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Imagem fornecida livre de direitos autorais. Image by Free-Photos on Pixabay | Foto:

Quando temos um filho autista, surgem muitas dúvidas sobre o futuro. É comum à maioria das pessoas que, ao longo da vida, se apaixonem, se aventurem num relacionamento; porém, quando falamos de pessoas com autismo, por vezes esse curso natural gera dúvidas. Grande parte das pessoas com autismo tem profunda dificuldade em expressar seus sentimentos, o que é parte essencial de um relacionamento. Ainda, em virtude da dificuldade de se interpretar subjetividades e características de pessoas com autismo, surge uma profunda incerteza sobre como seria o desenvolvimento desta futura vida amorosa.

Em minha jornada, diante de tantas conversas com pais e mães de crianças autistas, posso dizer que encontrei mais reiteradamente três tipos de situações: pessoas autistas assexuadas, com ou sem desejo de ter um relacionamento amoroso; pessoas autistas que desejam exercer a sexualidade, porém sem desejo de desenvolver um relacionamento; e pessoas com autismo que demonstram o desejo de ter um relacionamento.

Pessoas assexuadas são aquelas que não se sentem atraídas por ninguém, homens ou mulheres. Não quer dizer que não se apaixonem, porém, mesmo que apaixonadas, não sentem atração sexual. Vale ressaltar que, para muitos autistas, a aproximação física é algo extremamente difícil devido a distúrbios sensoriais. Assim, o toque ao corpo, evidentemente inevitável em um ato sexual, pode vir, mesmo em imaginação, a gerar repulsa ou desconforto. Porém, não é incomum que pessoas assexuadas desejem ter um relacionamento, no qual o sexo não teria espaço.

Também há pessoas com autismo que têm uma libido bastante elevada, que na idade adulta desenvolvem interesse pelo ato sexual, porém, sem interesse em ter um relacionamento. Essa é a situação de muitas pessoas não autistas, e não há nada de errado com isso; porém, observe-se que, no caso de pessoas autistas, a falta de interesse pelo enlace afetivo pode surgir justamente da dificuldade de lidar com situações subjetivas. Um caráter formado de plena objetividade dificulta a imersão na esfera do enlace amoroso, e situações de constantes trocas de cunho subjetivo podem gerar desconforto para alguém com autismo.

E quando falamos de libido da pessoa com autismo, não podemos deixar de falar que diversas crianças autistas têm problemas por desenvolver fixação com o ato masturbatório, o que não significa que elas estejam sentindo atração ou desejo sexual. Crianças em geral, quando descobrem seu corpo, podem acabar descobrindo prazeres na manipulação da genitália, o que não significa que haja um interesse sexual da criança. É meramente uma relação “eu faço coisa x” e meu corpo responde “de forma y” e eu “fico feliz”; uma simples relação de ação e reação e, sendo a reação prazerosa, gera-se uma nova procura pela ação. Ocorre que crianças com autismo tendem a ter dificuldade de assimilar as construções sociais e, portanto, ao repreendidas ao fazerem isso em público, por exemplo, não conseguem compreender ou assimilar de forma completa o caráter de tal repressão.

Muitos pais se desesperam com essa situação, pois temem que seu filho se envolva em situação vexatória. Porém, é possível, com o auxílio de profissionais de saúde, implementar medidas que desenvolverão na criança ou adolescente a capacidade de compreender a necessidade da intimidade. Ainda falando de crianças e adolescentes com autismo, é importante ressaltar que boa parte deles são pessoas com extrema vulnerabilidade; ou seja, crianças com autismo, diante da dificuldade de fala e de interpretações subjetivas, em sua profunda inocência, são mais suscetíveis a abusos. Nesse sentido, precisamos tem muita atenção para orientar crianças e adolescentes com autismo de modo a não permitirem acesso de terceiros a seu corpo.

Por fim, no que se refere a pessoas com autismo que desejam um relacionamento, o que mais vejo nos relatos e materiais de estudo é que devemos ter cuidado com a idealização e intensidade com que encaram um relacionamento. Muitas pessoas autistas tendem a idealizar o parceiro e a relação (não que isso não seja comum entre pessoas neurotípicas, mas, para pessoas com autismo, essa idealização surge de forma mais desmedida). Ainda há um certo exagero na intensidade do relacionamento. Situações como esta são fielmente relatadas na série de TV “The Undateables” (péssimo nome, conteúdo bacana – já falei sobre esta série aqui).

The Undateables é um reality show britânico, disponível da Netflix, que trata de pessoas com transtorno de desenvolvimento e outras deficiências em busca de um relacionamento com a ajuda de uma agência especializada. Diversos episódios contam com histórias de pessoas com autismo e sua busca por um relacionamento amoroso. O seriado é profundo na medida em que impõe que nos deparemos com as hipocrisias que a sociedade cria, onde todos parecem negar a capacidade de se apaixonar pela alma de alguém, enquanto descartam a possibilidade de se apaixonar por pessoas com deficiência. Por outro lado, o seriado tem um caráter otimista, mostrando que a paixão sempre é possível.

Seja como for que a pessoa autista se coloque diante de relacionamentos e sexualidade, devemos, antes de tudo, respeitar suas vontades. Forçar uma pessoa autista assexuada a tentar se interessar por sexo, tentar dissuadir uma pessoa com autismo que deseja um relacionamento, ou mesmo tentar convencer uma pessoa autista que o melhor é se relacionar é impor a nossa forma de ver o mundo a outra pessoa – e isso nunca é uma boa opção. Por outro lado, não podemos esquecer que, na infância e adolescência, essas pessoas são em geral especialmente vulneráveis, merecendo atenção e proteção especiais, ensinando-as o conceito de intimidade, de que nosso corpo é um templo.

Eu não sei se minha Gabi um dia vai querer namorar, casar, ter filhos. O que sei é que estarei ao seu lado para auxiliá-la a entender cada passo do caminho. “E a gente vai. E conhece a dor. Consideramos justa toda forma de amor”.

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