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Onde os patos se barbeiam
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Reprodução/Internet

Já que o livro da semana é o do Pynchon, resolvi reproduzir aqui a resenha que o Caetano (que depois virou tradutor do livro) publicou na época em que ele foi lançado nos EUA. Saiu na Gazeta em 23 de agosto de 2009:

Thomas Pynchon definitivamente não é mais o mesmo.

Depois de por exemplo nos (pa­­ra a definição de “nós” conferir abaixo) deixar esperando por 17 anos en­­tre O Arco-íris da Gravidade e Vi­­­neland (abaixo também tem mais sobre Vineland, diga-se de passagem, aguenta aí) ele agora solta o sucessor do monstruoso (e monstruosamente bom) Against the Day em menos de três anos!

Mais ainda, mete no site da editora (depois vazado urbi et orbi), um “trailer” do livro. Exatamente. Um clipinho em vídeo em que uma voz que seria a dele (é só comparar com os episódios de Os Simpsons em que ele aparecia) lê uma espécie de apresentação do livro feita pelo personagem principal!

Mais ainda, ele elabora para a Amazon (pontocom) uma playlist com as músicas que dão clima ao tal romance novo, para as pessoas poderem ir comprando as músicas!

Definitivamente.

Depois que seu filho (Jackson Pynchon, 18) abriu um perfil no Facebook, a vida parece ter mudado para o homem que continua sendo (continua sendo) o mais famoso e mais bem-sucedido de todos os reclusos do mundo literário.

Ele mesmo, aquele cara cuja foto mais
recente em circulação é dos anos 1950. Aquele, que “parece” que a CNN filmou em 1997, só para depois morder a fronha e exibir só um trechinho da filmagem, sem dizer que era ele. Aquele que “parece” que um fã filmou tem uns três anos.

Aquele mesmo, cebolas!, que dublou a própria imagem para dois episódios dos Simpsons, desde que o desenho tivesse um saco de papel na cabeça!

Mas se você abre o novo livro, Inherent Vice (O título? Apa­­ren­­temente se refere a um termo contratual para um tipo de, sei lá, ví­cio de origem de certas mercadorias. Funciona assim. Se você compra oito mil dúzias de ovos de um cara em Krk, a paradisíaca ilha do Adriático famosa pelo frescor de seus ovos, e quando eles chegam você abre o contêiner e encontra, digamos, 473 ovos quebrados, você nem pode reclamar. Estava previsto. É o inherent vice dos ovos do Adriático. Alguns hão de quebrar na viagem. Faz parte… Mais sobre vícios inerentes mais abaixo), o que você encontra é Pynchon vintage. Do mais alto teor alcoólico. Só ligeiramente diluído.

O que você encontra, já de cara, é Doc Sportello, um detetive particular hippie (isso mesmo), que se dedica a resolver os maiores mistérios da comunidade doidona, liberada e algo traumatizada (a ação se passa logo depois do escândalo da morte de Sharon Tate por Charles Man­son… O mundo nunca mais veria a contracultura hipponga da mesma maneira) da praia de Gordita, Califórnia.

A praia, aliás, existe mesmo. Pode ir ver. O que eu não sei é se lá houve um dia um restaurante chamado O Cangaceiro (em português no livro). Ou uma banda de surf music chamada The Boards. Ou uma casa em que membros de outra banda basicamente ficam chapados até virarem zumbis. Zumbis tipo de verdade mesmo. Perigosos. Ou um surfista-mito com estranhas ressonâncias crísticas (afinal Cristo era surfista, ou você acha que aquela estória de “caminhar sobre as águas era o quê?”, argumenta alguém no livro). Ou um advogado obcecado por saber se a Margarida obrigava o Donald a se barbear todo dia. Ou, especialmente, The Golden Fang, que pode ser um monstro, pode ser um barco, e pode ser uma conspiração de um grupo de dentistas para escapar de impostos. Ou se Shasta Fay, antiga “namorada” de Doc realmente sumiu, em um escândalo que envolve seu ficante atual, motoqueiros neonazistas, agentes infiltrados naquelas bandas de surf music…

Não sei. Pynchon afinal é o grande poeta (profeta?) da paranoia. A distinção entre o real e histérico (gripe suína, alguém?) é sempre tênue no seu mundo.

Eu, particularmente, tenho nadinha contra a Margarida.

O que eu sei é que você sai da viagem (em múltiplos sentidos) que é a leitura de Inherent Vice satisfeito porque Pynchon resolveu voltar ao mundo hippie que já tinha abordado no menos praiano Vineland (aquele, dos 17 anos), um belo livro, algo subestimado. Você sai, como sempre, divertido. Como sempre algo tocado.

Se Contra o Dia pôde (e podia, ah podia…) ser classificado como o grande livro “para os fãs” de Pynchon, uma espécie de destilado (não tanto assim, com mais de mil páginas) do que de mais característico sua produção tem, dá para pensar que este Inherent Vice é uma ligeira tentativa de deixar todo aquele mesmo universo um tantinho mais palatável para os marinheiros de primeira viagem.

O livro é menor. É mais simplesmente doido (Pynchon sempre foi doido, às vezes bobo mesmo, nos melhores momentos). A trama é menos rocambolescamente complexa. É tudo um grau mais simples.

O livro pode de fato parecer um bocadinho menos. Menos impactante. Menos pretensioso. Menos grande (sic!). Pode ser que ele tenha mudado esse bocadinho, ao menos aqui.

Mas em muita coisa, fundamental para que ele seja o meu candidato preferencial ao Nobel, o que recebemos (nós, fãs viciados, ou você, leitor curioso) do senhor Pynchon em Inherent Vice é o que ele costuma mesmo fornecer.

Ainda que com um ou outro ovinho rachado.

Faz parte…

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