• Carregando...
A derrota da seleção e a verdadeira vergonha
| Foto:
Rafael Ribeiro / CBF
Vergonha não é perder para o Paraguai no futebol, vergonha é não conseguir acabar com o tráfico de drogas e armas na fronteira com o Paraguai

Eu também torci pela seleção de futebol da CBF. Eu também me irritei com os quatro pênaltis perdidos. Eu também fiquei sentido com a desclassificação. Mas tudo isso durou o tempo da partida – no máximo uma hora a mais, enquanto eu revia os lances num programa esportivo. Em seguida, passou. Como passa a decepção depois de uma péssima sessão de cinema. Como some o desapontamento depois de um show abaixo da crítica. Espetáculos, entretenimento, com algumas lições para a vida, se calhar, mas nada que justifique uma noite mal dormida.

Num país que segue o futebol como se fosse uma religião e que santifica (ou demoniza, dependendo da rodada) os atletas, sei que é difícil pensar assim – eu mesmo já sofri muito com a seleção e com o “meu” Botafogo. Mas penso que assistir a uma derrota do “time de coração” deveria ser tão frustrante quanto assistir a um filme ruim do diretor favorito ou a uma música desafinada do cantor preferido. Quando isso acontece, ninguém sai quebrando o cinema, pedindo a cabeça do diretor ou dos atores. Ninguém fica chorando de raiva pela decepção musical, gritando ao cantor: “você deveria honrar a MPB, seu safado”! Seria uma cena ridícula – tão ridícula quanto as choradeiras e quebradeiras que costumam seguir os jogos de futebol.

Nessas ocasiões de derrota nos campos, também sempre surge o papo de que “os jogadores ganham demais”, “só querem saber de dinheiro”… Concordo com o argumento de que os enormes ganhos financeiros por parte de jogadores de futebol revelam certa inversão de valores, quando comparados aos salários de professores, médicos da saúde pública, policiais e tantos outros profissionais fundamentais ao bom funcionamento da sociedade. Mas o mesmo pode ser dito dos ganhos astronômicos de certas estrelas da música, do cinema, da televisão… De novo: depois de um filme ruim, ninguém sai chamando o ator de mercenário, ninguém o acusa de “ganhar muito”, de “só querer saber de dinheiro” e descuidar da atuação. Não é a mesma coisa? É! Nós é que nos apaixonamos pela coisa errada: o futebol, como conhecemos hoje, é uma atividade de entretenimento, privada! Até mesmo a “seleção brasileira” é particular! E os jogadores são atores do espetáculo, que ganham dinheiro conforme o lucro que geram – como estrelas de cinema ou cantores de sucesso, ou nós mesmos, se pensarmos bem.

Recentemente, assisti a uma entrevista feita pelo Luciano Huck com o Daniel Alves, lateral-direito da seleção e do Barcelona. Ao responder a uma pergunta do Luciano Huck sobre a pressão que sentia antes de um jogo como a final da Liga dos Campeões da Europa, torneio de clubes mais importante do mundo, Daniel Alves respondeu algo como: “pressão eu sentia quando plantava cebola e não sabia se teria o que comer no final do dia. Jogador de futebol, sentir pressão? Agora é tranquilo”. A resposta é sincera e revela duas coisas. Primeiro: enquanto alguns torcedores passam uma semana chorando por conta de uma derrota (e até deixam de se importar com problemas reais, míopes em relação à importância das coisas), os grandes jogadores até podem ficar chateados, mas em seguida entram nos seus carrões, vão para suas mansões e passam a pensar no próximo show. Segundo: geralmente, os jogadores merecem o sucesso. O Daniel Alves passou fome no árido e pobre interior da Bahia, plantou cebola e batalhou muito, suou a camisa para vencer na vida. Hoje é um dos grandes atores de um dos principais espetáculos da Terra, que movimenta bilhões. Ele não merece ganhar o que ganha? Se há muita gente que paga para assisti-lo, que compra suas camisas, é claro que merece!

A gente quer se revoltar contra a riqueza alheia? Pois que nos revoltemos contra quem fez fortuna indevidamente, sem trabalhar, desviando dinheiro público – inclusive no futebol. Que nos revoltemos contra os maus políticos! Esses merecem o nosso repúdio, a nossa revolta, os nossos cartazes, as nossas vaias!

Vergonha

Logo após a partida em que a seleção foi desclassificada da Copa América pelo Paraguai, o Twitter foi inundado de comentários sobre #vergonhabrasil. Eu mesmo postei um. Mas depois fiquei pensando: #vergonhabrasil? Por causa de futebol? Por perder um jogo para o Paraguai? A gente deveria sentir vergonha por não conseguir acabar com o tráfico de drogas e armas na fronteira com o Paraguai… A gente deveria sentir vergonha dos grandes problemas brasileiros: educação abaixo da média, saúde em estado terminal, falta de segurança, infraestrutura desestruturada, corrupção… A gente deveria sentir vergonha da nuvem de roubalheira que parece estar se formando no horizonte dos grandes eventos esportivos no Brasil… A gente deveria sentir vergonha de nós mesmos, por termos eleito para representar nossos interesses mais fundamentais pessoas de quem se desconfiaria até na administração das moedinhas de troco… A gente deveria sentir vergonha por não fazer nada a respeito… A gente deveria sentir vergonha por sofrer mais com o futebol do que com a nossa miséria… #vergonhabrasil!

***

Agudas

– Há exatamente 40 anos, Pelé disputava sua última partida com a camisa da seleção brasileira. Esse fez falta ontem.

– “(…) o futebol é, como o carnaval, um agente de confraternidade. Liga os homens no amor e no ódio. Faz que eles gritem as mesmas palavras e admirem e exaltem os mesmos heróis.” (José Lins do Rego)

***

Siga o blog no Twitter!

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]