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Um sujeito chorando pode parar uma cidade
| Foto:
Reprodução/Internet
Les Murray.

Les Murray, o nosso amigo dos poemas das terças-feiras, é um grande poeta, na minha modesta opinião, não só pelos jogos de linguagem que faz, pela plástica das palavras.

Seus poemas vibram é por causa das imagens que ele consegue criar, juntar, colocar uma depois da outra. Como nesse poema de hoje, traduzido meio às pressas, em que um sujeito chorando é capaz de parar uma cidade.

Quem é o sujeito? Por que os outros se importam tanto? Por que ele está chorando? Nada disso ele responde. Fica com você e comigo resolver.

Um arco-íris absolutamente ordinário

O rumor corre por Repins,
O murmúrio corre por Lorenzinis,
na Tattersalls, homens tiram os olhos de planilhas de números,
os escrevinhadores da Bolsa de Valores esquecem o giz em suas mãos
e homens com pão em seus bolsos saem do Clube Grego:
Tem um sujeito chorando em Martin Place. Eles não conseguem pará-lo.

O trânsito na Rua George engarrafou por um quilômetro
e parou de se mover. As multidões estão irritadas com a conversa
e mais gente vem correndo. Muitos correm de outras ruas
que minutos atrás eram ruas importantes de negócios, apontando:
Tem um sujeito chorando ali. Ninguém consegue pará-lo.

O homem que cercamos, de que ninguém se aproxima
simplesmente chora, e não se cobre, chora
não como uma criança, não como o vento, como um homem
e não faz isso declamando, nem bate no peito, nem mesmo
soluça muito alto – e mesmo assim a dignidade de seu choro

nos mantém longe de seu espaço, o oco que ele forma em seu redor
à luz do meio-dia, em seu pentagrama de tristeza,
e uniformes longe na multidão que tentaram pegá-lo
olham para ele, e sentem, maravilhados, suas mentes
desejando lágrimas como crianças desejam um arco-íris.

Alguns dirão, anos depois, que um halo
de força se formou ao redor dele. Isso não existe.
Alguns dirão que eles ficaram chocados e que o parariam
mas eles não terão estado lá. A mais feroz virilidade,
a reserva mais firme, a mais lisa inteligência entre nós

treme de silêncio, e queima com inusitados
julgamentos de paz. Alguns na multidão gritam
eles pensavam ser felizes. Só as crianças menores
e os do mesmo gênero ao olhar para fora do Paraíso se aproximam dele
e se sentam a seus pés, com cães e pombos empoeirados.

Ridículo, diz um homem perto de mim, e fecha
sua boca com as mãos, como se tivesse proferido vômito –
e vejo uma mulher, brilhante, esticar a mão
e tremer quando recebe o dom do choro:
todos os que a seguem também o recebem

e muitos choram por mera aceitação, e outros mais
se recusam a chorar por medo de toda aceitação,
mas o homem chorando, como a terra, não exige nada,
o homem que chora nos ignora, e derrama
de seu rosto contorcido e de seu corpo ordinário

não palavras, mas tristeza, não mensagens, mas dor,
duro como a terra, simples, presente como o mar –
e quando ele para, ele simplesmente anda entre nós
esfregando seu rosto com a dignidade de um
homem que chorou, e agora terminou de chorar.

Fugindo dos crentes, ele se apressa pela Rua Pitt.

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