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“Pastoral Americana” é um dos livros mais importantes dos EUA no fim do século 20. Não sou eu que estou dizendo. É o New York Times.

Em uma eleição realizada em 2006 para descobrir os livros mais importantes dos 25 anos anteriores, “Pastoral Americana” foi o livro mais citado de Philip Roth. E só perdeu para “Amada”, de Toni Morrison (os fãs de Roth alegam que ele perdeu porque os votos para ele se dividiram em vários livros, enquanto ela só teve um romance votado).

Alguém já disse que os livros de Roth dizem mais sobre os Estados Unidos do que o discurso anual do presidente sobre o Estado da União. Esse parece ser um dos casos em que o romance dá um belo panorama da América, pelo menos de uma parte importante dela. E parece ser exatamente esse o plano de Roth: falar do “fim do sonho americano” nos anos 60.

Como sempre, o livro trata de um judeu de classe média alta. Um sujeito que o narrador conheceu na escola como “Sueco” e que é o típico sujeito que ingressa na classe média com esforço próprio. Vive o sonho da América nos anos 50 – o período entre a Depressão e a crise do petróleo, em que quase todo mundo nos EUA prosperou. É o idílio.

Mas Roth mostra o outro lado da moeda. Nos anos 60, tudo vem abaixo. Contando a história da fábrica de luvas da família do personagem, acaba mostrando a tensão racial do país na época, e até os protestos violentos que acabam jogando os EUA numa disputa terrível entre racistas e não-racistas na época de Martin Luther King.

O fim do sonho da família, porém, vem de outro lugar. Embora tenha sido o típico americano feliz dos anos 50, o Sueco não contava com a guerra do Vietnã. E muito menos contava que sua filha, uma adolescente, iria protestar contra a guerra de forma tão violenta. Ela acaba se envolvendo em atos terroristas e na explosão de uma bomba, que mata uma pessoa.

A partir daí, a menina foge e se esconde. Muito tempo depois, ela e o pai se encontram. Ela está num mocó, num bairro perigoso. E aderiu a uma seita meio fanática que não permite qualquer tipo de violência contra seres vivos: o que impede a ela, por exemplo, de tomar banho, para não matar os bichinhos que estejam em seu corpo; ou de limpar o quarto, para não incomodar os fungos, coisas do gênero.

A garota está um farrapo, magra, nojenta, sem a menor higiene, conta que foi estuprada várias vezes e que apanhou. O fim mais triste que se possa imaginar para alguém. E seu pai, derrubado do sonho americano, tem de decidir o que fazer.

Roth é tremendamente hábil em mostrar os climas da época. Para dar a noção do “sonho” nos anos 50, faz o seu personagem se casar com uma “Miss New Jersey”. Conta tudo sobre os desfiles em maiôs, trajes de gala etc. Para falar sobre a prosperidade econômica, mostra a fábrica de luvas a todo vapor.

E, depois, na fase da ruína, mostra tudo de uma forma mais decadente. Até o casamento com a Miss vai mal. Ela tem um caso. O marido descobre. Mas tudo é parte de uma tragédia silenciosa, o oposto do dramalhão. Ninguém fala nada. Ninguém deixa seu drama ser exposto.

Para cúmulo dos problemas, numa das cenas finais, enquanto o marido está tendo de ser forçado a conviver com a mulher e o amante dela fingindo não saber de nada, enquanto decide sobre como lidar com sua filha, ouve-se ao fundo a notícia sobre Watergate… Nem isso mais estava indo bem. O próprio governo dos EUA era uma bagunça.

O título do livro, depois que você leu, parece mais do que irônico. Quase malvado. Não há nada de “pastoral” no que sobra da vida dos personagens. É a história de uma longa e triste decadência, com muito mais dor do que esperança. Um baita livro, mas absolutamente triste.

Serviço: A tradução de Rubens Figueiredo para o livro está disponível pela Companhia das Letras.

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