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Fotografa: Nicole de Khors do Burts
Imagem fornecida pelo site do Burts - indicação livre de direitos autorais -https://pt.shopify.com/burst/saude
Fotografa: Nicole de Khors do Burts Imagem fornecida pelo site do Burts - indicação livre de direitos autorais -https://pt.shopify.com/burst/saude | Foto:

A discussão sobre liberação do atendimento de crianças autistas pelos planos de saúde por meio de demandas judiciais é assunto em voga no Estado do Paraná, sendo tema de recorrente debate, principalmente com relação à necessidade de tratamento imediato. Nesse contexto, surge um argumento que me preocupa, por ser deveras falacioso: uma suposta falência dos planos de saúde, caso arcassem com todos os tratamentos de crianças com autismo. Tentarei abordar o tema de forma resumida e sem muitas colocações de âmbito jurídico, para ficar o mais simples e objetivo possível.

Antes de qualquer coisa, essa conversa não é argumento para desrespeitar o consumidor e o Código de Defesa do Consumidor. Em última instância, parece-me estar havendo tolerância ao argumento “se eu respeitar a lei, vou falir” e, realmente, isso não me parece juridicamente argumentável – principalmente porque os planos de saúde não tomaram qualquer medida que adequasse seus contratos no tocante às exclusões que até então fizeram – e fazem – embasados em cláusulas que deixam de explicitar de forma inteligível ao consumidor a carência de tratamentos para autismo. Ora, se os planos de saúde preveem que irão falir caso ofereçam tratamento para autismo, por que continuam prevendo autismo como doença coberta em contrato? Simples: captação de clientes; é fato que, se o plano de saúde começar a listar doenças não cobertas, o contrato se faz bem menos atrativo. E isso é “o resumo do resumo da ópera” desse aspecto.

Mas esse primeiro tópico abordado sequer é o real foco do texto. É este segundo tópico que inicia agora o mais alarmante. Até o presente momento, nenhuma pesquisa séria foi apresentada demonstrando o real risco dos planos de saúde em custear os referidos tratamentos. Quando os planos de saúde falam em tratamentos para autismo, extraem dados referentes a tratamentos pagos a custo de particular, em casos onde diversas terapias multiprofissionais são recomendadas, deixando de citar que cada caso é um caso e que, se em certas situações há um número grande de profissionais envolvidos no tratamento, em outros projetos terapêuticos singulares o número de procedimentos necessários é menor. Outrossim, os planos de saúde apresentam os dados, se e quando apresentam, de forma não randômica e ignorando diversos fatores, reduzindo e polarizando a situação entre fornecer ou não fornecer tratamento.

Conversando com diversos terapeutas, pude perceber que planos de saúde, quando obrigados a custear tratamentos por ordem judicial e, para isso, procuram profissionais particulares, sequer tentam negociar o preço do tratamento. Ou seja, os dados dos planos de saúde referentes a valores de tratamentos é fruto do relapso do próprio plano de saúde em buscar negociação frente aos terapeutas qualificados. Outra situação é que o plano de saúde obriga os terapeutas a cobrarem por hora, recusando-se a fechar um valor fixo; ocorre que o valor cobrado por hora é evidentemente mais caro que um valor fixo. Outra situação é que os planos de saúde, em sua maioria, têm burocratizado o pagamento dos profissionais desnecessariamente, solicitando preenchimento de papeis redundantes, exigindo apresentação de laudo detalhado da criança (o que inclusive é coibido pela ANS, mas, mesmo assim, praticado pelos planos de saúde), dentre outras exigências, como envelope específico por exemplo. Essas exigências tomam tempo dos terapeutas, que acabam sendo obrigados a encarecer o custo do tratamento para atender às exigências que o próprio plano de saúde criou.

Ou seja, grande parte do valor arcado pelo plano de saúde no tratamento poderia ser reduzido através de simples sistematização, como renegociações, contratação por valores de pacote de horas e simplificação da estrutura de controle e mecanismo de pagamento. Uma grande economia seria gerada aos planos com essas simples medidas. Porém, é possível ir muito além e reduzir ainda mais os custos dos tratamentos, caso haja uma verdadeira compreensão de como funciona cada tratamento. Por exemplo, os planos de saúde não têm apresentado em seu discurso as diferenças entre um supervisor de equipe ABA e aplicadores de terapia ABA, demonstrando cálculos-base de horas inteiramente calculadas com base em horas de um supervisor (que são evidentemente mais onerosas). Assim, a apresentação de planos de saúde de quanto custa um tratamento de autismo é completamente alheia a uma estrutura sistematizada e, portanto, impossível de ser avaliada sob a perspectiva trazida por estas empresas.

Igualmente, planos de saúde simplesmente deixam de mencionar que poucos dias de um paciente em UTI são extremamente mais onerosos que um tratamento mensal para crianças com autismo (em geral, vez que cada caso é um caso). Também deixam de mencionar que são empresas em expansão, visto que alguns planos recentemente abriram luxuosos laboratórios, possuem pavilhões de exposição e apresentações, investem de forma consistente em propaganda e marketing e estão contratando. O fato é que a conta não fecha: para quem está preocupado em falir, os planos estão simplesmente deixando de tomar medidas simples para controle de gastos, sendo que o argumento da falência é um cálculo baseado em falácias e somas que demonstram um recorte manipulado da realidade, com o claro intuito de instaurar um medo no Judiciário e população. As crianças com autismo penam e a lei sucumbe a letra morta em função de uma tal história, contada num tom meio “loira do banheiro”. Antes de falar em falência, é preciso verificar quais medidas reais os planos de saúde estão tomando para gerenciamentos de seus custos com os tratamentos.b

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