o livro original, “O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha”, publicado em 1605. O segundo, “O engenhoso cavaleiro Dom Quixote de La Mancha”, saiu em 1615, um ano antes da morte de Cervantes.

(Aliás, oficialmente a morte de Cervantes é lembrada oficialmente em 22 de abril, que caiu neste domingo. Ele morreu um dia antes de Shakespeare, no mesmo ano, em 1616.)

Realismo

Sempre que uma obra ganha tanto destaque quanto o Quixote, a pergunta óbvia a ser feita é: por que esse livro, e não outro, continua sendo citado 400 anos depois?

No caso de Cervantes, as respostas são muitas. Mas temos que começar por algum lugar. E acho que um bom jeito é falar de como o livro inovou ao falar de uma vida absolutamente real e banal, a vida do dia a dia.

A história do Quixote é simples. Um sujeito mais ou menos bem de vida, de meia idade, funde a cuca lendo livros de cavalaria e decide que o seu propósito na vida é viver uma daquelas histórias épicas. Decide ser cavaleiro andante e põe na cabeça que o mundo que vive é igualzinho ao dos romances que lia.

Para ele, um moinho de vento é um gigante, uma manada de ovelhas vira um exército e um cavalo mixuruca se transforma num exemplar digno de El Cid. Inventa um ajudante, uma amada (um cavaleiro tem de lutar em nome de uma linda amada) e sai por aí em aventuras desconjuntadas.

É claro que Cervantes estava tirando um sarro dos escritores que bolavam tramas mirabolantes, recheadas de homens perfeitos, varonis, corajosos, que enfrentavam perigos com destemor impossível em nome de um idealismo improvável.

Cervantes quer comparar a vida real com o mundo de fantasia da cavalaria. Quer mostrar que as pessoas são como são: precisam dormir, comer, ir ao banheiro, falam asneiras, se arrependem, têm sonhos impossíveis, se acovardam e, claro, às vezes são gentis ou corajosas também.

Quixote é o antídoto do herói ideal. Ele foi feito para mostrar que ninguém é super-homem. Que aquelas histórias todas de gente acima da humanidade não existem. Que o existe é um sujeito fracote tentando imitar um modelo impossível.

É mais ou menos como se hoje se fizesse um filme para mostrar que ninguém na verdade pode ser James Bond ou o personagem de Tom Cruise em Missão: Impossível. E, aliás, não deixa de ser curioso que quatro séculos depois ainda a gente se deixe levar por histórias de heróis e, mas estranho, de super-heróis…

Cervantes, assim, consegue, de um certo jeito, ser o patrono do realismo. Seus personagens até nos ensinam coisas (não digo que não seja um moralista. Ele não é Tchekhov, afinal de contas). Mas não porque são mais sábios ou melhores do que nós.

Pelo contrário, aprendemos com Cervantes, com Quixote e com Sancho porque eles são muito parecidos com a gente (tirada a parte da alucinação, claro).

Mas nas próximas semanas falamos mais. Afinal, um post não pode ter o tamanho do próprio Quixote…

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